segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

um trecho de O Grande Deserto, de James Ellroy

bignowhere

Um aguaceiro caiu logo antes da meia-noite, afogando os buzinaços e o barulho que geralmente assinalavam o Ano-Novo na Strip, trazendo 1950 para a delegacia de West Hollywood em meio a uma onda de discussões acaloradas com o apoio de um camburão.

À 0:03, uma batida entre quatro veículos na esquina da Sunset com La Cienega resultou em meia dúzia de feridos: os policiais que atenderam ao chamado conseguiram testemunhas oculares: o acidente foi causado pelo palhaço do DeSoto marrom e pelo major do Exército no carro oficial de Camp Cooke, que estavam disputando corrida sem as mãos no volante e levando no colo cachorros que usavam chapeuzinhos de festa de aniversário. Duas prisões: um telefonema para o abrigo de animais da Verdugo Street. À 0:14, um abrigo de veteranos desabitado na Sweetzer desmoronou, formando uma pilha encharcada de material pré-fabricado, matando um adolescente e uma garota que se esfregavam debaixo do alicerce: os dois estavam no necrotério do condado. À 0:29 um enfeite de néon, representando um Papai Noel e seus ajudantes, entrou em curto-circuito num quintal, lançando chamas pelo fio elétrico até a extremidade dentro da casa - uma tomada presa a um labirinto de adaptadores que alimentava um presépio e uma árvore de Natal grande e muito iluminada - queimando seriamente três crianças que cobriam de presentes embrulhados com lenço de papel um Menino Jesus que brilhava no escuro. Um caminhão dos bombeiros, uma ambulância e três radiopatrulhas do Departamento do Xerife chegaram ao local e houve uma pequena briga por causa da jurisdição quando o Departamento de Polícia de Los Angeles apareceu com força máxima, já que um despachante novato confundira o endereço Sierra Bonita Drive como território metropolitano - e não do condado. Depois, cinco prisões por embriaguez ao volante, depois, uma fiada de bêbados e desordeiros à medida que as boates da Strip fechavam: depois, um assalto à mão armada na frente do Dave's Blue Room, as vítimas sendo dois caipiras de lowa que tinham vindo à cidade para o Rose Bowl, e os bandidos, dois crioulos que haviam escapado num Merc 47 com saiotes de pára-lamas roxos. Quando a chuva foi diminuindo, pouco depois das três horas, o detetive Danny Upshaw, que estava comandando o plantão na delegacia, previu que a década de 50 seria uma década de merda.

A não ser pelos infratores bêbados e sóbrios no xilindró, ele estava sozinho. Todos os carros oficiais e não-oficiais trabalhavam no turno da madrugada; não havia cadeia de comando, nenhuma telefonista ou secretária, nenhum policial à paisana no esquadrão. Nenhum patrulheiro vestido de cáqui ou verde-oliva andando de um lado para o outro, rindo por causa do serviço moleza - a Strip, mulheres vistosas, cestas de Natal mandadas por Mickey Cohen, a chateação verdadeira por causa da disputa territorial com o DPLA. Ninguém para censurá-lo com o olhar quando ele pegasse seus livros de criminologia: Vollmer, Thorvald, Maslick - perícias de cenas de crime, explicações para marcas de sangue, como revistar uma sala de cinco por sete metros em busca de provas em apenas uma hora.

Danny acomodou-se para ler, os pés apoiados na mesa à frente, o rádio de comunicações da delegacia em volume baixo. Hans Maslick estava fazendo uma digressão sobre como tirar impressões digitais de carne muito queimada, os melhores compostos químicos para remover tecido com crosta sem estragar a pele debaixo do padrão de impressão. Maslick aperfeiçoara essa técnica logo depois do incêndio em uma prisão em Dusseldorf, em 1931. Ele teve uma quantidade de defuntos e de impressões digitais com os quais trabalharam havia uma fábrica de produtos químicos ali perto, com um jovem e ambicioso assistente de laboratório disposto a ajudá-lo. Juntos os dois trabalharam rapidamente; as soluções cáusticas queimavam muito fundo, compostos mais leves não penetravam na pele chamuscada. Danny anotava símbolos químicos num caderno, à medida que lia; visualizava-se como assistente de Maslick, trabalhando lado a lado com o grande criminologista, que lhe daria um abraço paternal a cada vez que ele conseguisse um brilhante salto de lógica. Em breve estava transpondo para a leitura a cena dos meninos queimados no presépio, trabalhando sozinho, tirando impressões de dedos minúsculos, comparando-as duas vezes com os registros de nascimento, precaução tomada nos hospitais para o caso de os recém-nascidos serem trocados...

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