Lush Life, de Richard Price
Leia trecho do livro que será publicado em 2009
"O jeito que está a cidade", disse Lester Kaufman, um joelho cruzado por cima do outro, a mão algemada pendendo lânguida da barra. "Todo mundo se dando muito bem, não é? Mas vai pedir alguma porra pra alguém. Nunca foi tão difícil."
Matty grunhiu, solidário.
Clarence contou a Matty que a primeira coisa que o sujeito falou assim que foi preso por ele depois de tentar roubar uma bolsa na frente da Berkmann's foi, "se você me soltar, eu conto quem matou aquele garoto branco".
"Eu juro, cara", disse Lester a Matty pela décima vez naquela meia hora, "que só falei aquilo porque tava meio em pânico. A primeira coisa que me veio na cabeça. No que me sobrou da cabeça."
Infelizmente, Matty acreditou no que ele dizia. Kaufman bocejou feito um leão, revelando a bola de aço fosco do piercing que atravessava a sua língua.
Iacone, tirado do sono por causa dessa história, bocejou em resposta.
"Mas vou te dizer que tou preocupado é com a minha namorada... Dei cem dólares pra ela me arrumar alguma coisa, sabe, pra me deixar legal? Ela disse quinze minutos e aí me deixou três horas esperando ali na rua. Eu não tinha a menor idéia de onde ela foi, do que aconteceu com ela... Quinze minutos... Quer dizer é que eu nunca ia fazer uma coisa dessa se ela não me deixa ali metade da noite olhando todo mundo sair pela porta pra fumar cada vez mais de porre, metade das bolsas dando mole ali na porra da calçada..." Outro bocejo titânico, um lampejo fosco e sujo do piercing de língua.
"Merda", disse Iacone. Na falta de outro parceiro, Matty tinha lhe passado uma conversa para sair da cama no quarto de descanso, usando a promessa de horas extras e de uma carona até em casa.
"Eu sei que tou fodido, nem precisa me dizer, mas será que você podia olhar pra ver se ela aparece aí no sistema? Tou torcendo pra ela só ter sido presa, nada pior, mas..."
"Comé o nome dela?"
"Anita Castro ou Carla Nieves."
Iacone se levantou e foi até o computador na mesa de Yolonda.
"E onde foi que tu arranjou cem dólares, Lester?", perguntou Matty.
"Onde?", ele estremeceu depois tossiu na mão fechada, "olha, cara, você não quer saber, só vai arrumar mais trabalho com uma pergunta assim."
"É mesmo?"
"Falando sério."
Matty deixou passar.
"Nada", Iacone anunciou.
"Aí tem o Brooklyn?", perguntou Lester.
"Não, só Manhattan."
"E você pode olhar no Brooklyn? Ela opera na South Second, South Third. Ninguém mais trabalha em Manhattan, Manhattan já era. Por culpa de vocês." Recruzou os joelhos, mostrando uma tira sebenta de ceroula vermelha entre o tornozelo azul-claro e a bainha dos jeans. "Mas que porra aconteceu com ela? Ela ia me levar no hospital. Tou com água no peito..."
"Não tem problema", disse Matty, "a gente arranja alguém pra te levar assim que acabar aqui."
"Nada", Iacone anunciou, "ela tem um terceiro nome?"
"Não está no computador, hein? Meu Deus. O que vocês acham que aconteceu com ela?", perguntou a Matty. "E eu aqui... Isso também é crime, certo?"
"Não necessariamente. Depende de como você conta o que contar, em matéria de sinceridade, de arrependimento."
"Mas eu tou arrependido. Não fiz ameaça, não disse que ia fazer nada como diz, meio terrorista..."
"Tá bem, então é isso que tem de aparecer no depoimento. Na verdade, se tu quiser, a gente até escreve o depoimento no seu lugar. Mas o que eu posso te dizer que você já não tenha ouvido um milhão de vezes? Se tu ajudar a gente, a gente te ajuda."
"Vocês acham que essa história pode virar só um furto simples? É que eu só, eu nem queria, peguei essa porra na calçada. Nem achei que alguém fosse notar. Quando aquele negão começou a correr atrás de mim, eu falei, 'Aqui, fica com ela'. Nem deu tempo pra mim abrir a porra da bolsa, nem sei o que tinha dentro. Tá na cara que eu não sou profissional."
"Ora, ora, deixa disso, não vá se diminuir", Iacone comentou da mesa de Yolonda.
"Sabe de uma coisa, quero dizer desde já que a gente anda comendo da lata de lixo, eu e Anita, mas uns anos atrás? A gente tinha uma loja que valia uns 200 mil dólares."
"É mesmo?" A vez de Matty bocejar. "Que tipo de loja?"
"Uma espécie de boutique de moda punk."
"Fala sério."
"Me arranja um cigarro? Meu Deus, eu tenho que chegar logo no pronto socorro..."
"Tá bem", Matty bateu palmas uma vez. "Presta atenção, só vou oferecer uma vez. Caguei pros caras que mataram aquele garoto, você só entrega uns assaltantes pra gente, meia dúzia de nomes, qualquer um que você saiba que opera naquela área, e se os nomes conferirem, além de sair daqui na boa, a gente te leva no pronto socorro, espera você ficar bom e depois ainda vai procurar a garota."
"Assaltantes?" Lester encolhe os ombros, recruza as pernas, desvia os olhos. "Sabe, ela também usa Carmen Lopez. Era o nome que ela se apresentava naquele lugar, o bar em Massapequa. Era boa dançarina, bailarina exótica, muito boa, muito popular, tinha muito cliente fixo, gente que gostava de ver ela dançar e depois ela ia na casa deles, de alguns deles, pegava emprestado trinta, quarenta dólares, mas agora ela tá com barriga de quatro meses, e aí...", apoiando a testa na palma da mão solta. "Não sei. Talvez teja na minha hora de ir em cana. Aqui tá ficando muito difícil, sabia?"
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