quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

TRECHO Kafka à Beira-Mar

Haruki Murakami

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Capítulo 1

Não é só dinheiro o que pego às escondidas do gabinete do meu pai no momento em que saio de casa. Pego também um pequeno isqueiro de ouro (gosto do seu design e do seu peso) e um canivete de ponta aguçada. Feito para esfolar cervos, tem 12 centímetros de lâmina e pesa consideravelmente na palma da minha mão. Meu pai deve tê-lo comprado numa de suas viagens ao exterior. Resolvo também levar a lanterna de bolso que achei numa gaveta da escrivaninha dele. E preciso dos óculos de sol para disfarçar a idade. Óculos Revo, lente azul-celeste escuro.

Penso também em levar o relógio Rolex que meu pai guarda com muito zelo, mas, depois de curta hesitação, desisto. O belo mecanismo me fascina, mas não quero carregar coisas caras desnecessárias e chamar a atenção para a minha pessoa. Ademais, em termos de praticidade, o relógio de pulso Casio com cronômetro e alarme que uso todos os dias satisfaz plenamente. Acho também mais fácil de usar. Abro mão do Rolex e o devolvo à gaveta.

Além destes itens, levo comigo uma foto que tirei na infância lado a lado com minha irmã. O instantâneo estava guardado no fundo de uma gaveta. Foi batido numa praia qualquer, e nos mostra sorrindo alegremente. Minha irmã se volta para o lado, de modo que tem a metade do rosto na sombra. Em decorrência, seu sorriso ficou partido. Semelhante à máscara de teatro grego que ilustra meu livro escolar, seu rosto parece encerrar dois sentidos. Luz e sombra. Esperança e desespero. Riso e tristeza. Confiança e solidão. A seu lado, eu encaro a câmara sem reserva alguma no olhar. Não há mais ninguém na praia além de nós dois. Estamos ambos de roupa de banho. O maiô de minha irmã é inteiriço com motivo floral vermelho; minha sunga é feia, grande demais para mim. Tenho alguma coisa na mão. Parece um bastão de plástico. Uma onda que se transformou em espuma branca lava os nossos pés.

Não tenho idéia de quem tirou esta foto, nem onde ou quando. Qual o motivo desta minha expressão feliz? Aliás, como pode alguém parecer tão feliz? E por que meu pai conservou apenas esta foto? Há em tudo um quê de mistério. Devo ter cerca de 3 anos, e minha irmã, uns 9. Nossa relação terá sido realmente tão carinhosa? Eu mesmo não me lembro de ter feito excursão alguma à praia com a família. Aliás, a lugar algum. Seja como for, não quero que meu pai conserve este tipo de lembrança. Guardo a foto envelhecida na minha carteira. Não tenho nenhuma de minha mãe. Tudo indica que meu pai se desfez de todas em que ela aparecia.

Depois de ponderar alguns instantes, resolvo levar o telefone celular. Pode ser que meu pai contate a companhia telefônica e cancele a assinatura quando se der conta de que o aparelho desapareceu. Nesse caso, não vai adiantar nada tê-lo comigo. Sei disso, mas ainda assim ponho-o na mochila. Guardo também o carregador de bateria. Afinal, são coisas leves. Posso muito bem me desfazer delas mais adiante, caso perceba que a linha está muda.

Decido carregar só o estritamente necessário na mochila. O mais difícil é escolher as roupas. De quantas cuecas e meias vou precisar? De quantos suéteres? E camisas, calças, luvas, cachecóis, shorts e casacos, quantos? Uma vez começada, a lista parece infindável. Mas uma coisa sei com certeza. Não vou vagar por terras estranhas arrastando uma bagagem volumosa, típica de garoto que fugiu de casa. Desse jeito, chamarei a atenção num instante. E logo a polícia me trará de volta para casa sob custódia. Será isso ou lidar com os marginais da localidade.

Basta não ir para regiões frias. Essa é a conclusão a que chego. Muito simples, ora. Vou para uma terra quente. Assim, não preciso levar meu casaco. Nem luvas. Eliminada a eventualidade de dias frios, a quantidade de roupas se reduz pela metade. Escolho só as de tecido fino, que fazem pouco volume e são fáceis de lavar e secar. Dobro-as de maneira compacta antes de metê-las na mochila. Além das roupas, levo um saco de dormir inflável — do tipo que, esvaziado, se transforma num rolo minúsculo —, um conjunto de artigos de higiene, capa de chuva, caderno e esferográfica, um walkman MD Sony, dez discos (não abro mão das minhas músicas), bateria recarregável sobressalente… e isso deve ser tudo. Não vou levar utensílios para cozinhar. São volumosos e pesados. Vou comprar comida pronta em lojas de conveniência. Reduzir a lista me toma um longo tempo. Acrescento diversos itens e em seguida elimino os que considero supérfluos. Acrescento outros tantos e torno a eliminar.

* * *

Achei que o dia do meu décimo quinto aniversário seria ideal para fugir de casa. Antes disso é cedo e, se deixar para depois, será tarde demais.

Nestes dois últimos anos, ou seja, desde que comecei o curso ginasial, concentrei-me em fortalecer o físico e me preparei para este dia. Tive aulas de judô desde os primeiros anos do primário e continuei a tê-las durante certo período do curso ginasial. Evitei porém participar de grêmios esportivos. Nas horas livres, eu corria sozinho no pátio da escola, nadava e, para fortalecer a musculatura, me exercitava nos aparelhos do ginásio esportivo municipal. Uma equipe de jovens instrutores me ensinou a maneira correta de usar esses aparelhos, de fazer alongamentos e de fortalecer os músculos com a maior eficiência possível. Os instrutores me ensinaram também quais músculos são solicitados em atividades cotidianas e quais só podem ser fortalecidos em aparelhos, assim como a maneira correta de executar a série de exercícios bench press. Para minha sorte, sou alto por natureza e, graças aos exercícios diários, meus ombros se alargaram e meus peitorais se avolumaram. Quem não me conhece acha que eu tenho 17 anos. Se aparentasse os 15 que realmente tenho, na certa me envolveria em dificuldades onde quer que eu vá de agora em diante.

Excetuando as poucas palavras que troco com os instrutores da academia e com a empregada — ela aparece em casa dia sim, dia não —, assim como a conversa estritamente necessária que mantenho com os colegas de classe, quase não falo com ninguém. Quanto ao meu pai, já faz algum tempo que não o vejo. Vivemos sob o mesmo teto, mas nossos horários são bem diferentes, sem contar que ele costuma se encerrar quase o dia inteiro num ateliê longe de casa. Ademais, e isso nem preciso dizer, faço tudo para não vê-lo.

Minha escola, particular, é frequentada principalmente por crianças ricas e de classe alta. Uma vez matriculado, você progredirá automaticamente do primário até o colegial, desde que não se meta em nenhuma encrenca pesada. Todos os alunos têm dentes bonitos e bem nivelados, usam roupas limpas e são maçantes. E, é claro, nenhum deles gosta de mim. Eu tinha erguido uma cerca alta em torno de mim e, da mesma maneira que me empenhava em não deixar ninguém passar para dentro dela, eu próprio fazia de tudo para não me expor fora dela. Obviamente, ninguém gosta desse tipo de gente. Meus colegas me mantinham a respeitosa distância e me observavam com precaução.

Não sei se me julgavam desagradável, ou se tinham medo de mim, mas a verdade é que eu gostava de ser solitário. Eu tinha tanta coisa para fazer… Nos intervalos, eu sempre ia à biblioteca e lia muitos livros com avidez.

Ainda assim, eu prestava total atenção às aulas. Nisso eu seguia o conselho do menino chamado Corvo.

Também acho que conhecimentos e técnicas ministrados durante o curso ginasial não têm grande utilidade na vida prática. Os professores também são quase sempre um bando de idiotas. Sei disso. Mas preste atenção: você vai fugir de casa. Depois disso, é quase certo que não terá oportunidade de frequentar escolas; trate portanto de memorizar tudo que lhe ensinarem durante as aulas, independentemente de gostar ou não das matérias. Você simplesmente terá de absorver todas as informações que lhe forem apresentadas. Mais tarde poderá decidir quais descartar e quais conservar.

Segui o conselho dele. (Aliás, eu havia decidido que seguiria os conselhos do menino chamado Corvo sempre que possível.) Concentrei-me, transformei meu cérebro em esponja, apurei os ouvidos a cada palavra pronunciada durante as aulas e permiti que penetrassem meu cérebro. E dentro do limitado espaço de tempo de uma aula esforcei-me por compreender e memorizar tudo. Graças a isso, e apesar de não estudar quase nada fora da classe, sempre obtive notas altas e me conservei no grupo dos melhores alunos.

Com o tempo, meus músculos se enrijeceram como se contivessem aço, e fui ficando cada vez mais lacônico. Evitava da melhor maneira possível que meu rosto revelasse qualquer emoção e que cole- gas e professores percebessem o que me ia na mente. Muito em breve, eu me veria sozinho no selvagem mundo adulto e nele teria de sobreviver. Eu tinha de ser mais valente que qualquer um.

Ao me olhar no espelho, percebia que meus olhos brilhavam frios como os de um lagarto e que minha fisionomia adquiria dia a dia uma expressão dura, impenetrável. Pensando bem, já não me lembrava de quando fora a última vez que eu havia rido. Ou sorrido. Para alguém ou para mim mesmo.

Contudo, nem sempre eu conseguia defender essa tranqüila independência. Às vezes, a cerca, que eu pensava haver erguido bem alto em torno de mim, ruía por completo. Não foram muitas as vezes em que isso aconteceu, mas houve algumas. Sem que eu me desse conta disso, a parede desaparecia e, de repente, eu me via completamente nu e exposto perante o mundo. Nessas ocasiões, eu me perturbava por completo. E havia também a profecia. Ela era uma água escura sempre presente.

A profecia é água escura e misteriosa, sempre presente.

Normalmente, ela fica submersa em lugar desconhecido. Mas, quando o momento chegar, a água transbordará e, silenciosa, banhará em gelo cada uma de suas células, irá afogá-lo num turbilhão cruel que o fará ofegar. Você se agarra ao respiradouro existente no alto, próximo ao teto, e busca desesperado o puro ar externo. Mas

o ar que lhe vem dali é seco e quente, queima a sua garganta. Água e sede, frio e calor: elementos que deviam se opor juntam-se então para atacá-lo simultaneamente. Tanto espaço neste vasto mundo, mas você não encontra — e bastava apenas um, bem pequeno — nenhum capaz de acomodá-lo. E, quando ansiar por uma voz, ali encontrará apenas o silêncio. Não obstante, quando buscar o silêncio, ali encontrará a voz da profecia sussurrando sem parar. E pode ser que um dia essa voz aperte algo semelhante a um interruptor misterioso, oculto nalgum lugar dentro de sua cabeça.

Sua alma se assemelha a um rio cujas águas a chuva incessante transformou em caudal. A correnteza submergiu e ocultou todas as placas de sinalização terrestre e provavelmente já as carregou para um lugar escuro. Mas a chuva, copiosa, continua a cair sobre o rio. E toda vez que você vir em noticiários tais cenas de inundação, você pensará: Realmente, assim é a minha alma.

Antes de sair, vou ao banheiro e lavo as mãos e o rosto com sabonete. Corto as unhas, limpo as orelhas, escovo os dentes. Gasto tempo me limpando da melhor maneira possível. O asseio é a coisa mais importante do mundo em certas situações. Depois, volto-me para o espelho sobre a pia e examino com atenção minhas próprias feições. Aí está o rosto que herdei de meu pai e de minha mãe, embora desta não me reste nenhuma lembrança. Por mais que me empenhe em suprimir a expressão, por mais que embace o brilho do olhar, por mais que fortaleça a musculatura, jamais serei capaz de alterar a conformação do meu rosto. Por mais que eu queira, não há como extirpar as sobrancelhas espessas e de traçado longo, nem o vinco profundo entre elas, os quais só posso ter herdado de meu pai. Posso até matar meu pai, caso queira (com a força física que possuo agora não será difícil). Posso também eliminar a imagem materna da memória. Não posso contudo expulsar o gene que os dois me legaram. Pois fazê-lo significaria banir a mim mesmo do meu corpo.

E depois, há a profecia. Esse mecanismo embutido em mim.

Esse mecanismo embutido em mim.

Apago a luz e saio do banheiro.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

TRECHO a passagem do dragão

Pedro Salgueiro

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Foi assim de repente, quando menos se esperava (em plena tarde morna) o sol tornou-se pálido, para sumir logo em seguida. O povo ainda não havia acabado de se assustar—ouvimos no meio da escuridão um bater de asas atravessando o vilarejo, como se um bando de pássaros saísse em revoada. Um pouco antes de os moradores da vila abandonarem suas casas em grande alvoroço, os bichos já alarmavam o acontecido: galinhas cacarejavam, galos cantavam em desespero, porcos fugiam pelas ruas atropelando as pessoas…

    O relógio do mundo parecia ter sido alterado, os sons se intensificavam mais e mais; e não havia quem não gritasse ou corresse de um lado para o outro. Mulheres procuravam seus maridos, mães chamavam pelos filhos, ninguém se entendia.

    Alguém com voz desesperada anunciou  o fim do mundo: suas palavras ecoaram  em outras bocas, e o que se ouviu depois foi um desfiar de rezas e choros. Os mais agitados gritavam o nome de Deus, pedindo ajuda; outros sussurravam um padre-nosso em meio  ao soluço intenso. A maioria andava de um canto a outro feito barata tonta.

    (Estávamos apreensivos desde a semana anterior ao acontecimento, quando a chegada de três grupos de forasteiros fez com que todos saíssem para as ruas e corressem, admirados, atrás dos automóveis, que pela primeira vez cortavam a poeira de nossas ruas. Das três equipes somente uma falava de maneira compreensível, as outras duas apenas trocavam entre si uns mungangos. De início se instalavam na praça da matriz, armaram barracas de lona e começaram a abrir grandes caixas trazidas nos automóveis [...] Com uma semana todos os aparelhos já estavam montados, grandes canhões apontavam, de diversos cantos da praça, para o céu. Os mais entendidos da vila, fingindo compreender as explicações dos invasores, tentavam acalmar a maioria, que permanecia apreensiva com tudo aquilo. Antes que os moradores dos povoados se acostumassem com os visitantes e suas extraordinárias maquinas de apontar para o céu, o mundo escureceu pela primeira vez às três da tarde.)

    Mas também de repente, como tinha escurecido, começou a clarear [...] Na praça, os estrangeiros davam pulos de alegria e estouravam garrafas de espuma [...] os que falavam melhor tentaram, em vão, explicar aos curiosos o que havia acontecido [...]  porém não souberam explicar de onde surgiu e para onde foi o imenso pássaro que sobrevoou a vila na escuridão.

    No mesmo dia desmontaram os aparelhos e foram embora…

 

domingo, 27 de novembro de 2011

POUCAS PALAVRAS, HISTÓRIAS COMPLETAS

For sale: baby shoes, never worn.
-Ernest Hemingway

Machine. Unexpectedly, I’d invented a time
-Alan Moore

Lie detector eyeglasses perfected: Civilization collapses.
-Richard Powers

The baby’s blood type? Human, mostly.
-Orson Scott Card

Longed for him. Got him. Shit.
-Margaret Atwood

Hellfireclub.

sábado, 26 de novembro de 2011

Moebius the mutant

by Clarisse Bouillet and Anne-Claire Norot

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His name is also Jean Giraud, whether he is drawing the Incal or Blueberry. He is one of the rare comic artists to switch from sci-fi to western. Transformation is the theme of his large exhibit at the Cartier foundation.

He is a man of two names and multiple activities: Author and artist of cult comics, from Blueberry to the Incal; co-founder of the experimental and transgressive, sci-fi comics magazine Métal Hurlant (Heavy Metal) in 1975, ; Concept artist for movies (Alien, Tron, The Abyss, The 5th Element…) Unique on the French comics scene, he shattered the forms and codes of his art and is celebrated around the world. He releases today “Arzak l’Arpenteur” (Arzak the Surveyor) bringing back to life the hero of a classic story he published in 1975. To pay tribute to his protean and ever reinvented career, the Cartier foundation offers him an impressive exhibit on the theme of transformation.

Interview: You are at the same time Jean Giraud, creator of lieutenant Blueberry and Moebius author of science-fiction comics. Why this dual identity?

Moebius:  It was vital for me to take a pseudonym; I needed a password to navigate from one world to the other and to be able to come back. But Jean Giraud and Moebius were always one. There was a transformation of comics in the ’60s/’70s and I’m one of the few to have made it through. I feel I’ve made it through without abandoning my roots.

The idea of transformation is recurring in your body of work and is also the theme of your exhibit.

What interest me is rather the difficulty to keep one’s identity and shape through metamorphosis. It might come from my bipolar nature but I always had trouble keeping stable forms. Something slides in me making things evanescent. The theme of transformation therefor became evident. When my characters live a normal life then all of a sudden starts seeing outgrowth coming out of their body, it’s not normal, it’s monstrous, almost a cancerous pathology, a cellular anarchy! The physical instability I translate in my drawings is like the fear of madness, a sort of metaphor for mental instability.

“Arzak l’Arpenteur” is the sequel to Arzach a story you started 30 years ago. How did your character change?

Thirty years ago, this story without words, very mysterious was somewhat transgressive. Arzach was like a ball of energy. You can see it in the drawings, the theme, the changing spelling (the spelling of the hero’s name changes constantly -ed.) and the use I’ve made of it over the years; years he spent going through various incarnations. I’ve used him in posters, drawings, films… Most of the time I called him Starwatcher “The one who observes the stars”. Recently, the publishing company we created with my wife, focused on some of my less mainstream works and wanted to be more ambitious. We thought it would be good to have a real title with a hero. Besides, Japanese producers had asked me an outline for an animated feature. I wrote a scenario with Arzach. The production collapsed but the scenario remained. “Arzak l’Arpenteur” is what came out of all this.

You started drawing when you were very young, in the ’50s. What attracted you to comics?

I come from a family with no artistic background, neither from my father’s side who was from the bourgeoisie, nor from my mother’s side who’s family were farmers. What led me to draw were two things. In my Grand Parents library was a substential collection of 19th century books - not literature, picture books, etchings from Gustave Doré, Edourd Riou or Alphonse de Neuville. And at the same time, at school, I was exposed to the culture of my age and time influenced by “Tim l’Audace, “Les Pieds Nickelés”, “Tintin”… That explains those two poles: the Moebius pole, through all the 19th century iconography and comics, producing simple images for children on a theme of adventure.

How did you learn your trade?

I’ve worked with Joseph Gillain (Spirou, Jerry Spring…) for a year. You could say he initiated me. I was already full of creativity, I had sold a lot of stories to newspapers but it was going in every directions, without shape. Gillain structured my drawing forever, it was fantastic. A trip to Mexico in 1956 brought me new themes announcing Moebius but the gestation process was long. It’s only once I got back to Paris that I found through science-fiction a possible bridge between my publications in newspapers and my artistic aspirations.

You have worked on the movies Alien and the Fifth Element. How did you discover science-fiction?

When I was a teenager, my father brought me a magazine named “Fiction” and told me to read it. I did [laugh] and really liked it! This monthly publication featured short stories from American magazines and some French short stories too. I’ve discovered all the classic authors like Heinlein, Asimov, Philip K. Dick, Jack Vance and Philip José Farmer who quickly became my writers of reference. I loved socio-cosmic sci-fi, or the idea of a man put on an alien environment representing humanity.

Was this interest in science-fiction the drive to create Métal Hurlant in 1975?

It was necessary to create this magazine. At the time to reach a maximal creative ability, an artist had to jump through incredible hoops. Hergé had created a kind of magical but powerful misunderstanding: to make people believe he was working for an audience of children when in fact he was working for everybody, by removing from his creation anything sexual. We wanted to break out from this way of doing business. Breaking out meant working inside, in your head but also socially, because there were very active monitoring structures in place- Board of education, elected officials, parents associations and the police. Don’t forget that when we released Métal Hurlant we also created a magazine called “Ah! Nana” its feminine and feminist equivalent. We stopped publication after 9 issues when we were summoned to the Quai des Orfèvres (Paris Police Central Headquarter) and were forbidden all advertising - A death sentence for a magazine.

You were pushing it though…

Well no, it was because of the special issue on incest, it was cool! [laughs] In any case it was rocking the boat. At the time we had to experiment, we were trying to establish a spectrum of what was possible. In order to achieve that, we had to test the limits. But the shaking and shocking wasn’t that deliberate. It’s like at the end of the class when students run out to the schoolyard. They scream but after 30 seconds they start calming down. We were in our screaming phase! It was neat. We had the feeling to be in sync with everything that happened in literature, music, fashion and art. An artistic explosion in every direction.

Do you still like transgression?

Not systematically but there are moments when it’s necessary. Today we are more in a period of resistance, the consolidation of things we took for granted, things we thought to have conquered but didn’t really. It’s not easy. And all these people who by nature like transgression have to contain their impatience.

Resistance to authority, is that important to you?

I really have a problem with authority and those representing it, whether it’s a cop or someone around me becoming authoritarian. Every time I have to make a conscious effort to take a step back. Break myself from my pathology of resistance. I have to reconsider the entire social structure to tell myself this manifestation of authority could be justified by 2 million years of evolution or something! In reality, I’m an antibody with legs! [laughs]

You’ve never made a mystery of your use of drugs.

It was part of the culture at the time; I’ve used cannabis as a tool, in small doses. I was smoking natural weed neither treated, nor grown. An inhalation, even a light one connected me to a different perception of the world, of myself and my emotional baggage, words references. My relation to cannabis is singular: I was initiated in Mexico in 1956 by artists who gave me a road map: only use weed to transcend and never put your personal integrity in danger. I’ve never found myself in a situation of addiction. I dissociate myself from the profane way drug use permeated our western societies. To see friends light up a joint before breakfast was my wake-up call. I told myself: “Damn, we’re out of the sacred!” Cannabis is a cruel master, powerful and dangerous, you have to approach it very carefully and a lot of mistrust.

Are you comfortable with your success?

I very quickly considered my talent as an artist like an all access card, with all its implications and risks of corruption. Success gives you power, allows you to cut in the line. Recently I was at the post office to pick up a package and I didn’t have my ID. The guy tells me “Don’t worry Monsieur Moebius, I’ll bringing you your package”

Every time I’m questioning myself in order not to take it for granted. You don’t start an artistic career by telling yourself “I’m going to be famous and I want to be loved”. I take success with peace of mind. The exhibit at the Cartier foundation is a will to move forward, to progress, to stretch visuals as far as possible without restrictions. I wanted to be famous, not only from my contemporaries but also in the future and find myself reintegrated in the past. Also be famous with the angels, known by the hierarchies, celestials or not! [laughs]

Fuck yeah Moebius.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

TRECHO Fahrenheit 451

“Acenda a primeira página, acenda a segunda página. Cada uma se torna uma borboleta preta. Linda, não é? Acenda a terceira página na segunda e assim por diante, fumaça em cadeia, capítulo a capítulo, todas as coisas estúpidas que as palavras significam, todas as falsas promessas, todas as noções de segunda mão e filosofias desgastadas pelo tempo.

Ali estava Beatty, sentado, transpirando ligeiramente, o chão forrado de enxames de mariposas pretas, mortas numa única tempestade.”

Ray Bradbury

FRASE um pequeno deslize

'QUALQUER tipo de pessoa pode MATAR. Isso se deve também às circunstâncias e não só ao TEMPERAMENTO humano. Há alguns que vão longe - apenas um pequeno deslize é capaz de empurrá-los para o ABISMO.’

Patricia Highsmith

TRECHO os comparsas

Elmore Leonard

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Cudo dizia que Foley era o único branco na prisão com quem ele podia conversar, alguém no meio de toda aquela imundície que sabia como se comportar na cadeia. Não se metia com o assunto dos outros. A melhor parte do dia, para Cundo, era o banho de sol no pátio com Foley, uma dupla de camaradas uniformizados de presidiário, quando então ele podia contar suas
histórias.
De como fora parar na prisão em Cuba por atirar num russo. Roubou sua mala e vendeu suas roupas, seus sapatos, tudo grande demais para ele. "Vim pra cá na época da fuga em massa do porto de Mariel, já faz 27 anos, cara, quando Fidel abriu as portas das cadeias e mandou tudo quanto era bandido de férias para La Yuma" — como ele chamava os Estados Unidos.
De como havia se metido em grandes confusões. Assalto à mão armada era pinto. Gostava de puxar carros de madrugada no estacionamento das lojas. Dançou a go-go em bares gays tipo Cat Prince, usou suspensórios de oncinha, com bigodes de gato pintados na cara, mas ganhou boas gorjetas em casas noturnas para mulheres, que recheavam de notas seus suspensórios.
— Tinha uma madame com umas tetas enormes, que me dizia: "Vai lá em casa no sábado, que meu marido passa o dia inteiro no clube, jogando golfe." E acrescentava: "Pago mil dólares pra engolir você todinho".
E de como fora ferido à bala três vezes, cara, do peito à barriga, e ficara tão perto de morrer que até se viu ofuscado pela luz dourada que, conforme se ouve dizer, a gente sente quando vai se aproximando do céu, logo ali. Mas o pessoal da ambulância viu que ele continuava respirando, com sangue saindo pela boca, o coração ainda batendo, e foi levado com vida para o Jackson Memorial, onde ficou 34 dias em coma, até acordar e se fingir de desacordado por mais alguns dias, só escutando vozes latinas, enfermeiras falando dele. Foi assim que soube que tinha perdido mais de 12 centímetros do cólon, mas que estava tudo cicatrizado, tudo costurado e funcionando direitinho como novo.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

DRIVE

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THE NIGHT OF HUNTER

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misterpancakes.

illegal and unauthorized

“‘brazil’ was made by a bunch of young people who didn’t know any better. they are older and wiser now, but it seems america isn’t. it’s a pity that george w. and dick cheney aren’t still running the show. i was tempted to sue them for the illegal and unauthorized remake of ‘brazil’. just think … more people are living my movie than ever went to see it.”

terry gilliam

cinemetrics.

kubrick filmando Dr. Fantástico

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O SENHOR DAS MOSCAS

William Golding

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Primeiro Capítulo:

- Capítulo Um -
A voz da concha


O menino louro deixou-se escorregar ao pé da rocha e avançou rumo à lagoa. Havia tirado o suéter da escola e o carregava agora na mão, mas a camisa cinza estava colada no seu corpo e os cabelos aderiam à sua testa. Em torno dele, um banho de calor: a ampla cicatriz aberta na selva. Avançou com dificuldade por entre trepadeiras e troncos quebrados. Foi quando um pássaro, uma visão de vermelho e amarelo, faiscou, subindo, com um grito de bruxo. Grito que foi ecoado por outro.
- Ei! - dizia, - espere um pouco!
Os arbustos rasteiros se agitaram, ao lado da escarpa; caiu uma multidão de gotas de chuva, tamborilantes.
- Espere um pouco - a voz repetiu. - Fiquei preso.
O menino louro parou e puxou as meias com um gesto automático, e a selva, por um instante, fez-se um lugar muito familiar.
A voz falou de novo.
- Mal posso me mexer com essas trepadeiras.
O dono da voz apareceu, retrocedendo por entre os arbustos, deixando os espinhos riscarem um blusão sujo. As rótulas gorduchas dos joelhos também estavam espetadas por espinhos. Ele se abaixou, tirou cuidadosamente os espinhos e se virou. Era mais baixo que o menino louro e muito gordo. Avançou, procurando pôr os pés em lugar seguro e, então, deu uma olhada pelos óculos grossos.
- Onde está o homem do megafone?
O menino louro balançou a cabeça.
- Isto é uma ilha. Pelo menos, acho que é. Há recifes no mar. Talvez não haja nenhum adulto aqui.
O menino gordo parecia espantado.
- Mas havia aquele piloto. E ele não estava na cabina de passageiros, ficou lá na frente. O menino louro, apertando os olhos, examinava o recife.
- Todos aqueles meninos - continuou o gordinho, - entre eles deve haver alguns que escaparam. Deve mesmo, não é?
O menino louro começou a andar do modo mais casual possível, rumo à água. Tentava agir normalmente e não parecer desinteressado demais, mas já o menino gordo corria atrás dele. - Não há nenhum adulto aqui?
- Acho que não.
O menino louro disse isso em tom solene, mas aí o prazer de uma ambição afinal realizada tomou conta dele. No meio da clareira, plantou uma bananeira e fez uma careta para o menino gordo, de cabeça para baixo.
- Nenhum adulto!
O menino gordo pensou um instante.
- O piloto.
O menino louro mergulhou os pés na areia e se sentou no chão quente.
- Ele deve ter continuado depois de nos deixar. Não podia aterrissar aqui. Não com aquelas rodas.
- Ele foi atacado!
- Voltará mais tarde!
O menino gordo balançou a cabeça.
- Quando estávamos descendo, olhei por uma das janelas. Vi a outra parte do avião. Estava pegando fogo.
Olhou para a encosta, de cima a baixo.
- E foi isso que aconteceu com a cabina.
O menino louro estendeu a mão e tocou a ponta úmida de um tronco. Por um momento, mostrou-se interessado.
- Mas que aconteceu? - perguntou. - Onde está agora?
- Aquela tempestade levou-o para o mar. A queda não deve ter sido tão perigosa com todos esses troncos de árvores. Acho que ainda havia alguns dos nossos lá dentro.
O menino gordo hesitou por um instante, depois falou novamente.
- Como se chama?
- Ralph.
O menino gordo ficou esperando que o outro perguntasse seu nome, mas esse sinal de intimidade não foi feito; o menino louro chamado Ralph sorriu vagamente, levantou-se e começou a andar outra vez rumo à lagoa. O menino gordo segurou-o pelo ombro com firmeza.
- Acho que há uma porção dos nossos espalhados por aí. Você não viu nenhum dos outros, não é? Ralph sacudiu a cabeça e apressou o passo. Tropeçou num galho e caiu ruidosamente.
O menino gordo parou perto dele, arquejando.
- Minha tia disse-me para não correr - explicou. - É por causa da minha asma.
- Asma?
- Pois é. Fico sem ar. Eu era o único aluno da escola que tinha asma - disse o menino gordo com um toque de orgulho. - E uso óculos desde os três anos.
Tirou os óculos e os estendeu a Ralph, piscando e sorrindo; depois, começou a esfregá-los no blusão sujo. Os pálidos traços do rosto foram alterados por uma expressão de dor e concentração íntima. Enxugou o suor da cara e colocou novamente os óculos no nariz.
- Deve haver frutas.
Olhou em volta.
- Deve haver frutas - disse. - Espero...
Arrumou os óculos, afastou-se de Ralph e se enfiou, agachado, pela folhagem emaranhada.
- Voltarei num minuto...
Ralph levantou-se cuidadosamente e meteu-se por entre os ramos. Em poucos segundos, deixava para trás os arquejos do menino gordo e corria na direção das árvores ainda entre ele e a lagoa. Subiu num tronco quebrado: e estava fora da selva.
A praia era toda enfeitada de palmeiras. Eretas, oblíquas ou reclinadas contra a luz, suas palmas verdes estavam a trinta metros de altura. Sob elas, o chão arenoso era coberto de mato, todo dilacerado pelas raízes das árvores tombadas, cheio de cocos apodrecidos e rebentos de palmeira. Além, era a escuridão da floresta e o espaço aberto do desfiladeiro. Ralph parou, encostou a mão num tronco cinzento e, cerrando os olhos, fixou a água brilhante. Lá longe, talvez a mais de um quilômetro, a arrebentação alvejava num recife de coral; além, o mar aberto e azul escuro. Dentro do arco irregular de coral, a lagoa era calma como um lago de montanha - azul de todos os tons, verde de sombra e violeta-escarlate. A praia entre a cobertura de palmeiras e a água era como um fino aro de barril, aparentemente infinito, pois à esquerda de Ralph a visão de palmeiras, praia e água continuava indefinidamente. E sempre, quase visível, o calor.
Desceu do tronco onde estava. A areia grossa cobriu seus sapatos pretos e o calor atingiu-o. Teve consciência do peso das roupas, chutou desafiadoramente os sapatos para longe e arrancou as meias e as ligas elásticas num só movimento. Subiu de novo, tirou a camisa e ficou ali, entre os cocos semelhantes a caveiras e as verdes sombras das palmeiras, sentindo na pele o fremir da floresta. Afrouxou o cinto, que o prendia como uma cobra, tirou a calça e a cueca; ficou nu, olhando para a praia ofuscante e para a água.
Tinha idade suficiente, aos doze anos e alguns meses, para ter perdido a barriga proeminente da infância, mas ainda não chegara à deselegância da adolescência. Podia-se ver agora que parecia um pugilista, ao menos pela largura e solidez dos ombros, mas a suavidade da boca e dos olhos demonstrava brandura. Bateu de leve no tronco de palmeira e, forçado a acreditar afinal na realidade da ilha, riu com gosto outra vez e plantou outra bananeira. Voltou a ficar de pé, agilmente, desceu para a praia, ajoelhou-se e lançou um duplo punhado de areia no peito. Sentou-se e ficou olhando para a água com olhos brilhantes e excitados.
- Ralph...
O menino gordo desceu do arvoredo e se sentou cuidadosamente, usando a beirada como assento.
- Desculpe ter demorado. As frutas...
Limpou os óculos e colocou-os no nariz de botão, onde a armação sulcara um "V" profundo e rosado. Olhou criticamente para o corpo dourado de Ralph e, depois, seus olhos voltaram-se para suas roupas. Levou a mão à ponta de um zíper que cruzava seu peito.
- Minha tia...
Abriu o zíper com decisão e lançou o blusão por cima da cabeça.
- Pronto!
Ralph olhou-o de lado, sem dizer nada.
- Acho que seria bom sabermos os nomes de todos e fazer uma lista. Deveríamos fazer uma reunião - disse o menino gordo.
Ralph não aproveitou a deixa e o menino gordo foi obrigado a continuar.
- Não me importo como me chamem - disse, confidencialmente, - desde que não me chamem do mesmo jeito que na escola.
Ralph interessou-se levemente.
- Como era?
O menino gordo deu uma olhadela por sobre o ombro, depois inclinou-se para Ralph.
E cochichou.
- Me chamavam de "Porquinho".
Ralph explodiu numa gargalhada. Levantou-se num salto.
- Porquinho! Porquinho!
- Ralph... por favor!
Porquinho esfregava as mãos, de tanto desespero.
- Eu disse que não queria...
- Porquinho! Porquinho!
Ralph dançava no ar quente da praia: aproximou-se de Porquinho e metralhou-o, como um avião de caça, de asas em "V".
- Ta-ta-ta-tatá!
Mergulhou na areia aos pés de Porquinho e ficou ali, morrendo de rir.
- Porquinho!
Porquinho deu um sorriso amarelo, mas contente - apesar de tudo - com essa atenção.
- Contanto que você não conte aos outros...
Ralph ria na areia. A expressão de dor e concentração voltou ao rosto de Porquinho.
- Um instante.
Correu de volta à floresta. Ralph levantou-se e lá se foi para o lado direito.
Ali, a praia era interrompida abruptamente pelo elemento principal da paisagem: uma grande plataforma de granito rosado metia-se firmemente pela floresta, pelas palmeiras, pela areia e pela lagoa, até formar uma elevação pedregosa de mais de um metro de altura. Coberta por uma fina camada de terra e mato, era sombreada por pequenas palmeiras. Não havia terra suficiente para que as palmeiras crescessem muito e, quando atingiam no máximo uns seis metros, caíam e secavam, formando um emaranhado compacto de troncos, excelente para sentar. As palmeiras que ainda estavam de pé faziam um teto verde, e, ali, a parte inferior das palmas era coberta com os coruscantes reflexos da lagoa. Ralph alçou-se até a plataforma, percebeu a sombra e o frescor, fechou um olho, acabou decidindo que as sombras no seu corpo eram mesmo verdes. Avançou para a ponta da plataforma que entrava pelo mar e ficou ali, olhando água adentro: clara até o fundo, a água brilhava com a eflorescência do coral e das algas tropicais. Um cardume de peixinhos faiscantes luzia aqui e ali. Ralph falou consigo, fazendo soar os tons graves do prazer.
- Uizzô!
Além da plataforma havia outros encantos. Algum ato de Deus - talvez um tufão, ou a tempestade que acompanhara a sua chegada - amontoara areia dentro da lagoa, de modo que havia uma comprida e profunda extensão de água, uma 'piscina' na praia, com uma alta saliência de granito rosado na ponta mais distante. Ralph já fora enganado antes pela aparente profundidade dessas poças na praia e aproximou-se dessa já preparado. Mas a ilha confirmou ainda uma vez suas virtudes e a incrível 'piscina' que, evidentemente, só era invadida pelo mar com a maré alta, mostrou-se tão profunda numa das extremidades que chegava a ser verde-escura. Ralph verificou cuidadosamente os trinta metros e então mergulhou. A água estava mais quente que o seu corpo e era como se nadasse numa enorme banheira.
Porquinho apareceu de novo, sentou-se na saliência rochosa e olhou com inveja para o corpo verde e branco de Ralph.
- Você nada bem.
- Porquinho.
Porquinho tirou os sapatos e as meias, arrumou-os cuidadosamente na pedra e experimentou a água com o pé.
- Está quente!
- O que esperava?
- Eu não esperava nada. Minha tia...
- Mande essa tia pro inferno!
Ralph mergulhou e nadou embaixo da água de olhos abertos; a beirada arenosa da poça subia como se fosse uma colina. Virou-se, segurando o nariz; uma luz dourada dançou e estilhaçou-se junto ao seu rosto. Porquinho parecia ter tomado uma decisão e começou a tirar a cueca. Agora estava nu - uma nudez pálida e obesa. Desceu, na ponta dos pés, pelo extremo arenoso da poça e se sentou ali, com água até o pescoço, sorrindo orgulhosamente para Ralph.
- Você não vai nadar?
Porquinho balançou a cabeça.
- Não posso. Não me deixam. Minha asma...
- Mande a asma para o inferno!
Porquinho aguentou isso com uma espécie de paciência humilde.
- Você nada bem mesmo.
Ralph deu umas braçadas, mergulhou a cabeça e lançou um jato de água para o ar. Levantou o rosto e falou.
- Eu já sabia nadar com cinco anos. Meu pai me ensinou. É capitão da Marinha. Quando tiver uma licença ele virá nos salvar. E o seu pai, o que é?
Porquinho corou, de repente.
- Meu pai morreu - disse rapidamente, - e minha mãe...
Tirou os óculos e procurou inutilmente alguma coisa com que limpar as lentes.
- Eu morava com minha tia. Ela tem uma confeitaria. Eu costumava comer doces o dia todo. Tantos quanto eu quisesse. Quando seu pai virá nos salvar?
- Assim que puder.
Porquinho levantou-se, pingando, e ficou de pé, nu, limpando os óculos com uma meia. O único som que os alcançava agora, através do calor da manhã, era o longo e triturante rugido da arrebentação nos recifes.
- Como ele sabe que estamos aqui?
Ralph estendeu-se na água. O sono invadiu-o como as miragens envolventes que lutavam com o brilho da lagoa.
- Como ele sabe que estamos aqui?
Sabendo, pensou Ralph, sabendo, sabendo. O rugido dos recifes tornou-se muito distante.
- Disseram pra ele no aeroporto.
Porquinho abanou a cabeça, colocou os óculos cintilantes e baixou o olhar até Ralph.
- Não disseram. Você não ouviu o que o piloto disse? Sobre a bomba atômica? Estão todos mortos.
Ralph saiu da água e ficou fixando Porquinho, enquanto pensava nesse problema inédito.
Porquinho insistiu.
- Isto é uma ilha, não é?
- Subi numa pedra - disse Ralph lentamente, - e acho que isto aqui é uma ilha.
- Morreram todos - disse Porquinho, - e isto é uma ilha. Ninguém sabe que estamos aqui. Seu pai não sabe, ninguém sabe...
Seus lábios tremeram e os óculos embaçaram-se de umidade.
- Vamos ficar aqui até morrer.
O calor parecia aumentar com essas palavras até se tornar um peso ameaçador, e a lagoa agredia-os com seu esplendor ofuscante.
- Vou pegar minha roupa - murmurou Ralph. - Lá longe.
Correu pela areia, suportando a hostilidade do sol, atravessou a plataforma e achou suas roupas espalhadas. Pôr de novo a camisa cinzenta foi estranhamente agradável. Depois, subiu pela beira da plataforma e se sentou num tronco apropriado sob a sombra verde. Porquinho também trepou, carregando sob os braços a maior parte das suas roupas. Depois, sentou-se cuidadosamente num tronco caído perto da pequena saliência que havia em frente da lagoa e os reflexos coruscantes fremiram sobre ele.
Voltou a falar.
- Precisamos achar os outros. Precisamos fazer alguma coisa.
Ralph não respondeu. Era uma ilha de coral. Protegido do sol, ignorando a conversa cheia de maus agouros de Porquinho, sonhava prazerosamente.
Porquinho insistiu.
- Quantos dos nossos há por aqui?
Ralph levantou-se e se aproximou de Porquinho.
- Não sei.
Aqui e ali, a brisa encrespava as águas polidas, sob a névoa do calor. Quando essas pequenas lufadas atingiam a plataforma, as frondes das palmeiras sussurravam e manchas de luz solar deslizavam pelos corpos ou se moviam na sombra como coisas brilhantes e aladas.
Porquinho olhou para Ralph. Todas as sombras no rosto de Ralph estavam invertidas; o verde em cima, o brilho da lagoa embaixo. Um borrão de luz espalhava-se nos seus cabelos.
- Precisamos fazer alguma coisa.
Ralph olhou-o sem ver realmente. Afinal, aqui estava o lugar imaginado, mas nunca materializado, despontando para a vida real. Os lábios de Ralph abriram-se num sorriso cheio de prazer e Porquinho, tomando esse sorriso para si como sinal de interesse, riu de contentamento.
- Se realmente for uma ilha...
- Que é aquilo?
Ralph cessara de sorrir e apontava para a lagoa. Alguma coisa de cor creme jazia entre os fetos.
- Uma pedra.
- Não. Uma concha.
De repente, Porquinho explodiu numa excitação bem comportada.
- Tá certo. É uma concha. Vi uma dessas antes. Na parede de alguém. Ele a chamava de caracol. Costumava soprar nela e, então, sua mãe vinha. É muito útil...
Perto do cotovelo de Ralph, um rebento de palmeira inclinava-se para a lagoa, prestes a cair, pois o seu peso já levantava uma porção da pouca terra em que se fixava. O menino arrancou o talo e começou a esquadrinhar a água, enquanto os peixes brilhantes faiscavam, fugindo de um lado para outro. Porquinho inclinou-se perigosamente.
- Cuidado! Vai quebrá-la...
- Cale a boca!
Ralph falou distraidamente. A concha era interessante, bonita e um brinquedo de primeira: mas entre ele e Porquinho interpunham-se as vívidas imagens de sua fantasia e Porquinho, nesse contexto, era irrelevante para ele. O rebento de palmeira, dobrando-se, empurrou a concha para o meio dos fetos. Ralph usou uma das mãos como fulcro e forçou com a outra até fazer a concha subir, pingando, para que Porquinho pudesse agarrá-la.
Agora a concha não era mais uma coisa só para ser vista, intocável. Ralph também se entusiasmou, enquanto Porquinho balbuciava:
- ...uma concha; uma coisa tão cara. Aposto que, se você quisesse comprar uma dessas, teria de pagar libras, libras e mais libras. Meu amigo tinha uma na parede do jardim e minha tia...
Ralph tirou a concha de Porquinho e um pouco de água escorreu por seu braço. A concha era bege escura, matizada aqui e ali de leves tons rosados. Entre a ponta gasta, com um buraquinho, e os lábios rosados da boca, havia uns quarenta centímetros torcidos em leve espiral e cobertos por delicado desenho em relevo. Ralph sacudiu a areia que havia no tubo profundo.
- ...mugia como uma vaca - dizia. - Ele tinha também umas pedras brancas e uma gaiola com um papagaio verde. Claro que não soprava nas pedras brancas e falava...
Porquinho fez uma pausa para tomar fôlego e deu uma pancadinha na coisa brilhante que estava nas mãos de Ralph.
- Ralph!
Ralph olhou-o.
- Podemos usá-la para chamar os outros. Ter uma reunião. Eles virão quando nos ouvirem...
Fixou Ralph, com os olhos brilhando.
- É isso que você queria, não é? Por isso é que você tirou a concha da água?
Ralph puxou para trás o cabelo louro.
- Como seu amigo soprava a concha?
- Era como se cuspisse - disse Porquinho. - Minha tia não me deixava soprar por causa da minha asma. Ele disse que se devia soprar daqui. - Porquinho pôs a mão na barriga saliente. - Tente, Ralph. Chame os outros.
Hesitante, Ralph colocou a ponta menor da concha na boca e soprou. Um som gorgolejante irrompeu da boca da concha, nada mais. Ralph enxugou a água salgada dos lábios e tentou outra vez, mas a concha permaneceu silenciosa.
- Era como se cuspisse.
Ralph franziu os lábios e lançou ar na concha, que emitiu um ruído baixo e semelhante a um ronco. O que divertiu tanto os meninos que Ralph continuou soprando por alguns minutos, entre explosões de riso.
- Ele soprava daqui.
Ralph entendeu e encheu a concha de ar do seu diafragma. Imediatamente a coisa soou. Uma nota rude e profunda estrondou sob as palmeiras, penetrou pelo emaranhado da floresta e ecoou no granito rosa da montanha. Nuvens de pássaros subiram dos topos das árvores e alguma coisa gritou e correu entre a vegetação rasteira.
Ralph tirou a concha dos lábios.
- Puxa!
Sua voz normal soou como um sussurro após a nota grave da concha. Ele levou-a de novo aos lábios, tomou fôlego e soprou outra vez. A nota soou novamente; agora, com uma pressão mais firme, a nota subiu uma oitava e se tornou uma clarinada estridente, mais penetrante que antes. Porquinho gritava alguma coisa, de rosto feliz, óculos brilhando. Os pássaros gritavam, pequenos animais fugiam. O fôlego de Ralph acabou; a nota caiu uma oitava, tornou-se um balbuciar baixo, uma rajada de ar.
A concha estava silenciosa, um dente brilhante. O rosto de Ralph estava arroxeado pelo esforço e o ar da ilha enchia-se do barulho de pássaros e soar de ecos.
- Aposto que deu pra ouvir a quilômetros!
Ralph se recuperou e deu uma série de toques curtos.
Porquinho exclamou:
- Lá está um!
Um menino apareceu entre as palmeiras, a uns cem metros. Era um menino de uns seis anos, forte e louro, de roupas rasgadas e rosto coberto por uma mistura pegajosa de frutas. As calças tinham sido abaixadas com um propósito óbvio e foram levantadas apenas pela metade. Ele pulou da saliência das palmeiras para a areia e as calças caíram; ele saiu delas e correu para a plataforma. Porquinho ajudou-o a subir. Enquanto isso, Ralph continuava a soprar até ouvir vozes gritando na floresta. O menininho sentou-se de cócoras diante de Ralph, olhando para cima, brilhante e verticalmente. Quando se convenceu de que estava sendo feita alguma coisa com um objetivo, mostrou-se satisfeito e enfiou na boca o único dedo limpo, um polegar rosado.
Porquinho inclinou-se para ele.
- Como você se chama?
- Johnny.
Porquinho murmurou o nome para si e depois o gritou para Ralph, que não estava interessado, porque ainda soprava: tinha o rosto arroxeado pelo violento prazer de fazer aquele estupendo barulho e seu coração parecia querer romper a camisa justa. E mais se aproximava o vozerio da floresta.
Agora eram visíveis sinais de vida na praia. A areia, fremente sob a névoa do calor, ocultava várias figuras numa extensão de quilômetros. Muitos meninos dirigiam-se à plataforma pisando a areia quente e silenciosa. Três meninos pequenos, da idade de Johnny, apareceram surpreendentemente próximos, lá de onde estavam, colhendo frutas. Um menininho moreno, quase da idade de Porquinho, afastou uma moita de arbustos, andou até à plataforma e sorriu alegremente para todos. E surgiram outros - cada vez mais. Imitando o inocente Johnny, sentavam-se nos troncos caídos de palmeira e esperavam. Ralph continuava a dar toques rápidos e penetrantes.
Porquinho passava pelo grupo, perguntando nomes e franzindo o rosto no esforço de lembrar. Os meninos ofereciam-lhe a mesma obediência direta que haviam dado aos homens com os megafones. Alguns estavam nus e carregavam suas roupas; outros, seminus ou mais ou menos vestidos com uniformes escolares: cinzento, azul, castanho, paletós, suéteres. Havia distintivos, até divisas, listas coloridas nas meias e pulôveres. As cabeças agrupavam-se à sombra verde sobre os troncos caídos; cabeças morenas, louras, pretas, castanhas, areia, cor de rato; cabeças que murmuravam, cochichavam, cabeças cheias de olhos que observavam Ralph e especulavam. Alguma coisa estava sendo feita.
As crianças que vinham pela praia, sozinhas ou aos pares, tornavam-se visíveis ao cruzar a linha da bruma do calor para a areia mais próxima. Ali, a vista era atraída primeiro por uma criatura negra, semelhante a um morcego, que dançava na areia; só depois se percebia o corpo acima dela. O morcego era a sombra do menino, reduzida pelo sol vertical até se tornar um borrão entre os pés apressados. Até mesmo Ralph, ocupado em soprar, foi atraído pelo último par de corpos que chegava à plataforma numa tremulante mancha de escuridão. Os dois meninos, de cabeça redonda e cabelo de estopa, esticaram-se à sombra e ficaram sorrindo e arfando para Ralph como cachorros. Eram gêmeos e a visão de tal duplicação viva chocava e era incrível. Respiravam juntos, riam juntos, eram fortes e cheios de vida. Levantavam lábios úmidos para Ralph, pareciam não ter bastante pele ali, seus perfis eram como que apenas esboçados, de bocas abertas. Porquinho virou seus óculos brilhantes para eles e, entre os toques, era possível ouvir sua voz, repetindo os nomes.
- Sam, Eric, Sam, Eric.
Então, ficou atrapalhado: os gêmeos bateram as cabeças e apontaram um para o outro. A meninada caiu na risada.
Enfim, Ralph parou de tocar e sentou-se, com a concha pendendo numa das mãos, a cabeça inclinada sobre os joelhos. À medida que os ecos morriam, extinguiam-se as risadas, dando lugar ao silêncio.
Na bruma diamantina da praia, alguma coisa escura andava de modo irregular. Ralph viu primeiro e fixou-a até que a firmeza do seu olhar atraiu todos os olhos para essa direção. A criatura passou da miragem para a areia clara e todos viram que o tom escuro não era apenas sombra, mas principalmente roupas. A criatura era um grupo de meninos, marchando mais ou menos em cadência, distribuídos em duas linhas paralelas, vestidos com roupas incrivelmente excêntricas. Calças, camisas e outras peças eram carregadas nas mãos; cada menino usava um boné preto, com uma franja prateada. Estavam cobertos por túnicas negras, que lhes caíam do pescoço aos pés, com grandes cruzes prateadas no lado esquerdo do peito e a gola rematada em babados pregueados. O calor dos trópicos, a descida, a busca de comida e agora essa suarenta marcha pela praia incandescente deram-lhes aspecto de ameixas recém-lavadas. O menino que os dirigia estava vestido do mesmo jeito, mas a franja do seu boné era dourada. Quando o grupo estava a uns dez metros da plataforma, gritou uma ordem e eles fizeram alto, arquejando, suando, vacilando sob a luz violenta. O menino se adiantou, subiu na plataforma com a túnica esvoaçando e deu uma olhada no que, para ele, era uma escuridão quase total.
- Onde está o homem da corneta?
Ralph, percebendo que o outro estava ofuscado com a luz, respondeu.
- Não há homem algum com corneta. Só eu.
O menino se aproximou e olhou para Ralph, enrugando o rosto. Aparentemente, o que viu do menino louro com a concha creme nos joelhos não o satisfez. Virou-se rapidamente, fazendo sua túnica negra dar uma volta.
- Então não há um navio?
Dentro da túnica esvoaçante, o corpo alto, magro e ossudo; cabelos ruivos, sob o boné preto; rosto malfeito e sardento, feio, mas sem parecer estúpido: destacavam-se nele os olhos azul-claros, agora frustrados e cada vez mais irritados.
- Não há um homem aqui?
Ralph falou para as costas do outro.
- Não, estamos fazendo uma reunião. Juntem-se a nós.
O grupo de meninos de túnica começou a sair da formação. O menino alto gritou-lhes.
- Coro! Sentido!
Cansados, mas obedientes, os membros do coro enfileiraram-se e ficaram ali, cambaleando sob o sol. Apesar de tudo, alguns começaram a protestar fracamente.
- Mas Merridew. Por favor, Merridew... não podemos?
Então um dos meninos caiu de boca na areia e a formação se rompeu. Carregaram o menino caído para a plataforma e o deitaram ali. Merridew, de olhos fuzilando, decidiu mudar de orientação.
- Muito bem. Sentem-se. Deixem-no sozinho.
- Mas Merridew...
- Ele está sempre desmaiando - disse Merridew. - Em Gib., em Addis e nas matinas, em cima do chantre.
Esta última lembrança provocou uns risinhos no coro, cujos membros haviam pousado como pássaros negros sobre os troncos entrelaçados e examinavam Ralph com interesse. Porquinho não perguntou os nomes deles. Estava intimidado com tal superioridade uniformizada e com a direta autoridade da voz de Merridew. Ficou do outro lado de Ralph, mexendo nos óculos.
Merridew virou-se para Ralph.
- Não há adultos?
- Não.
Merridew sentou-se num tronco e olhou em volta.
- Então teremos de cuidar de nós mesmos.
Seguro ao lado de Ralph, Porquinho falou timidamente.
- Por isso é que Ralph convocou uma reunião. Para que possamos decidir o que fazer. Perguntamos os nomes. Este é Johnny. Esses dois são gêmeos, Sam e Eric. Qual é Eric...? Você? Não... você é Sam...
- Eu sou Sam...
- Eu sou Eric.
- É melhor dizermos os nomes - disse Ralph. - Eu sou Ralph.
- Sabemos quase todos os nomes - disse Porquinho. - Acabamos de saber.
- Nomes de crianças - disse Merridew. - Por que devo ser Jack? Eu sou Merridew.
Ralph virou-se rapidamente para ele. Era a voz de alguém que sabia o que queria.
- E este... - continuou Porquinho, - este menino... esqueci...
- Você está falando demais - disse Jack Merridew. - Cale a boca, Gordinho.
Gargalhadas.
- Ele não é um Gordinho - gritou Ralph. - Seu nome de verdade é Porquinho!
- Porquinho!
- Porquinho!
- Oh, Porquinho!
Irrompeu uma tempestade de risos e até os menores se juntaram a ela. Por um instante, os meninos formaram um círculo fechado de simpatia, com Porquinho na berlinda. Ele ficou bem vermelho, balançou a cabeça e limpou os óculos outra vez.
Finalmente, cessaram os risos e eles continuaram a dizer os nomes. Maurice, o segundo em tamanho entre os meninos do coro, logo após Jack, era grande e não parava de rir. Havia um menino magro e esquivo que ninguém conhecia e se mantinha fechado em si mesmo, numa intensidade íntima de afastamento e reserva. Murmurou que seu nome era Roger e ficou quieto de novo. Bill, Robert, Harold, Henry; o menino que desmaiara, sentado num tronco de palmeira, sorriu palidamente para Ralph e disse que seu nome era Simon.
Jack falou.
- Temos que resolver sobre nossa saída daqui.
Houve um vozerio excitado. Um dos meninos pequenos, Henry, disse que queria voltar para casa. - Calem-se - disse Ralph, distraidamente. Levantou a concha. - Acho que devemos ter um chefe para decidir as coisas.
- Um chefe! Um chefe!
- Eu devo ser o chefe - disse Jack com ingênua arrogância, - pois sou chefe do coro e solista. Posso cantar em dó sustenido.
Outro vozerio.
- Bem, então - disse Jack, - eu...
Hesitou. O menino moreno, Roger, mexeu-se afinal e falou.
- Vamos fazer uma votação.
- Sim!
- Votar por um chefe!
- Vamos votar...
O brinquedo de votar era quase tão divertido quanto a concha. Jack começou a protestar, mas o clamor passou do desejo geral de um chefe para uma eleição de Ralph por aclamação. Nenhum dos meninos poderia pensar numa razão definida para isso; quem mostrara até então mais inteligência fora Porquinho, porém o líder mais óbvio era Jack. Entretanto, havia uma serenidade na figura sentada de Ralph que o destacava: era seu tamanho, sua aparência atraente; e, de forma mais obscura, embora mais poderosa - era a concha. Aquele que a havia tocado e se sentara à espera deles na plataforma, com o delicado objeto nos joelhos, distinguia-se entre todos.
- O da concha.
- Ralph! Ralph!
- O chefe deve ser o da corneta.
Ralph levantou a mão, pedindo silêncio.
- Muito bem. Quem quer que Jack seja o chefe?
Com obediência temerosa, o coro levantou as mãos.
- Quem quer que eu seja?
Todas as mãos com exceção do coro, e a não ser a de Porquinho, levantaram-se imediatamente. Depois, Porquinho também levantou a mão, embora de má vontade.
Ralph contou.
- Então o chefe sou eu.
O círculo dos meninos explodiu em aplausos. Até o coro aplaudiu; as sardas do rosto de Jack desapareceram sob um rubor de humilhação. Levantou-se, depois mudou de idéia e se sentou novamente, enquanto o ar retumbava. Ralph olhou-o, ansioso para oferecer alguma coisa. - O coro pertence a você, é claro.
- Pode ser o exército...
- Ou os caçadores... - Eles podem ser...
O rubor sumiu do rosto de Jack. Ralph fez um novo gesto, pedindo silêncio.
- O coro fica com Jack. Eles podem ser... o que vocês querem que eles sejam?
- Caçadores.
Jack e Ralph sorriram um para o outro com uma apreciação tímida. Os outros começaram a falar ansiosamente.
Jack levantou-se.
- Muito bem, coro. Tirar as túnicas.
Como se as aulas tivessem acabado, os meninos do coro levantaram-se, conversando, e empilharam suas túnicas negras na grama. Jack deixou a sua no tronco próximo a Ralph. Sua calça curta cinzenta estava suada, colada no corpo. Ralph olhou-a, admirado, e, quando Jack percebeu o olhar, explicou:
- Tentei subir naquele morro para ver se estávamos cercados por água. Mas sua concha nos chamou. Ralph sorriu e levantou a concha, pedindo silêncio.
- Ouçam todos. Preciso de tempo para pensar numas coisas. Não posso decidir o que fazer exatamente. Se isto não é uma ilha, não demorarão a nos procurar. Portanto, precisamos saber se isto aqui é uma ilha. Todo mundo deve permanecer aqui. Esperar. Não ir embora. Três de nós - se levarmos mais vai ser uma bagunça e vamos nos perder -, três de nós iremos numa expedição e descobriremos se estamos numa ilha. Eu vou, Jack, e, e...
Olhou em torno o círculo de rostos ansiosos. Não faltavam meninos para escolher.
- E Simon.
Os meninos em torno de Simon deram risadinhas e ele se levantou, rindo um pouco. Agora que sumira a palidez do desmaio, era um menino pequeno, magro e vivo, com um olhar que irrompia de sob uma franja de cabelo liso e escorrido, preto e áspero.
Fez que sim para Ralph.
- Eu vou.
- E eu...
Jack tirou de detrás uma faca de bainha de tamanho regular e cravou-a num tronco. O vozerio aumentou e morreu.
Porquinho adiantou-se.
- Eu vou.
Ralph virou-se para ele.
- Você não é bom para essas coisas.
- Não faz mal...
- Não queremos você - disse Jack, diretamente. - Bastam três.
Os óculos de Porquinho brilharam.
- Eu estava com ele quando achamos a concha. Eu estava com ele antes de qualquer um. Jack e os outros não prestaram atenção. Houve uma debandada geral. Ralph, Jack e Simon pularam da plataforma e andaram pela areia além da 'piscina'. Porquinho seguiu-os, resmungando.
- Se Simon andar no meio da gente - disse Ralph, - poderemos conversar por cima da cabeça dele.
Os três continuaram, no mesmo passo. Isso significava que, de vez em quando, Simon tinha de dar um passo duplo para se alinhar com os outros. De repente, Ralph parou e virou-se para Porquinho.
- Vejam.
Jack e Simon fingiram não ver nada. Continuaram andando.
- Você não pode vir.
Os óculos de Porquinho se embaçaram de novo, desta vez de humilhação.
- Você contou pra eles. Depois do que eu disse.
Seu rosto corou, a boca tremeu.
- Depois que eu disse que não queria...
- Mas de que diabo você está falando?
- De ser chamado de Porquinho. Eu disse que não queria ser chamado de Porquinho. E eu disse para você não contar e você falou pra eles...
Acalmaram-se. Olhando para o outro com mais compreensão, Ralph viu que Porquinho estava ferido e desgostoso. Hesitou entre o caminho das desculpas e o de novos insultos.
- Melhor Porquinho que Gordinho - disse afinal, com a franqueza da liderança autêntica, - e, de qualquer modo, desculpe-me por estar magoado. Agora, volte e pergunte os nomes, Porquinho. Esse é o seu trabalho. Até logo.
Virou-se e correu atrás dos outros dois. Porquinho ficou ali e o rubor da indignação diminuiu lentamente nas suas faces. Voltou à plataforma.
Os três meninos andavam vivamente na areia. A maré estava baixa e havia uma faixa de praia salpicada de algas, quase tão firme quanto uma estrada. Uma espécie de encantamento envolvia-os e dominava todo o lugar; eles estavam conscientes desse encantamento e contentes por isso.
Viravam-se uns para os outros, rindo, excitados, falando, sem ouvir. O ar estava luminoso. Ralph, ante a tarefa de traduzir tudo isso numa explicação, plantou uma bananeira e caiu. Quando pararam de rir, Simon bateu timidamente no braço de Ralph. E eles riram de novo.
- Vamos - disse Jack, - somos exploradores.
- Iremos até o fim da ilha - disse Ralph, - e daremos uma olhada em tudo.
- Se for uma ilha...
Agora, quase no fim da tarde, as miragens já rareavam. Descobriram o fim da ilha, bem nítido e sem qualquer magia na sua forma ou sentido. Havia uma superfície rochosa com a habitual forma quadrada e um grande bloco entrando água adentro. Havia ninhos de pássaros marinhos ali.
- Parece glacê num bolo cor-de-rosa - disse Ralph.
- Não podemos ver do outro lado - disse Jack, - porque não há outro lado. Só uma curva suave... e vocês podem ver, as pedras ficam mais difíceis...
Ralph protegeu os olhos com a sombra de uma das mãos e seguiu a linha recortada dos rochedos até a montanha. Essa parte da praia era mais próxima da montanha que qualquer outra que haviam visto.
- Vamos tentar subir a montanha por aqui - disse ele. - Acho que este é o jeito mais fácil. Há menos mata por aqui e mais pedras rosadas. Vamos.
Os três meninos começaram a subir. Alguma força desconhecida rompera e espalhara esses cubos de pedra, que jaziam obliquamente ou empilhados como numa pirâmide. O aspecto mais comum da rocha era um espigão rosado, encimado por um bloco oblíquo que tinha sobre si um outro e mais um, de modo que a massa rosada se tornava um montão de rochas em equilíbrio, projetando-se através da fantasia enredante dos cipós da floresta. Onde os espigões cor-de-rosa se originavam, havia várias trilhas estreitas seguindo para cima. Podiam segui-las, internados no mundo das plantas, rosto contra a rocha.
- Quem fez esta trilha?
Jack fez uma pausa, enxugou o suor do rosto. Ralph parou ao seu lado, sem fôlego.
- Homens?
Jack sacudiu a cabeça.
- Animais.
Ralph fixou a escuridão sob as árvores. A floresta vibrava levemente.
- Vamos.
A dificuldade não era a subida íngreme pelos contornos da rocha, mas os mergulhos ocasionais na vegetação rasteira, até que se atingia a trilha seguinte. Ali, as raízes e caules das trepadeiras e lianas estavam tão entrelaçados que os meninos tinham de enfiar-se dentre eles, como agulhas flexíveis. Como única orientação, além do chão marrom e esporádicos vislumbres de luz através da folhagem, a tendência da encosta: saber se este buraco, cheio do emaranhado de lianas, era mais alto que o anterior.
Mas avançavam, de qualquer forma.
Murados nessas paredes vegetais, num dos seus momentos mais difíceis, viram Ralph virar-se com os olhos brilhantes.
- Bárbaro!
- Magnífico!
- Sensacional!
A causa daquele prazer não era assim tão evidente: os três estavam acalorados, sujos e exaustos. Ralph arranhara-se para valer. As trepadeiras eram tão grossas quanto as coxas deles e deixavam pouco mais que estreitos túneis para quem quisesse passar. Ralph gritou, para experimentar, e eles ouviram os ecos apagados.
- Isso é exploração de verdade - disse Jack. - Aposto que ninguém esteve aqui antes.
- Deveríamos desenhar um mapa - disse Ralph, - só que não temos papel.
- Podíamos fazer marcas nas cascas de árvores - disse Simon, - e passar alguma coisa escura nelas.
Retornava a solene comunhão de olhos brilhantes na sombra.
- Bárbaro!
- Magnífico!
Não havia lugar para plantar bananeira. Desta vez, Ralph exprimiu a intensidade da sua emoção fingindo querer derrubar Simon; logo, formavam um amontoado feliz e palpitante na semi-escuridão.
Quando se separaram, Ralph falou primeiro.
- Precisamos ir.
O granito rosado do próximo espigão estava mais longe das trepadeiras e árvores, de modo que puderam correr trilha acima. E a trilha levou a uma outra floresta aberta, o que permitiu que vissem o mar. Com a clareira, veio o sol; secou o suor que empapara as roupas no calor escuro e úmido. Pelo menos, o caminho para cima parecia um amontoado de rochas rosadas, sem novos mergulhos nas sombras. Os meninos avançaram através de desfiladeiros e matacões de pedras afiadas.
- Olhem! Olhem!
Neste cimo da ilha, as rochas espalhadas erguiam-se em espigões e chaminés. Aquela em que Jack se encostara mexeu-se com um som rascante, quando empurraram.
- Vamos...
Mas desta vez o 'vamos' não era para continuar: a subida ao cume podia esperar. Agora os três meninos aceitavam um desafio: a rocha, tão grande quanto um automóvel pequeno.
- Agora!
Para a frente e para trás, para a frente, para trás, ir e voltar contra o ponto de equilíbrio máximo, para a frente, para trás, para a frente, para trás...
- Agora!
A grande rocha vacilou, oscilou como que na ponta dos pés, decidiu não voltar, moveu-se pelo ar, caiu, arrebentou-se, virou, saltou louca no ar e cavou um profundo buraco na abóbada da floresta. Ecos e pássaros voaram, a poeira branca e rosa flutuou, a floresta lá embaixo tremeu como que à passagem de um monstro enraivecido. E daí voltou a tranquilidade à ilha.
- Puxa vida!
- Como uma bomba!
- Uuuuaaaau!
Levaram uns cinco minutos até poder esquecer esse triunfo. Mas prosseguiram, afinal. O caminho para o cimo era fácil depois disso. Ao alcançarem a última parte, Ralph parou.
- Nossa!
- Estavam no limite de uma depressão semelhante a um anfiteatro ou semi-anfiteatro, do lado da montanha. Esse anfiteatro estava cheio de uma flor azul, uma planta rochosa de alguma espécie; as flores escalavam rocha abaixo e espalhavam-se abundantemente por entre as copas da floresta. O ar estava coalhado de borboletas alçando vôo, flutuando, descendo. Além do anfiteatro, ficava o cimo quadrado da montanha e logo chegaram ali.
Haviam adivinhado antes que era uma ilha; enquanto avançavam por entre as rochas rosadas, com o mar de um lado ou de outro, sob as alturas cristalinas do ar, souberam instintivamente que o mar estava por todos os lados. Mas parecia que algo lhes dizia da conveniência de deixar a última palavra para quando chegassem ao cimo: e dali, agora, podiam ver um horizonte circular de água. Ralph virou-se para os outros.
- Tudo isso é nosso.
Tinha a forma aproximada de um barco: uma saliência perto desta ponta; por trás deles havia a acidentada descida até a praia. Dos lados, rochedos, espigões, frondes de árvores e uma encosta íngreme: para diante, no corpo do barco, uma descida mais suave, coberta de árvores, com manchas cor-de-rosa: e, então, a selva plana da ilha, um verde denso, terminando numa cauda cor-de-rosa. Ali, onde a ilha penetrava água adentro, havia outra ilha: uma rocha, quase isolada, situada como um forte, defrontava-os através do verde com um bastião escarpado e rosado.
Os meninos examinaram tudo isso, depois olharam mar adentro. Estavam bem no alto e a tarde avançava; a visão não se turvava com nenhuma miragem.
- É um recife. Um recife de coral. Já vi fotos iguais.
O recife rodeava mais de um lado da ilha, ficando talvez a uns dois quilômetros, paralelo ao que agora consideravam a sua praia. O coral irrompia do oceano como um gigante que se abaixasse para reproduzir a forma da ilha numa vacilante linha de giz, cansando-se antes de acabar. Dentro, a água tinha cor de pavão, rochas e algas surgiam como num aquário; além, o azul-escuro do mar. A maré baixava e compridas esteiras de espuma apareciam a partir do recife; por um instante, eles imaginaram que o barco se movia firmemente, de popa. Jack apontou para baixo.
- Foi ali que aterrissamos.
Além dos desfiladeiros e escarpas, havia uma cicatriz visível nas árvores; ali estavam os troncos destroçados e, depois, a abertura; só ficara uma franja de palmeiras entre o vazio e o mar. Ali, também, salientando-se na lagoa, a plataforma, por onde se moviam figuras parecidas com insetos.
Ralph esboçou uma linha torcida desde a altura em que estavam, percorrendo a encosta, uma picada através de flores, que ziguezagueava e ia até lá embaixo, à rocha que marcava o começo da subida.
- Esse é o caminho de volta mais rápido.
Com os olhos brilhantes, as bocas abertas, triunfantes, saboreavam o direito de domínio. Estavam animadíssimos: eram amigos.
- Não há fumaça de aldeias, nem barcos - disse Ralph com seriedade. - Teremos certeza depois, mas acho que a ilha é desabitada.
- Arranjaremos comida - gritou Jack. - Caçaremos. Pegaremos coisas... até que nos venham buscar. Simon olhou para os dois, sem dizer nada, mas balançando a cabeça, até que seu cabelo preto voasse para trás e para a frente. Seu rosto brilhava.
Ralph olhou para o outro lado, onde não havia recifes.
- É mais íngreme - disse Jack.
Ralph fez um gesto, com as mãos juntas.
- Essa parte da floresta aí embaixo... a montanha é que a segura.
Todas as saliências da montanha tinham árvores - flores e árvores. Agora, a floresta se agitava, rugia, sacudia. As extensões mais próximas das flores rochosas estremeceram e, por meio minuto, a brisa soprou fria nas suas faces.
Ralph abriu os braços.
- Tudo nosso.
Riram, brincaram e gritaram na montanha.
- Estou com fome.
Quando Simon mencionou sua fome, os outros perceberam que também estavam famintos.
- Vamos - disse Ralph. - Já descobrimos o que queríamos saber.
Desceram por uma encosta rochosa, enfiaram-se por entre as flores e avançaram sob as árvores. Então, pararam, para examinar com curiosidade os arbustos ao redor.
Simon falou primeiro.
- Parecem velas. Moitas de velas. Flores de velas.
Os arbustos eram verdes, bem escuros e cheirosos. Muitos dos botões eram de um verde lustroso e se dobravam sob a luz. Jack cortou um com sua faca e o cheiro se espalhou sobre eles.
- Flores de velas.
- Você não pode acendê-las - disse Ralph. - Só parecem velas.
- Velas verdes - disse Jack, desdenhosamente, - não podemos comê-las. Vamos.
Estavam no começo da floresta densa, arrastando os pés cansados por uma trilha, quando ouviram o barulho - guinchos - e o pesado golpear de cascos no chão. À medida que avançavam, os guinchos aumentavam até se tornarem um frenesi. Descobriram um leitãozinho preso numa cortina de cipós, arremetendo contra as lianas elásticas com toda a loucura do terror extremo. Os sons que emitia eram agudos, estridentes, insistentes. Os três meninos correram adiante e Jack tirou outra vez sua faca com um floreio. Levantou o braço. Uma pausa, um hiato, o leitão continuou a gritar e os cipós, a se mexer. A lâmina continuou a brilhar no fim de um braço ossudo. A pausa só foi suficientemente longa para que eles compreendessem que enormidade seria o golpe para baixo.
Então, o leitão conseguiu escapar dos cipós e desapareceu no mato. Eles ficaram se entreolhando e observando o lugar do terror. O rosto de Jack estava branco sob as sardas. Percebeu que ainda estava com a lâmina pronta e baixou o braço, recolocando a faca na bainha. Então, os três riram, cheios de vergonha, e começaram a voltar para a trilha.
- Eu estava escolhendo um lugar - disse Jack. - Só estava esperando um momento para decidir onde pegar o bicho.
- O porco tem de ser furado - disse Ralph ferozmente. - Sempre falam em furar o porco.
- Tem de se cortar o pescoço do porco para o sangue escorrer - disse Jack, - senão a carne não pode ser comida.
- Por que você não...?
Sabiam muito bem por que não: devido à enormidade da faca descendo e cortando carne viva; devido ao sangue insuportável.
- Eu ia - disse Jack. Estava à frente deles e não se podia ver seu rosto. - Estava escolhendo um lugar. Da próxima vez...
Tirou a faca da bainha e golpeou um tronco de árvore. Da próxima vez, não haveria mercê. Olhou em volta altivamente, desafiando-os a contradizê-lo. Então, saíram para a luz do sol e, por um instante, ocuparam-se em achar e devorar comida, enquanto desciam a escarpa até a plataforma onde os esperava o grupo.

Tigre de fogo.