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O general G. abriu a pasta e retirou um envelope grande contendo fotografias que ele esvaziou na superfície de vidro da mesa. Pegou as fotos uma a uma. Olhou com atenção para elas, ocasionalmente através de uma lupa que pegou numa gaveta, e deu-as a Nikitin, que as examinou antes de passá-las adiante.
A primeira foto datava de 1946. Mostrava um rapaz moreno sentado a uma mesa no terraço de um restaurante. Sobre a mesa havia um copo alto e, ao seu lado, um sifão de água tônica. O braço esquerdo repousava na mesa. Um cigarro espremia-se entre os dedos da mão direita, que pendia da borda da mesa. As pernas estavam cruzadas naquela atitude que apenas os ingleses adotam: com o calcanhar direito apoiado sobre o joelho esquerdo e a mão direita segurando o calcanhar. Uma pose descuidada. O homem não sabia que estava sendo fotografado de um ponto a cerca de seis metros.
A foto seguinte era de 1950. O rosto e os ombros estavam borrados, mas pertenciam ao mesmo homem. Era um plano fechado, e Bond fitava com olhos cautelosos alguma coisa um pouco acima da câmera, talvez o rosto do fotógrafo. Uma minicâmera disfarçada de botão, deduziu o general G.
A terceira foto era de 1951. Tirada do canto esquerdo, bem de perto, mostrava o mesmo homem num terno escuro, sem chapéu, caminhando por uma rua larga e vazia. Estava passando diante uma loja cujo letreiro dizia “Charcuterie”. Ele aparentava estar indo com pressa a algum lugar. O perfil afilado apontava diretamente para a frente, e a curva do cotovelo direito sugeria que estava com a mão direita no bolso do paletó. O general G. refletiu que a foto provavelmente fora tirada de dentro de um carro. A expressão resoluta e o jeito determinado de andar pareciam responder a algum perigo, como se o homem estivesse se dirigindo rapidamente a alguma coisa ruim que acontecia no fim da rua.
A quarta e última fotografia estava marcada Passe. 1953. O canto do Selo Real e as letras “...GABINETE MONÁRQUICO” no segmento de um círculo apareciam no canto inferior direito. A fotografia, que fora ampliada de uma foto 3x4, devia ter sido batida numa fronteira, ou pelo porteiro de um hotel quando Bond apresentou seu passaporte. O general G. examinou cuidadosamente o rosto com sua lente de aumento.
Era um rosto moreno, de feições elegantes, com uma cicatriz esbranquiçada de sete centímetros e meio sobre a pele bronzeada da bochecha direita. Os olhos eram grandes e nivelados debaixo de sobrancelhas bastante compridas. O cabelo era preto, partido no lado esquerdo e penteado cuidadosamente de modo que uma grossa mecha preta caía sobre a sobrancelha direita. O nariz reto e longo descia até um lábio superior curto abaixo do qual havia uma boca bem bonita, mas cruel. A linha do queixo era reta e firme. Uma vestimenta composta por terno escuro, camisa branca e gravata de tricô preta completavam o quadro.
O general G. segurou a fotografia com o braço esticado. Decisão, autoridade, crueldade... essas qualidades ele conseguia ver. Ele não se importava com o que mais havia dentro do homem. Passou a fotografia para os outros e abriu o fichário, correndo os olhos por cada página e passando bruscamente para a seguinte.
As fotografias voltaram para ele. O general marcou o ponto em que estava com um dedo e olhou rapidamente para cima.
- Parece um inimigo perigoso - disse secamente. - Seu histórico confirma isso. Lerei alguns trechos. Em seguida deveremos decidir. Está ficando tarde.
Voltou à primeira página e começou a ler em voz alta os pontos que lhe tinham chamado a atenção.
- “Nome de batismo: JAMES. Altura: 183 centímetros. Peso: 76 quilos. Magro. Olhos: azuis. Cabelo: preto. Cicatrizes na face direita e no ombro esquerdo. Sinais de cirurgia plástica nas costas da mão direita (veja Apêndice ‘A’). Atleta completo. Especialista em manejo de pistolas, boxe, arremesso de facas. Não usa disfarces. Línguas: francês e alemão. Fumante inveterado. (Nota: cigarros especiais com três faixas douradas.) Vícios: bebida, mas não em excesso, e mulheres. Nenhum registro de corrupção.”
O general G. saltou uma página e prosseguiu:
- “O homem invariavelmente anda armado com uma Beretta automática calibre 25, que porta num coldre debaixo do braço esquerdo. Pente de oito balas. Há notícias de que carrega uma faca amarrada no braço esquerdo. Já usou como arma sapatos com biqueiras de ferro. Conhece os rudimentos do judô. Em geral, luta com tenacidade e possui uma tolerância elevada à dor (veja Apêndice ‘B’).”
O general G. folheou mais algumas páginas, lendo trechos dos relatórios de agentes dos quais esses dados haviam sido extraídos. Chegou à última página antes dos apêndices que detalhavam os casos dos quais Bond fora encarregado. Correu o olho até o fundo e leu:
- “Conclusão. Este homem é um profissional em terrorismo e espionagem de alta periculosidade. Trabalha para o Serviço Secreto britânico desde 1938 e agora (veja a ficha de Highsmith de dezembro de 1950) porta o número secreto ‘007’ desse Serviço. O zero-zero identifica um agente que já matou e que possui licença para matar em serviço ativo. Acredita-se que existam apenas dois outros agentes britânicos com essa autoridade. O fato de que esse espião foi condecorado em 1953 com o CMG, um prêmio usualmente conferido apenas a agentes que se aposentam do Serviço Secreto, é uma medida de seu valor. Se encontrado no campo, o fato e os detalhes completos devem ser reportados ao QG (vide Ordens de Serviço Permanentes para SMERSH, MGB e GRU de 1951 em diante).”
O general G. fechou a pasta e deu um tapa decidido na capa.
- E então, camaradas, estamos de acordo?
- Sim - respondeu bem alto o coronel Nikitin.
- Sim - disse o general Slavin numa voz entediada.
O general Vozdvishensky estava olhando para as próprias unhas. Ele estava enjoado de assassinatos. Fartara-se disso em seu período na Inglaterra.
- Sim - disse ele. - Suponho que sim.
O general G. estendeu a mão até o telefone interno e falou com o seu ajudante-de-ordens.
- Mandado de morte - disse rudemente. - Faça-o no nome de “James Bond”. - Ele soletrou o nome. - Descrição: Angliski Spion. Crime: Inimigo do Estado.
Tornou a colocar o telefone no gancho e se curvou para a frente em sua cadeira.
- E agora será uma questão de planejar uma konspiratsia apropriada. E que seja à prova de falhas! - Esboçou um sorriso cruel. - Não podemos ter em nossas mãos mais um caso Khoklov.
A porta se abriu e o ajudante-de-ordens entrou trazendo uma folha de papel amarela reluzente. Ele a colocou na frente do general G. e saiu. O general G. correu os olhos pelo papel e escreveu as palavras A ser morto. Assinou Grubozaboyschikov no cabeçalho do grande espaço vazio do canto. Passou o papel para o homem da MGB que o leu e escreveu Matar. Assinou Nikitin e passou papel para o diretor da GRU. Este escreveu Matar e assinou Slavin. Um dos ajudantes-de-ordens passou o papel para o homem em roupas civis sentado ao lado do representante da RUMID. O homem colocou o papel na frente do general Vozdvishensky e deu-lhe uma caneta.
O general Vozdvishensky leu o documento atentamente. Levantou lentamente os olhos para o general G., que o observava, e, sem olhar para baixo, escreveu o “Matar” mais ou menos debaixo das outras assinaturas e rabiscou o seu nome depois. Então afastou as mãos do papel e se levantou.
- Isto é tudo, camarada general? - perguntou afastando sua cadeira.
O general G. estava satisfeito. Seus instintos sobre esse homem tinham estado certos. Ele teria de ficar de olho nele e passar suas suspeitas ao general Serov.
- Só um momento, camarada general - disse ele. - Tenho uma coisa a acrescentar ao mandado.
O papel foi passado de volta para ele. O general pegou sua caneta e rabiscou o que havia escrito. Escreveu de novo, pronunciando lentamente as palavras em voz alta enquanto o fazia.
A ser morto, COM DESONRA, Grubozaboyschikov.
Levantou os olhos e sorriu agradavelmente para os homens à mesa.
- Obrigado, camaradas. Isto é tudo. Notificarei os senhores a respeito da decisão do Praesidium sobre nossa recomendação. Tenham uma boa noite.
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