quarta-feira, 20 de maio de 2009

9: o curta metragem

Bridgett

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9: o trailer

Trecho do livro Pornô, de Irvine Welsh

Croxy, pela primeira vez na vida suando por causa de esforço físico emlivro_sexo vez de abuso de drogas, sobe tropeçando as escadas com a última caixa de discos nas mãos enquanto eu desabo na cama, entorpecido e deprimido, encarando de boca aberta o papel de parede bege. Isto é meu novo lar. Um quartinho de nada, de quatro por três, acompanhado por um corredor, uma cozinha e um banheiro. O quarto tem um armário embutido sem portas, minha cama e o espaço exato pra duas poltronas e uma mesa. Não tenho como sentar por aqui: até na prisão seria melhor. Porra, de repente é melhor voltar pra Edimburgo e sugerir que o Frank Begbie faça um negócio comigo, trocando sua cela por este muquifo gelado.

Neste espaço apertado, o fedor acumulado dos cigarros do Croxy é sufocante. Não fumo há três semanas, mas só de ficar perto dele consumo passivamente uns trinta cigarros por dia. Esse trabalho dá uma sede, hein Simon? Vem comigo pro Pepys pra tomar uma? - ele pergunta, e com seu entusiasmo triunfante parece estar querendo tirar um sarro das presentes circunstâncias humildes de Simon David Williamson.

Caralho, se por um lado seria uma loucura total descer pela Mare Street e entrar no Pepys, dando chance pra que todo mundo ria da minha cara e diga "Voltou pra Hackney, Simon?", porra, quero mesmo um pouco de companhia. Bater papo. Relaxar um pouco. Além do mais, seria bom arejar o Croxy. Tentar largar o cigarro na companhia do sujeito é como resolver parar com a heroína em um squat cheio de viciados.

- Você teve sorte de conseguir esse lugar - diz Croxy enquanto me ajuda a desembalar as caixas. Sorte o caralho. Fico deitado na cama e a casa toda se chacoalha quando o trem expresso pra Liverpool Street passa voando pela estação Hackney Downs, que fica a mais ou menos trinta centímetros de distância da janela da cozinha.

No meu estado de espírito, me recolher é uma opção ainda menos plausível que sair de casa, por isso descemos com cuidado pela escadaria deteriorada, com o tapete tão gasto que ficou perigoso como uma geleira. Do lado de fora, a chuva cai misturada com a neve e por todos os lados se percebe uma aura tediosa de ressaca festiva enquanto caminhamos na direção Mare Street e da prefeitura. Croxy, que não tem nenhum senso de ironia, fica dizendo que "Hackney é bem melhor que Islington, sem dúvida. Faz tempão que Islington tá uma merda completa".

elementar, meu caro

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trecho de Elza,a garota, de Sérgio Rodrigues

Elza Na noite de sábado, peguei o trem para São Paulo com mais três camaradas, dois que eu nem me lembro e o Guarani. Descemos na Estação da Luz na manhã do domingo, o domingo em que seria a passeata, junto com gente que vinha de tudo quanto era lado, de Santos, do Sul, do Rio, de Minas, estivadores do tamanho daquelas estátuas realistas-socialistas ao lado de funcionários públicos com óculos fundo-de-garrafa e musculatura de louva-deus – tinha de tudo. Na estação, já começamos a sentir o clima. Estava um dia bonito, e como tínhamos algumas horas para matar antes da passeata propus um passeio pela cidade, que eu não conhecia, mas o Guarani disse que o combinado era irmos direto para a casa de um camarada nosso, um gráfico chamado Enzo, que morava no Brás. Lá seria a concentração de alguns companheiros, almoçaríamos de graça antes de seguir num grupo maior para a Praça da Sé. Chegamos antes das dez e a casa já estava cheia. Era uma casa modesta, branca de janelas amarelas, mas tinha um quintal espaçoso com algumas árvores, uns bancos compridos de madeira debaixo de videiras, gaiolas de passarinho. Enzo, um italiano de fisionomia severa, bigodão, nos recebeu meio seco, mas a hospitalidade foi mais que garantida pela mulher dele, que era uma dona muito simpática, muito sorridente. Veio da cozinha de avental sujo avisar que o cardápio era macarronada com polpetone, me lembro disso como se fosse o almoço de ontem. No quintal, nos juntamos a um grupo que já devia ter vinte pessoas ou mais, todo mundo bebendo vinho. O Enzo tinha duas filhas, Francesca e Gina, que eles chamavam bem à italiana, Frantchesca e Djina. Duas deusas, uma Sophia Loren e uma Gina Lollobrigida, que ficavam zanzando lépidas de pés descalços, indo de grupinho em grupinho com os garrafões, enchendo copos, fazendo piadas, rindo para todo mundo. Mas este lugar é o paraíso, eu me lembro de ter pensado, enquanto o Guarani me cutucava para ir com calma na bebida. Isso não é festa, ele disse, deixa a festa para depois do trabalho. O trabalho era a porradaria contra os integralistas. Confesso que não segui à risca o conselho de Guarani e estava zonzo quando saímos da casa de Enzo rumo à guerra. Gina e Francesca também foram. Isso me deixou preocupado quando nos aproximamos do nosso ponto de encontro, que seria no Largo de São Bento, observados à distância por batalhões de policiais a cavalo, e eu comecei a ver gente com soco-inglês, porrete na mão, outros levando livros do Lênin, A Classe Operária, A Plebe ou A Manha enrolados em canudos, como se fossem para matar moscas. Mas a maioria de mãos abanando mesmo, olhos brilhantes de confiança e só. E precisava mais? Entendi então que ninguém estava preocupado com detalhes como força física ou experiência em escaramuças de rua, tinha muita mulher no meio, tinha até criança. Aquilo era uma festa cívica. Perdi Gina e Francesca de vista, mas relaxei. Um frisson absolutamente irresponsável, delicioso, percorria as fileiras antifascistas: era chegada a hora de acertar contas com aquela escória. Tínhamos gosto de sangue na boca, minha cabeça girava e eu acho que não era mais só por causa do vinho. Se Hitler e Mussolini estavam fora do alcance de nossos paus e pedras, os camisas-verdes de Plínio Salgado não estavam.

Eu seguia os comandos de companheiros que não conhecia, tudo uma confusão de gente e palavras de ordem, e já não via nem o Guarani nem conhecido nenhum. Mas sabia que o caos era apenas aparente. A estratégia militar tinha sido traçada pelo João Cabanas e pelo Roberto Sisson, caras que entendiam do riscado. Tinha pontos de concentração no Largo João Meneses, no pátio do Convento do Carmo, na Praça Ramos de Azevedo… Você conhece o centro de São Paulo? Dizem que a passeata dos galinhas-verdes chegou a tomar dois quilômetros da Brigadeiro Luiz Antônio, coisa de oito mil pessoas, não sei se é verdade. Só sei que, chegando na Praça, com mulheres e crianças fazendo o papel de abre-alas, bandeiras do Sigma tremulando, aquele rio verde começou a ser comprimido nas duas margens pelos rochedos vermelhos. Se eles eram oito mil, quantos seríamos nós? E a troca de insultos começou. Foi um tal de morra! pra cá, viva! pra lá, alguns mais esquentadinhos já começaram a sair no tapa ali mesmo. De repente, ouvimos tiros, mas era impossível saber de onde tinham vindo. Sentindo-se seguros com a proteção policial, que era de centenas de homens, uma fartura que eu nunca tinha visto de bombeiros, cavalarianos e policiais civis armados, os oradores integralistas começaram a discursar na escadaria da catedral debaixo de uma vaia de ensurdecer. Plínio Salgado, que não era besta, não apareceu, ficou com o rabo entre as pernas na sede do partido. Era impossível ouvir qualquer coisa. Eu comecei a suar em bicas no meio daquela panela de pressão, o sal me entrava nos olhos deformando tudo. De repente, bem claro, como se viesse do céu, um som picotado e inconfundível que até então eu só conhecia dos filmes de guerra: uma rajada de metralhadora. Por instinto, dei meia-volta e ia sair correndo, mas fui salvo do vexame por uma velhota de xale preto nos ombros, cara soturna de siciliana, que naquele momento me pareceu a própria Morte. Ela me agarrou o braço e disse: Coragem, homem. Sem graça, murmurei: É que eu preciso ir ao banheiro. Sei, respondeu a velha, já está se cagando. Tentei salvar a honra com um riso de desdém, mas tratei de sair rapidamente de perto da bruxa. De todo modo não fugi, tinha passado o impulso de covardia. Fui caminhando com lentidão estudada para a direita, na direção de um grupo mais denso onde naquele momento, em cima de um caixote, começava a improvisar um pequeno comício paralelo um sujeito que eu reconheci das fotos dos jornais que lia na casa do meu tio João Mateus: era Edgard Leuenroth, o grande líder anarquista. Fiquei por ali, aplaudindo cada palavra dele como se aplaudisse meu próprio passado. Percebi que pequenos comícios como aquele iam pipocando em outros pontos da praça. E de repente o tiroteio rebentou de vez.

Nunca se soube quem começou. As balas zuniam, corria gente para todo lado, e tome pop-pop-pop. Fui procurar proteção atrás de uma árvore e no caminho vi que a velha com cara de siciliana continuava impassível em seu lugar, plantada lá com seus sapatos pretos: era a única pessoa parada no meio daquele redemoinho de gente, como se fosse o próprio eixo da roda de insanidade em que se transformara a Praça da Sé. Vi pessoas caindo, não sei se porque tinham sido alvejadas ou porque tropeçavam mesmo, mas de uma forma ou de outra eram pisadas por quem vinha atrás, e ouvi gritos de dor, uivos de pânico, ordens contraditórias, por aqui, calma, para cima, é agora, socorro! De repente, um garoto camisa-verde mais desorientado cruzou na minha frente e sem pensar eu lhe mandei um murro bem no meio do nariz. Ele caiu de joelhos e começou a chorar feito um bebê, o sangue jorrando. Muito bem, companheiro, senti tapinhas nas costas quando finalmente alcancei a árvore que mantinha na mira. A dor em minha mão era aguda.

Os tiros tinham ficado mais esparsos, o frenesi começou a baixar. Alguém gritou que os galinhas estavam batendo em retirada, e era verdade: a Praça da Sé excretava jatos verdes por todos os poros, uma cena linda. Alguns arrancavam as camisas enquanto corriam, tentando se livrar da cor que os denunciava, e essas peças infames eram coletadas por companheiros eufóricos, que as erguiam como troféus, berrando: Vitória! Vitória!

sábado, 16 de maio de 2009

clássico da arábia

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Yuia Aida

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a pintura, a dança

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“Eu adoro um deus com cabeça de elefante!”

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De Toulouse

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Trecho de O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry

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O pequeno príncipe atravessou o deserto e encontrou apenas uma  flor. Uma flor de três pétalas, uma florzinha insignificante....

- Bom dia - disse o príncipe.

- Bom dia - disse a flor.

- Onde estão os homens? - Perguntou ele educadamente.

A flor, um dia, vira passar uma caravana:

- Os homens? Eu creio que existem seis ou sete. Vi-os faz muito tempo. Mas não se pode nunca saber onde se encontram. O vento os leva. Eles não têm raízes. Eles não gostam das raízes.

-Adeus - disse o principezinho.

-Adeus - disse a flor.

O pequeno príncipe escalou uma grande montanha. As únicas montanhas que conhecera eram os três vulcões que batiam no joelho. O vulcão extinto servia-lhe de tamborete. "De uma montanha tão alta como esta", pensava ele, "verei todo o planeta e todos os homens..." Mas só viu pedras pontudas, como agulhas.

- Bom dia! - disse ele ao léu.

- Bom dia... bom dia... bom dia... - respondeu o eco.

- Quem és tu? - perguntou o principezinho.

- Quem és tu... quem és tu... quem és tu... - respondeu o eco.

- Sejam meus amigos, eu estou só... - disse ele.

- Estou só... estou só... estou só... - respondeu o eco.

"Que planeta engraçado!", pensou então. "É completamente seco, pontudo e salgado. E os homens não têm imaginação. Repetem o que a gente diz... No meu planeta eu tinha uma flor; e era sempre ela que falava primeiro."

Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas em direção aos homens.

- Bom dia! - disse ele.

Era um jardim cheio de rosas.

- Bom dia! - disseram as rosas.

Ele as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.

- Quem sois? - perguntou ele espantado.

- Somos as rosas - responderam elas.

- Ah! - exclamou o principezinho...

E ele se sentiu profundamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ele era a única de sua espécie em todo o Universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!

"Ela teria se envergonhado", pensou ele, "se visse isto... Começaria a tossir, simularia morrer, para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem capaz de morrer de verdade..."

Depois, refletiu ainda: "Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não passam do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso..."

E, deitado na relva, ele chorou.

E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia - disse a raposa.

- Bom dia - respondeu educadamente o pequeno príncipe, olhando a sua volta, nada viu.

- Eu estou aqui - disse a voz, debaixo da macieira...

- Quem és tu? - Perguntou o principezinho. - Tu és bem bonita...

- Sou uma raposa - disse a raposa.

- Vem brincar comigo - propôs ele. - Estou tão triste...

-Eu não posso brincar contigo - disse a raposa. - Não me cativaram ainda.

- Ah! Desculpa - disse o principezinho.

Mas, após refletir, acrescentou:

- Que quer dizer "cativar"?

- Tu não és daqui - disse a raposa. - Que procuras?

- Procuro os homens - disse o pequeno príncipe. - Que quer dizer "cativar"?

- Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?

- Não - disse o príncipe. - Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?

- É algo quase sempre esquecido - disse a raposa. Significa "criar laços"...

- Criar laços?

- Exatamente - disse a raposa. - Tu não és ainda para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

- Começo a compreender - disse o pequeno príncipe. - Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...

- É possível - disse a raposa. - Vê-se tanta coisa na Terra...

- Oh! Não foi na Terra - disse o principezinho.

- A raposa pareceu intrigada:

- Num outro planeta?

- Sim.

- Há caçadores nesse planeta?

- Não.

- Que bom! E galinhas?

- Também não.

- Nada é perfeito - suspirou a raposa.

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O LONGO AMANHÃ

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sexta-feira, 8 de maio de 2009

você não é bem vindo aqui

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as palavras de Lord Byron

O Enterro

gothic-chatty-cathy No ano de 17.., depois de haver meditado por algum tempo sobre a possibilidade de viajar por países que até agora os viajantes não freqüentam muito, parti em companhia de um amigo, ao qual me referirei como August Darvell.

Era uns anos mais velho que eu, um homem de fortuna considerável e família de próspera. Vantagens que ele nem desprezava nem superestimava, graças a sua grande capacidade. Algumas circunstâncias singulares em sua historia pessoal o haviam convertido para em objeto de atenção, interesse e até de estima, que não diminuíam nem seus modos reservados nem as ocasionais mostras de angústia que às vezes o acometiam e o levavam a uma alienação mental.

Eu era todavia um jovem e havia começado a viver cedo; porém mi intimidade com ele era recente: assistimos a as mesmas escolas e universidade; mas seu passo por elas me havia precedido, e ele já se havia iniciado a fundo no que se tem chamado o mundo, enquanto eu estava no noviciado. Durante esse tempo, escutei detalhes em abundância tanto de sua vida passada como da presente e, ainda que nestas narrações havia muitas e irreconciliáveis contradições, podia eu inferir que ele não era um ser comum, senão alguém que, ainda que se esforçasse por não ser conspícuo, seguia sendo notável.

Havia travado conhecimento com ele e tentei conquistar posteriormente sua amizade, porém parecia que esta era inalcançável; os afetos que pudesse haver sentido aparentavam ter-se extinguido. Tive suficientes oportunidades para observar que seus sentimentos eram intensos; pois mesmo quando os podia controlar, lhe era impossível encobri-los por completo; sem embargo, tinha a faculdade de dar a uma paixão a aparência de outra, de modo que resultava difícil definir a natureza do que sucedia em seu interior; e as expressões de seu rosto podiam variar com tal rapidez, ainda que ligeiramente, o que resultava inútil tratar de esquadrinhar sua origem.

Era manifesto como o dominava uma angústia incurável; porém nunca pude descobrir se era causa a ambição, o amor, o remorso ou a pena, um só ou todos juntos, ou apenas por um temperamento mórbido, semelhante a uma enfermidade. Existiam circunstâncias supostas que poderiam justificar sua atribuição a qualquer destas causas; porém como antes disse, estas eram tão contrárias e contraditórias que nenhuma podia considerar-se definitiva.

Se supõe geralmente que onde há mistério existe também a perversidade: não sei como pode ser isto, porém é um fato que não existia o primeiro ainda que não poderia atestar os alcances da segunda —e estava pouco disposto, no que a ele se referia, a crer em sua existência. Recebia minha proximidade com bastante reserva; mas eu era jovem e difícil para o desalento; e, com o tempo, tive êxito ao entabular, até certo ponto, esse vinculo comum e essa confiança moderada dos interesses mútuos e cotidianos que criam e cimentam a comunhão de empenhos, e a frequência de encontros que se chama intimidade ou amizade segundo as idéias de quem utilizam essas palavras para sua expressão.

Darvell havia viajado muito; dirigi-me a ele para que me aconselhasse a respeito da viagem que pretendia realizar. Era meu desejo secreto que se deixasse persuadir a me acompanhar; ademais, era uma perspectiva improvável; baseada na vaga inquietude que havia observado nele e à qual davam renovada força ao entusiasmo que parecia sentir para tais temas e sua aparente indiferença por tudo o que o rodeava muito de perto.

A principio insinuei meu desejo e depois o expressei abertamente: sua resposta, ainda que eu a esperasse em alguma medida, me deu todo o prazer de uma surpresa: aceitou e, ao término dos preparativos necessários, começamos nossa travessia.

Depois de viajar por vários países do sul de Europa, voltamos a atenção para o Leste, de acordo com nosso destino original; e foi em nosso percurso através de estas regiões que ocurreu o incidente que dá ocasião a meu relato.

A complexão de Darvell, que, dada sua aparência, devia haver sido em sua juventude mais robusta que o normal, estava decaindo gradualmente desde algum tempo, sem que nenhuma enfermidade se manifestasse: não tinha tosse nem tísica; contudo, cada dia se debilitava mais; sues hábitos eram moderados, não admitia nem se queixava de fatiga; não obstante, era evidente que se estava consumindo: se volta cada vez mais e mais silencioso e insone e, por fim, se alterou de tão notável maneira que minha preocupação aumentou de maneira proporcional ao perigo que eu considerei lhe ameaçava.

A nossa chegada a Esmirna, nos havíamos proposto ir a uma excursão às ruínas de Éfeso e Sardis, da qual tentei dissuadi-lo devido à sua indisposição —porém em vão: parecia existir uma opressão em sua mente, e uma solenidade em seus modos que não correspondiam com sua ansiedade para seguir com o que eu considerava uma simples viagem de prazer, totalmente inadequado para uma pessoa delicada; porém não me opus mais, e uns dias depois partimos em companhia unicamente de um guia e um carregador.

Havíamos percorrido a metade do caminho até os vestígios e Éfeso, deixando atrás os contornos mas férteis de Esmirna e nos adentrávamos nessa região inóspita e desabitada através dos pântanos e desfiladeiros que levam às poucas choças que subsistem sobre as destroçadas colunas de Diana —as paredes sem teto da cristandade expulsa e mesmo mais recente porém total desolação das mesquitas abandonadas— quando a súbita e vertiginosa enfermidade de meu companheiro nos obrigou a deter-nos em um cemitério turco, cujas lápides coroadas de turbantes eram o único indicio de que a vida humana havia morado alguma vez nesse ermo. A única caravana que vimos havia passado umas horas atrás; não se podia ver nem esperar vestígio algum de povo ou sequer de caravana, e esta “cidade dos mortos” parecia ser o único refúgio para meu desafortunado amigo, que se via próximo a converter-se em seu seguinte morador.

Nesta situação, busquei pelos arredores um lugar no que pudesse repousar com mais comodidade: ao contrário do aspecto usual dos cemitérios maometanos, os ciprestes deste eram escassos, espalhados sobre toda a superfície; a maioria das tumbas estavam destruídas e desgastadas pelos anos: sob uma das maiores e sob uma das árvores mais frondosas, Darvell se apoiou, inclinando-se com grande dificuldade. Pediu água. Eu duvidava que pudéssemos encontrá-la, ainda que me dispusesse ir buscá-la apesar de meu desalento: porém ele desejava que eu permanecesse com ele; e voltando-se para Suleiman, nosso carregador, que fumava com grande tranqüilidade, lhe disse:

—Suleimán, verbena su— ( ou seja, traz-me um pouco de água) e continuou descrevendo-lhe com grande detalhe o ponto onde poderia encontrá-la. Era um pequeno poço para camelos, algumas centenas de jardas à direita. O jenizaro obedeceu.

Disse a Darvell:

— Como sabes isso?

—Por nossa posição— revelou —você deve notar que o lugar esteve habitado alguma vez e não poderia ser diferente se não houvesse mananciais. Ademais, já estive aqui antes.

—Você já esteve aqui! Como nunca o mencionou? E que fazia você em lugar semelhante onde nada pode permanecer um momento mais sem pedir ajuda?

A esta pergunta não recebi resposta alguma. Enquanto isso, Suleimán regressou com a água e deixou o guia e os cavalos na fonte. Parecia que ao mitigar sua sede Darvell reviveu por um momento; e alberguei a esperança de que pudesse continuar, ou pelo menos regressar, e o exortei a tentá-lo.

Ele guardou silêncio. Parecia pôr ordem em seus pensamentos antes de se esforçar para falar.

—Este é o fim de minha jornada —começou— e de minha vida; vim até aqui para morrer; porém tenho uma súplica a fazer: uma ordem que dar, pois tais devem ser minhas últimas palavras. Cumprirás?

—Desde logo; porém tenho melhores intenções.

—Eu não tenho esperanças, nem desejos, senão este: oculte minha morte a todo ser humano.

—Espero que não se presente a ocasião; você se recuperará e…

—Silêncio!, assim deve ser: prometa.

—Sim.

—Jure — aqui pronunciou um juramento de grande solenidade.

—Não há razão para tal, eu cumprirei com seu pedido; e duvidar de mim é…

—Não posso evitar, deve você jurar.

Pronunciei o juramento e isso pareceu aliviá-lo. Tirou do dedo um anel de selo, que tinha gravados alguns caracteres arábicos, e me deu.

—No nono dia do mês — continuou—, precisamente ao meio-dia (o mês que você gostar, porém o dia deve ser esse) você deverá arrojar este anel às fontes de água salgada que alimentam a baia de Eleusis. No dia seguinte, à mesma hora, deverá dirigir-se às ruínas do templo de Ceres e esperar uma hora…

—Para que?

—Já o verá

—Disse você que é o nono dia do mês?

—O nono.

Quando fiz a observação de que o presente era o nono dia do mês, seu semblante mudou e fez pausa. Enquanto estava sentado, debilitando-se visivelmente, uma cegonha com uma serpente no bico pousou sobre uma tumba próxima a nós; e, sem devorar sua presa, dava a impressão de nos observar fixamente. Não sei o que me impulsionou a espantá-la, porém o intento foi inútil; fez alguns círculos no ar e regressou exatamente ao mesmo lugar. Darvell apontou-a e sorriu. Falou —não sei se para si mesmo ou para mim – porém as palavras só foram:

—Está bem.

—Que é que está bem? Que queres dizer?

—Não importa; você deverá enterrar-me aqui esta noite, e no ponto exato em que está parada essa ave. Já conhece você o resto de minhas ordens.

Então começou a dar-me algumas instruções sobre como poderia ocultar melhor sua morte. Quando terminou, disse:

—Vê você essa ave?

—Claro.

—E a serpente que se retorce em seu bico?

—Sem dúvida; não há nada raro; é sua presa natural. Porém é estranho que não a devore.

Riu-se de uma maneira espectral e disse languidamente:

—Todavia não é o momento.

Enquanto falava, a cegonha empreendeu o voo. Segui-a com os olhos um instante: não pude haver tardado mais que em contar dez. Senti aumentar o peso de Darvell, por pouco que fosse, sobre meu ombro e, ao voltar a ver seu rosto, vi que havia morrido.

Impressionou-me a repentina certeza inconfundível: em poucos minutos seu semblante se tornou quase negro. Pudesse atribuir essa mudança tão rápida à ação de algum veneno, se não estivesse consciente de que não teve oportunidade alguma de tomá-lo sem que eu me desse conta. O dia se acercava a seu final, o corpo se decomporia com rapidez. Não restava nada mais que cumprir seu pedido. Com ajuda do iatagán,de Suleimán e de meu próprio sabre, escavamos uma tumba pouco profunda no sitio que Darvell havia indicado: a terra cedeu com facilidade: tempo atrás havia recebido um ocupante maometano.

Cavamos o mais profundo que o tempo permitiu e, arrojando a terra seca sobre tudo o que restava do ser tão singular que acabava de partir, cortamos alguns ramos do cipreste mais verde que crescia na terra menos desgastada que nos rodeava e o colocamos sobre seu sepulcro.

Entre o assombro e a pena, não podia derramar uma lágrima.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

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as palavras de marçal aquino

A MISSÃO

images Da penumbra, oculto por um pilar, ele observou o homem atravessar o pátio. Um grandalhão com cara de sádico, armado com um cassetete. Poderia atacá-lo de surpresa, ele considerou, enquanto o homem se detinha e espiava ao redor, atento. Mas estava sem sua pistola e resolveu não correr riscos desnecessários. Preferiu esperar que o vigia terminasse a ronda.
Assim que se desfez no ar o som que o homem produziu, ao fechar atrás de si uma pesada porta de ferro, ele se moveu. Cruzou o pátio, aumentando a velocidade e a largura dos passos ao passar pela zona iluminada. De novo na penumbra, manteve-se imóvel por um tempo, recuperando o controle da respiração, o coração batendo acelerado. Ele conhecia bem o inimigo, sabia o que o aguardava se fosse apanhado. Mas isso não aconteceria. E o medo não iria impedi-lo de cumprir sua missão.
Um cachorro latiu em algum lugar ali perto. Ele aguçou os ouvidos, prendeu a respiração. E esperou. Nada aconteceu. O pátio continuou deserto e silencioso, azulado pela luz da lua.
A arma fazia falta, ele pensou. Com ela na mão, estaria mais confiante. Mas profissionais como ele eram preparados para lidar com situações adversas. Então deixou a penumbra e começou a galgar a calha, apoiando-se nas emendas. Cada movimento desprendia um ruído preocupante da estrutura de metal. Se a calha cedesse ao seu peso, ele olhou para baixo, seria uma queda e tanto. Foi nesse momento que escutou o barulho da chave na porta de ferro. E, com um arranque que fez ranger a calha inteira, alcançou a mureta e passou ao segundo piso.
Ali, permaneceu agachado, de olho no pátio. O som da calha ainda retinia em seu ouvido quando o grandalhão surgiu na área iluminada. Por um segundo, teve a impressão de que o homem olhou em sua direção e isso ó deixou tenso, com os músculos retesados. Mas o vigia parecia despreocupado: assobiava e batia o cassetete na palma da mão enquanto fazia o trajeto até o lado oposto do pátio.
Ele se levantou e passou a um corredor comprido, fracamente iluminado. Andava com cautela, pisando em silêncio, como um gato — fora treinado para isso. Até que, no final do corredor, uma porta trancada o deteve. Poderia arrombá-la com o ombro, mas na certa seria denunciado pelo barulho. Por isso, abaixou-se e forçou a maçaneta várias vezes, sem nenhum resultado prático. Então o som de passos às suas costas fez com que se erguesse como uma mola. Os dois homens se aproximavam devagar, obstruindo o corredor com seus corpos musculosos:
"Olha só o que temos aqui", disse um deles.
Aquele era o momento crítico de sua missão, e ele estava sem sua arma. Mas tivera muito trabalho para chegar até ali e não podia se render sem luta. Percebendo que ele se colocava em guarda, o homem à sua esquerda abriu os braços:
"Calma, ninguém precisa se machucar aqui".
Foi esse homem que ele atingiu de raspão com um soco, enquanto o outro o agarrava e ambos rolavam pelo chão. Ele esperneou, chutou e até mordeu um dos homens, mas acabou subjugado numa gravata tão apertada que o fez perder os sentidos.
Quando acordou, ele se sentia atordoado, com a boca pastosa. No interrogatório, do qual lembrava apenas detalhes imprecisos, tinham usado drogas para fazê-lo falar. Mas ele estava. certo de que não revelara nada, fora treinado para resistir até ao soro da verdade.
A mulher que entrou no quarto nesse momento era jovem e bonita e sorriu para ele de um jeito amistoso.
"Está tudo bem com você?” •
A voz soava macia, os gestos, calmos. O inimigo mudava de tática e agora tentava seduzi-lo. Ele se levantou da cama e cambaleou até a janela.
"Você vai acabar se machucando de verdade", a mulher disse.
E apontou a pilha de livros sobre o criado-mudo. Livros baratos, de papel ordinário.
“Seria melhor você parar de ler essas, porcarias, estão piorando a sua cabeça.”
Por entre as grades da janela, ele viu o pátio cercado por muros altos. E ficou em dúvida por um instante. Só um instante. Ela ainda falou que aquelas tentativas de fuga atrapalhavam o tratamento. Mas ele sabia que o inimigo tentava confundi-lo. Queriam que ele ficasse em dúvida sobre quem era e o que estava fazendo ali.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

beatrice

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o osso no espaço

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meias coloridas

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suspiria

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apocalipse agora

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as palavras de fernando bonassi

Nossa Senhora Aparecida

outsider by Marco Martins 3 A casa de Devanir não se combina: porta de alumínio em batente de madeira, privada bege com lavatório azul; no piso, cerâmica, taco e cimento vermelho; uma parede de bloco, outra de tijolo cozido...
Não é que Devanir goste de misturar cores e formas, mas, desde que largou a família e se instalou no bairro, aceitou receber o que oferecessem pelo seu serviço.
O serviço que Devanir tem agora não teve desde sempre. Com o diploma de torneiro do Senai, saiu trabalhando por mais de 14 anos, mas o que precisava do cuidado de metalúrgico, as máquinas deixavam pronto, de maneira que foi se perdendo pelos empregos perdidos e acabou sem lugar de tirar sustento.
Esse serviço de Devanir começou de fim de semana, quando a arruaça abraçava a vila, e quem não era daquilo tinha de se trancar, rezando contra maldição, polícia e bala perdida.
O primeiro foi um velho que gritava no boteco do Soares. Devanir, de pai alcoólatra, não suportava esses tipos. Quando fez o bêbado sumir, ganhou muitas coisas pela gratidão das pessoas. Em seguida foi chamado pelo dono do depósito de material de construção, que dois moleques viviam pulando o muro pra roubar telha. Deu um jeito neles e ganhou um milheiro de tijolos. Aqueles da parede do fundo. Depois foram os estupradores: a porta de alumínio, o liquidificador, fogão e geladeira. Tinha se especializado: mandava ajoelhar, encomendava as almas e fazia o que tinha de ser feito.
No começo enjoava, mas depois acostumou. Devanir era devoto de Nossa Senhora Aparecida, porque um dia estava se afogando em São Vicente e, quando ele gritou o nome dela, veio como que uma mão do céu e o puxou de volta pra esta vida. A santa surgira de um rio, ele ressurgira do mar, então passou a pensar que tinha essa ligação com a padroeira. Por isso sempre encomendava as suas almas através dela. Também acreditava que, se a gente vem ao mundo pelo meio de uma mãe, deve ser levado dele por intermédio de outra. Coisas do Devanir...
Cada um dos dois cômodos da casa tem uma imagem de gesso pintado. Uma em cima da geladeira, outra em cima do guarda-roupa. As duas olhando com pena por dentro do manto.
As pessoas confiavam em Devanir, mas não sabiam que, nos últimos tempos, deu pra ouvir barulhos e ficar nervoso. Devanir foi ao médico e pediu remédio calmante. O remédio dava sono, mas o barulho diminuía.
Sexta-feira passada Devanir tinha acertado de dormir no posto de gasolina do Filó, que malandro andava estourando os armários pra roubar óleo de motor. Devanir tomou banho, engoliu dois comprimidos, pegou carteira, cigarros e, por incrível que pareça, quando colocou no pescoço a medalhinha da Nossa Senhora, nada mais nada menos que ela própria apareceu na sua frente.
— De... va... nir...
Devanir olhou bem pra aparição. Parecia mais escurinha que a estátua, mas ele não comentou.
— De... va... nir...
A santa sentou na cômoda enquanto Devanir lia a bula do remédio. Falava em alucinação, mas ele não entendeu direito. Sussurrou:
— Mãe... Mãezinha?
Depois baixou pra beijar a mão da santa, mas ela puxou o braço.
— Orgulhosa...
— De... va... nir...
— Fala, mãezinha!
Devanir percebeu que ela não abria a boca, mas deu pra ouvir:
— Devanir... você é um bosta.
A voz ecoava dentro do quarto, mas não tinha espaço pra tanto eco. Ele deu um passo pra trás, tropeçou na cama e caiu deitado.
— Que é isso, Mãezinha?! Chamo sempre que tô pra acabar com um e a senhora me chega com essa?!
— Você não pode fazer isso...
Devanir aproveitou pra pegar o revólver e enfiar por trás da calça:
— Como? Deixo essa gente desprotegida?!
— Você é burro, Devanir.
Devanir abriu a janela.
— Se veio aqui pra me humilhar, então pode ir saindo.
— Eu quero a sua promessa...
Devanir olhou pro relógio, já passava mais de hora do encontro com Filó. Valia televisão de 20 polegadas e ele ficou ansioso.
— Mais promessa?! De quê?
— Pára de matar criança, Devanir...
Devanir sentiu como se a medalhinha pesasse um quilo. Não conseguia encarar a santa, mas disse:
— Que criança o quê! Essa gente aí fica pronta e estragada com 12, 13... não tem nada de criança não... A senhora devia saber disso.
— Eu sei, Devanir... Eu sei... E você, que é um cagão, o que você sabe?
— Eu sei isso daqui, ó...
Devanir puxou a arma e disparou. A bala flutuou pelo corpo da santa e foi estilhaçar o gesso por cima do guarda-roupa. Ela olhou pra própria imagem aos pedaços e riu. Devanir sentiu falta de ar, caiu de joelhos e chorou. Quando se ergueu, a santa tinha desaparecido. Então sentiu um pouco de vergonha e prometeu não tomar mais aquele remédio esquisito, mas ninguém sabe se deixou de fazer maldade.

bruxas...

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"... eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem."