sábado, 27 de dezembro de 2008

Os homens que não amavam as mulheres, de Stieg Larsson

Leia trecho do livro 2612674

Lisbeth Salander emergiu sobressaltada de um sono sem sonhos. Sentia uma ligeira náusea. Não precisou virar a cabeça para saber que Mimmi já fora trabalhar, mas o cheiro dela permanecia no ar confinado do quarto. Havia bebido cerveja demais na reunião de terça à noite no Moulin com as Evil Fingers. Pouco antes de o bar fechar, Mimmi aparecera e a acompanhara até sua casa e até sua cama.

Ao contrário de Mimmi, Lisbeth Salander nunca se considerou uma autêntica lésbica. Nunca se preocupou em saber se era hétero, homo ou talvez bissexual. De modo geral, dava pouca importância a rótulos e achava que não competia a ninguém saber com quem ela passava a noite. Se fosse absolutamente necessário escolher, sua preferência sexual seria os rapazes — pelo menos eles lideravam as estatísticas. O único problema era encontrar um que não fosse um debilóide e fosse bom de cama, e Mimmi representava uma boa solução- tampão, capaz de mantê-la acesa. Ela a conhecera um ano antes numa barraca de cerveja da festa do Orgulho Gay, e fora a única pessoa que Lisbeth tinha apresentado às Evil Fingers. A relação se manteve com altos e baixos ao longo do ano, mas ainda não ia além de um passatempo para ambas. Mimmi era um corpo gostoso junto ao qual Lisbeth podia se aquecer, e também um ser humano em cuja companhia era bom acordar de manhã e fazer o desjejum.

O relógio na mesa-de-cabeceira indicava nove e meia e ela se perguntava o que a fizera acordar, quando a campainha da porta tocou de novo. Atônita, sentou-se na cama. Ninguém jamais tocava a sua campainha àquela hora da manhã. Aliás, quase ninguém tocava a sua campainha. Ainda sonolenta, enrolou-se no lençol e foi cambaleando até o vestíbulo para abrir a porta. Viuse cara a cara com Mikael Blomkvist, sentiu o pânico invadir seu corpo e sem querer deu um passo para trás.

— Bom dia, senhorita Salander — ele saudou cordialmente. — Vejo que a noite foi movimentada. Posso entrar?

Sem esperar ser convidado, ele passou pela porta e a fechou atrás de si. Contemplou com curiosidade as roupas espalhadas no chão do vestíbulo, as pilhas de jornais, e lançou um olhar pela porta do quarto, enquanto o mundo de Lisbeth Salander parecia oscilar — quem, o quê, como? Mikael Blomkvist divertia-se com o olhar espantado dela.

— Como achei que você ainda não havia tomado o café-da-manhã, trouxe uns sanduíches. Um de rosbife, um de peru com mostarda de Dijon e um vegetariano com abacate. Não sei qual você prefere. O de rosbife? — Ele desapareceu na cozinha e logo encontrou a cafeteira elétrica. — Onde guarda o café? — perguntou. Salander permaneceu como que paralisada no vestíbulo até ouvir a torneira ser aberta. Deu três passos rápidos.

— Pare! — Percebeu que dera um grito e baixou o tom. — Não pode ir entrando assim na casa das pessoas, porra! Aqui não é a sua casa. Nós nem nos conhecemos.

Mikael Blomkvist parou de pôr água na cafeteira e virou a cabeça na direção dela. Respondeu com uma voz grave.

— Negativo! Você me conhece melhor que a maioria das pessoas. Não é mesmo?

E virou-se para continuar enchendo a cafeteira com água. Depois começou a abrir as portas do armário da cozinha.

— Aliás, eu sei como você faz. Conheço os seus segredos.

Lisbeth Salander fechou os olhos e quis que o chão se abrisse sob seus pés. Sentia-se num estado de paralisia mental. Estava com a boca seca. A situação era irreal e seu cérebro recusava-se a funcionar. Nunca antes havia estado face a face com um de seus objetos de investigação. Ele sabe onde eu moro! Ele estava em sua cozinha. Impossível! Isso não podia estar acontecendo. Ele sabe quem eu sou!

De repente ela se deu conta de que o lençol escorregara e o apertou ainda mais em volta do corpo. Ele disse alguma coisa que ela no começo não entendeu.

— Eu e você precisamos conversar — ele repetiu. — Mas tenho a impressão de que primeiro você precisa tomar um banho.

Ela tentou se expressar de modo coerente.

— Olha aqui, se veio criar problema, não é comigo que deve falar. Fiz um trabalho. Vá discutir com o meu chefe.

Ele se plantou diante dela e levantou as mãos, com as palmas à vista. Não estou armado. Um sinal de paz universal.

— Já falei com Dragan Armanskij. Aliás, ele pediu para você ligar, mas você não respondeu à chamada dele no celular ontem à noite.

Ele se aproximou. Ela não se sentiu ameaçada, mas recuou alguns centímetros quando ele roçou em seu braço e indicou a porta do banheiro. Não gostava de que a tocassem sem autorização, mesmo com intenção amistosa.

— Não vim criar problema — disse ele com uma voz calma. — Mas preciso muito falar com você. Assim que tiver despertado, é claro. O café estará pronto quando estiver vestida. Vamos, vá tomar seu banho. Ela obedeceu passivamente. Lisbeth Salander nunca é passiva, pensou.

 

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