sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O Insaciável Homem-Aranha, de Pedro Juan Gutiérrez

Leia trecho do livro

Silvia em N.Y.artigos-bin_imagem2_jpeg_0038699001090000911-227

No inverno de 1992, Silvia visita Nova York por três meses e se aloja no apartamento de uma prima na 94 St. West, de um dos lados do Central Park.

Uma tarde, dez minutos antes de escurecer, caminha apressada e cuidadosamente por uma vereda do parque. Concentra-se em seus passos porque há rajadas de vento. O chão está gelado e pode escorregar.

É uma área completamente desolada. Só árvores, bancos e o vento frio. Um pouco mais adiante, há umas quadras de tênis. Vazias. Silvia está com as mãos nos bolsos de seu grande casado preto. Apalpa um pacote de cartões com a reprodução de um de seus quadros. No verso, está impresso o convite para a abertura de sua primeira exposição individual em N.Y. Dentro de três dias. Conseguiu uma galeria boa. Não é de primeira classe, mas também não é de quarta.

Silvia pensa em como vai organizar o vernissage e faz cálculos para o futuro. Seu sonho dourado é encontrar um marido milionário que a mantenha, para se entregar totalmente à sua arte. O vento está muito frio. Sente o rosto e as orelhas geladas. De repente, aparece um negro alto e forte que a agarra por um braço e diz alguma coisa em inglês. Silvia se horroriza e pensa: "Ah, não, comigo não pode acontecer isso. Não pode".

O boxeador

Chegamos cedo à praia. Eram nove e meia, mas à sombra de cada coqueiro havia grupos de pessoas. Só três famílias tinham guarda-sóis. Estendemos umas toalhas debaixo de um coqueiro despenteado, seco e doentio. Dava uma sombra mínima. Não havia outro livre. Minha mulher se queixou:

- É o mesmo que nada. Melhor sentar no sol e torrar.

- É mais que nada.

- Ai! Vou ficar preta.

- Pensamento positivo, Julia, pensamento positivo.

- Viemos cedo porque quisemos.

- Olhe que beleza está a água. Azulzinha e verde. Vamos.

- Não.

Ela não sabe nadar. Vem para a praia com um livro e meio litro de rum. Eu adoro a água. Gosto de me afastar da praia, nadar uma hora, me tonificar, limpar as toxinas.

Fiz isso, me afastei um quilômetro da praia e fiquei sozinho. Sem barulhos e sem nada. Boiando de barriga para cima. A água salgada e transparente, o céu azul, o sol, uma leve brisa que apenas roça a superfície. Fiquei assim muito tempo. É uma sensação perfeita. De equilíbrio talvez. Interior e exterior. Talvez seja o que os peixes sentem. Não há sentimentos. Não há interrupção. Não há tempo. Não há princípio nem fim. Nada. Deixa-se de existir. Quisera ficar assim eternamente. Por fim consigo me controlar e volto para a praia. Sem pressa, nadando suavemente. Quisera não chegar nunca.

Vou até o coqueiro. Certo. A sombra é escassa demais. Estamos em maio, mas o sol queima como se fosse agosto. Sento-me na areia. Julia está lendo um livro muito grosso sobre o tráfico de escravos. Olho para ela sorrindo:

- Por pouco você não traz a Enciclopédia Britânica.

- Por quê?

- Esse livro tem novecentas páginas. Não tinha nada mais simples?

- Estou lendo isto faz dias.

- Às vezes você é muito prática, mas outras vezes você é... ahhh...

Me controlo. Não vou arrumar um drama, mas sou eu que carrego a mochila, e esse livro pesa quase dois quilos. Acho que ela faz de propósito. Tomo um gole grande de rum.

Sossego, paz, serenidade

Estava escutando o Messias de Haendel. Eram seis da tarde e precisava sossegar um pouco meu espírito. Na noite anterior havia tido uma grande briga com minha mulher. Uns amigos nos convidaram para jantar. Chegamos, bebemos, conversamos. O de sempre. Éramos umas dez pessoas. Bebemos bastante. Por fim, puseram a comida na mesa. E eu, muito gentil, servi um prato para Julia. Levei para ela e fui para a cozinha para continuar bebendo e conversando. Um mulato com uma cara muito estranha - parecia um tubarão sorridente - ajudava a servir. Lavava pratos e copos, preparava os drinques. Não saía da cozinha, mas era muito eficiente. Não bebia. Só trabalhava. A dona da casa, em seus anos de juventude, foi uma vedete famosa. Acho que não se usa mais essa palavra. Ou o conceito está fora de moda. Não sei. Foi vedete. Essas mulheres tão sedutoras e brilhantes sempre têm à sua volta uma corte de veadinhos encantadores que as admiram-respeitam-invejam-adoram. E além disso alimentam os eflúvios hipnotizadores da diva. O mulato era um desses veadinhos. Ajudava-a com amor e devoção. Assim impedia que ela sujasse as mãos. Falando com o sujeito descubro que somos vizinhos. Moramos a duas quadras, em Centro Havana. E não sei como começamos a falar de santería. "Você é filho de Xangô, mas sua mãe é Oxum", me disse. E por aí fomos conversando. Tínhamos coisas em comum. Havia uma boa química entre o tubarão gay e eu. Ele lavava pratos e eu bebia rum. Então me disse que trabalhava em um hospital.

 

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