sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Escritores e Espiões, de Fernando Martinez Laínez

Leia trecho do livro

Graham Greene
O agente secreto 59200

Eu também tenho um sonho, senhor secretário-geral, que, talvez, um dia, antes de morrer, possa saber que existe um embaixador da União Soviética dando bons conselhos no Vaticano.

Palavras de Graham Greene a Gorbatchov, em um encontro de intelectuais em Moscou, fevereiro de 1987.

raham Greene tinha vocação política. De fato, sempre foi um escritor político, ainda que, em seus livros, não tomasse partido de nenhuma linha ideológica.

Leopoldo Duran, sacerdote e professor universitário, companheiro de caminhadas e confidências nos últimos anos de Greene, apresenta, neste sentido, provas muito corretas que podem ser rastreadas na maioria das obras do escritor. Diz Duran: "Parodiando a observação do filósofo, nada de que ocorre no mundo lhe era distante. Escutar as notícias das oito na França e a leitura diária de dois ou três jornais britânicos constituía para ele um ritual necessário".

Seu interesse pela política, basicamente teórico, expressava a sua necessidade de estar em contato com o mundo. Greene não sentia nenhuma inclinação pelo ativismo político. Impedia-lhe a vocação literária, as suas dúvidas éticas e a sua integridade. Envolver-se politicamente seria incompatível com a idéia afrontosa que tinha dos políticos. Certa vez, confessou a Durán: "Olhando para onde se olhe

– e salvo em casos excepcionais –, um político é alguém totalmente amoral e corrupto".

A inquietude política de Greene correu paralela ao desassossego religioso. Viveu torturado, obcecado com a idéia de pecado, maldade, arrependimento e fé. Esta luta interior levou-o a converter-se ao catolicismo quando as suas inquietações teológicas começaram a fazer água numa Europa basicamente sem fé, empurrada ao relativismo moral e ao desenfreado afã pelo lucro econômico e por um consumismo quase patológico.

Ele sempre levou a religião muito a sério. O catolicismo foi o seu campo de batalha e de experiências dos próprios desassossegos e angústia da alma, que também desempenharam importantes papéis na sua desmedida tendência ao adultério e posterior sentimento de culpa pela transgressão do sexto mandamento bíblico. O articulista Arnoldo Varona escreve: "Em seus livros, os temas religiosos foram tão constantes quanto em sua vida real foram as fantasias sexuais com as amantes (...). Na imaginação de Graham Greene, inveterado pecador, a religião, o sexo e a dor estiveram sempre unidos". Na realidade, construíram os três elementos inseparáveis de seu inferno particular.

Uma vez, sua secretária Elizabeth Montague perguntou-lhe como conseguia conciliar a fé católica com a possibilidade do inferno e ele respondeu evasivamente: "tenho as minhas próprias maneiras". Talvez tenha sido este contínuo e íntimo combate entre sua ânsia de crer e o desespero pelo sofrimento inútil espalhado pelo mundo que lhe outorgou, ante muitos leitores, a auréola de sucesso e "santidade" leiga, tornando-o tão popular entre os católicos. Não apenas entre os fiéis, também entre os sacerdotes e freiras que, continuamente, lhe pediam conselhos e o procuravam. Como se Greene fosse um confessor a quem estavam dispostos a revelar pecados.

Uma ocasião, o professor Norman Sherry, autor de volumosa biografia autorizada de Graham Greene, editada em três volumes, perguntou-lhe se ele era católico e ouviu a resposta: "provavelmente, não". Dez anos depois, Sherry insistiu no tema e questionou-o se ele continuava pensando em Deus. Desta vez, a resposta do escritor foi: "Espero estar obcecado por Deus, quero estar obcecado por Deus", o que revela a perturbação existencial que a idéia de Deus representava em sua visão de mundo.

Greene nunca abandonou formalmente a Igreja católica. Mas, em muitos aspectos, viveu o catolicismo à sua maneira. Sem renunciar aos prazeres do "amor livre", mas, na vida particular, praticando sempre o respeito à verdade. Ainda que nunca tenha revelado nomes ou detalhes de suas aventuras amorosas. Para ele, os assuntos de alcova sempre permaneceram no terreno do estritamente privado. Inclusive proibiu seu biógrafo Normal Sherry de fazer qualquer referência às suas confusões eróticas. A trajetória de Greene nos assuntos que o envolvem com mulheres foi muitíssimo discreta. Ele nunca traiu a lembrança das companheiras de cama, nem espalhou detalhes íntimos.

Em alguns aspectos foi coerente com o compromisso católico e, apesar de ter se separado em 1948 de sua esposa Vivien Dayrell-Browning, nunca se divorciou dela.

Vivien, com quem teve dois filhos, sabia de suas relações com outras mulheres e, durante anos, omitiu-se. Em questões de adultério, Greene não sofria de inibições e encontrou uma companheira perfeita na milionária norte-americana Catherine Waltoson, casada com um dos homens mais ricos da Inglaterra, membro destacado do Partido Trabalhista, cuja tranqüilidade conjugal beirava à apatia.

Catherine surgiu na vida do escritor quando este sofria de uma grave depressão e representou um incentivo que, talvez, tenha lhe salvo a vida. Norman Sherry descreve esta relação como "o período mais produtivo e emocionalmente dilacerado da vida de Greene". A desmedida relação de ambos conseguiu combinar os três elementos fundamentais para o romancista: sexo, dor e religião e libertou muitas fantasias eróticas que Greene escondia em sua mente tortuosa e que, em alguns momentos, roçavam ao masoquismo. Ele aceitou que Catherine queimasse-o com pontas de cigarros e ela se disfarçava para acompanhá-lo a bordéis. Em algumas ocasiões fizeram amor atrás de altares de igrejas. Pode-se dizer que o autor pretendia "pecar fortemente" para logo arrepender-se também "fortemente". George Orwell ataca este idéia de "pecador santificado", tão vinculada em sua essência à exaltada imaginação romântica, e afirma que Greene "parece compartilhar da idéia que paira desde Badeulaire: a de que ser um maldito concede-se alguma espécie de distinção e transforma o inferno numa espécie de clube noturno elegante, cuja entrada é reservada apenas aos católicos pecadores".

O certo é que a relação entre Greene e a esposa do milionário (também convertida ao catolicismo) durou treze anos durante os quais eles se traíram. Mutuamente e às próprias consciências. Ela lhe contava as suas aventuras com outros homens e ele, suas relações sexuais com prostitutas, numa espécie de brincadeira mórbida e anormal.

O livro After two years, lançado em 1949 e do qual foram impressos apenas 25 exemplares, a maior parte destruída antes da distribuição, é o fruto literário da união de Graham e Catherine.

A vida dupla

Não há dúvida de que Graham Greene é uma personagem ambígua, de muitos rostos, e que se esforçou para se multiplicar ao longo da vida. Apreciava segredos, começando pelos de sua própria personalidade, e o atraía confundir a as outras pessoas. Esta foi uma característica que manteve com afinco – tanto que alguns críticos consideram-no um escravo dos segredos e mentiras –, pois tratou de apagar as pistas de sua vida para as futuras gerações não a decifrarem. Deixou milhares de bilhetes e apontamentos que desfiguravam seus atos e, em seu diário, registrou uma advertência para possíveis biógrafos: "quem escrever minha biografia não terá uma tarefa fácil e, freqüentemente, perderá o rumo".

Esta idéia fixa em manter oculta a sua verdadeira vida e seus pensamentos seguramente foi-lhe, durante a Segunda Guerra Mundial, de muita utilidade na atividade de espião, tarefa que não se caracterizou pela casualidade ou obrigação. Graham Greene foi um espião profissional, sob o comando de um "mestre de espiões", tão especialista quanto Kim Philby – o famoso agente duplo a serviço da KGB, cuja traição teve conseqüências devastadoras para os serviços de inteligência britânico – a quem, entre amistoso e admirador, homenageou no prólogo do livro My silent war. Entre extremos de ingenuidade e melodrama que beiravam ao cinismo, Greene chega a justificar a duplicidade de Philby: Ele (Philby) "traiu" o seu país, sim, é certo que o fez. Mas quem entre nós não traiu algo ou alguém mais importante do que um país? Sua idéia era de estar trabalhando para implantar uma nova ordem de coisas da qual seu país se beneficiaria.

Philby, que precisou fugir para a União Soviética onde viveu até morrer em 1988, foi chefe de Greene durante o tempo em que o escritor trabalhou para a espionagem exterior britânica (MI6) na África Ocidental e em Londres.

Durante muitos anos – talvez induzido pelo Serviço Secreto Britânico – Graham Greene correspondeu-se com o antigo chefe refugiado em Moscou, através de cartas lidas pelo MI6. Detalhe que Philby, com certeza, não ignorava. Através destas cartas, a liderança da KGB revelava o ponto de vista soviético sobre uma série de questões que envolviam a Guerra Fria, como o crescimento do fundamentalismo islâmico na Ásia Central e a influência do Irã naquela região.

Tanto Greene quanto Philby concordavam que a Rússia e os Estados Unidos deveriam cooperar para impedir o renascimento do Islã fundamentalista na Ásia Central, região de enorme e global importância geoestratégica. Baseando-se nisto, Philby justificava a invasão do Afeganistão pelos soviéticos, dando a entender que o fato não o surpreendera.

Como resultado desta relação epistolar, Greene viajou várias vezes para Moscou onde lhe permitiram encontrar-se com seu antigo superior no MI6. Devem ter tido conversas sinceras e longas, regadas a muito álcool, já que os dois apreciavam beber. Como é lógico, nada do que falaram foi revelado e isto, talvez, seja melhor para a lenda que os cerca.

A carreira de escritor

Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, Greene tinha 35 anos e uma promissora carreira de escritor. Nascera em 2 de outubro de 1904, na localidade inglesa de Berkhamsted, Hertfordshire. Foi o quarto filho do casamento de Marion Raymond e Charles Henry Greene.

Não se pode dizer que a família fosse medíocre ou pouco destacada.

Um de seus irmãos, Hugh, foi diretor-geral da BBC. Outro, Raymond, era um destacado alpinista que participou, em 1931 e 1933, de expedições ao Everest. O irmão mais velho, Herbert, manteve contatos secretos com a Marinha Imperial Japonesa nos anos 1930 e a irmã mais moça, Elizabeth, pertencia aos quadros do MI6. Coube a ela recrutar Graham para a Inteligência Britânica. A mãe, Marion, aparentava-se com o escritor Robert Louis Stevenson, o famoso autor de A Ilha do tesouro e um de seus tios foi secretário permanente do almirantado e co-fundador da Inteligência Naval na Primeira Guerra Mundial.

Os anos de sua infância não devem ter sido muito felizes, já que deixou escrito que "a infância é viver submetido a uma ditadura".

Entrou na escola de Berkhamstead, dirigida por seu pai, e logo passou para a faculdade Balliol de Oxford onde estudou História Moderna.

Em Berkhamstead, sofreu muito. Constantemente, os companheiros o atormentavam por ser o filho do diretor e isto o afetou ao ponto de ele pensar em suicídio.

Um dia, o jovem Graham deixou a escola e escreveu aos pais, dizendo que não queria voltar para casa. Precisaram levá-lo a um psicoterapeuta em Londres quando ele tinha apenas 15 anos.

Em Oxford as coisas não foram melhores. Na faculdade, Greene começou a descobrir seu talento narrativo e, nos três anos em que esteve em Balliol, publicou mais de 60 poemas, contos, artigos e resenhas, em sua maior parte na revista estudantil Oxford Outlooke e no semanário Westminster Gazette. Aos 22 anos converteu-se ao catolicismo porque, como explicou mais tarde, "tive que encontrar uma religião para lutar contra a minha maldade". Sempre contestou quem o definia como "escritor católico", definição que o deixava furioso.

Em sua autobiografia contou que, no tempo de universidade, viveu entre bebedeiras e envolto em dúvidas, mas ainda encontrou tempo para mostrar interesse por assuntos políticos, filiando-se ao Partido Comunista, abandonado ao fim de poucas semanas.

Em 1926, Graham Greene, encerrada sua etapa de estudante, em Oxford e depois de trabalhar como subeditor no Nottingham Journal, mudou-se para Londres. Um ano depois, casou com Vivien Dayrell-Browning, também católica, a quem conheceu quando ela lhe escreveu corrigindo alguns erros num artigo sobre o culto à Virgem Maria. No artigo, Greene confundira devoção com "adoração". Na capital britânica, Greene trabalhou como jornalista para o diário The Times e para a revista The Spectator, onde foi crítico de cinema e editor de literatura até 1940.

Durante este tempo, escreveu um romance político, The episode, recusado pelos editores. The man within foi sua primeira obra publicada e teve êxito suficiente para ajudá-lo a tomar a decisão de deixar de ser jornalista no The Times e virar escritor profissional.

Quatro anos depois de sua morte, com este mesmo título, foi publicada uma biografia de Greene, de autoria de Michael Shelden.

Este fato irritou os admiradores do romancista. O livro é bastante hostil a Greene, a quem descreve como um mentiroso patológico, anti-semita, mulherengo sem escrúpulos e político demagogo.

Greene esteve a ponto de abandonar a carreira literária devido ao pouco sucesso de seus segundo e terceiro romances – O nome da ação e Rumo ao anoitecer. Mas, então, escreveu Expresso do Oriente, um thriller político, escrito expressamente para "distrair" o grande público da dificuldade econômica. Após este livro, Greene, de maneira arbitrária e imprecisa, começou a dividir seus livros em "diversão" e "romances sérios". Ao arquivo "diversão" pertencem romances como O Expresso do Oriente, O condenado, O fator humano, O ministério do medo e O terceiro homem. A outra categoria inclui obras como O poder e a glória e Fim de caso.

No prefácio de uma reedição de Expresso do Oriente, Greene escreveu: Em Expresso do Oriente, pela primeira e última vez na minha vida, dediquei-me deliberadamente a escrever um livro para agradar e que, com sorte, virar roteiro de um filme. O diabo cuida dos seus e eu alcancei êxito, ainda que os direitos para o cinema parecessem um sonho distante. Mas antes de terminar de escrever o romance, Marlene Dietrich interpretou Shangai Express e os ingleses fizeram O Expresso de Roma. Até os russos produziam um filme sobre trens: Turksib. Meu filme foi o último e, além do mais, o pior. Apesar de não tão ruim quanto uma produção para a televisão feita depois para a BBC.

Uma das personagens que Greene usa com freqüência em seus livros de "diversão" é um homem acossado, perseguido, obrigado a desrespeitar a lei. Nestes romances, sabe misturar a violência com a trivialidade para produzir uma espécie de vulgaridade/ horror. Tudo em estilo austero e conciso, que eleva o nível de suspense.

Além de escrever sobre cinema em The spectator, Greene coeditou a revista Night and Day, que se envolveu numa ruidosa disputa com a produtora Twentieth Century-Fox por um comentário que os agentes da atriz infantil Shirley Temple, então com nove anos, consideraram ofensivos.

Greene procurava ambientar-se nos cenários de suas obras e, durante os anos 1930, fez uma série de viagens para exercitar os seus desejos de aventura e pesquisar para os romances. Uma viagem à Suécia serviu ao livro England made me cuja ação ocorre na cosmopolita Estocolmo. Num passeio pelas selvas da Libéria recolheu material para Journey without maps.

Em 1938 viajou ao México, país que o marcou muito, para comprovar pessoalmente a perseguição contra os católicos. O resultado desta viagem foram dois livros publicados em 1939, Os caminhos sem lei e O poder e a glória. Este último, considerado seu melhor romance, é a história de um padre católico, bêbado e de comportamento indigno, que se reencontra com Deus e promete cumprir seus deveres religiosos secretamente, enfrentando o Estado que o persegue.

O romance começa com uma epígrafe de Dryden: "O cerco aperta.

O poder sagaz dos cães de caça e a morte avança de hora em hora".

O padre de O poder e a glória não tem vocação de mártir, nem é uma personagem sublime. Sente medo e, há sete anos, num momento de fraqueza, sucumbiu ao pecado e transformou uma mulher do povoado em sua amante, com quem teve uma filha. O romance mostra seu lado mais desolador com a imagem da menina, uma criança condenada à degradação. Em poucas e definitivas palavras, Greene resume toda a tragédia da infância abandonada: "o mundo já se alojava em seu coração como o germe da podridão numa fruta".

Na época que lançou O poder e a glória, Greene começou um caso amoroso com a desenhista e cenógrafa Dorothy Glover, que continuou até o fim dos anos 1940. Com o pseudônimo Dororthy Craigie, ela teve uma vitoriosa carreira de ilustradora e autora de livros infantis.

O MI6

Em 1941, Greene dirigia a editoria cultural do semanário The Spectator. Tarefa que desempenhava enquanto escrevia um romance e resenhas de filmes, no tempo em freqüentava as estréias teatrais e circulava na vida noturna de Londres. Tinha 37 anos e uma vida boa, levando-se em conta as circunstâncias de uma guerra cada vez mais feroz. Mas seus dias de bonança estavam contados. Ele já decidira trabalhar no Serviço de Inteligência, mas concretamente no MI6, onde sua irmã Elizabeth desempenhava um cargo importante e podia recomendá-lo. Elizabeth faria uma boa carreira no SIS. Chefiou um posto no Cairo e Ankara e se casou com Rodney Dennys, outro dos chefes do MI6.

A resposta ao pedido de Greene para ingressar no Serviço Secreto demorou a chegar. Norman Sherry acredita que esta demora devese ao fato de o irmão mais velho de Greene, Herbert, ter sido agente da inteligência japonesa antes da guerra. Um episódio estranho, pois ele recebeu dinheiro dos japoneses apesar de o valor de suas informações ser praticamente nenhuma, já que a maior parte procedia de notícias de jornais.

Finalmente, Greene foi contatado por um misterioso "Mister Smith", conhecido por "Smith da China" por ter tido negócios neste país. Mister Smith lhe facilitou uma entrevista com os recrutadores do MI6, satisfatória para ambos os lados, que lhe permitiu ser aceito no mundo da espionagem. Pelo que Kim Philby conta a respeito de si mesmo no livro My silent war, a entrevista não deve ter sido muito severa: "a facilidade com que me aceitaram surpreendeu-me.

Soube mais tarde que a única investigação feita sobre meu passado foi a rotineira do MI5, que comprovou a existência de meu nome nos arquivos e liberou-me com a resposta: "não há nada arquivado contra ele".

Como previsto, enviaram Greene para trabalhar na África Ocidental.

Sua esposa, Vivian, e os dois filhos ficaram em Oxford. Desde o início da guerra, o escritor preocupou-se em ir vê-los porque, entre outras coisas, em Londres ficara a sua amante Dorothy Glover.

Graham Greene recebeu o treinamento básico na faculdade de Oriol, em Oxford. Assim, podemos supor que ele adquiriria os conhecimentos básicos para a missão que realizaria de acordo com os métodos utilizados pela OSS (Seção de Serviços estratégicos), antecessora da CIA norte-americana e da contra-espionagem britânica (MI5). A principal regra era inculcar nos agentes a idéia de que deveriam considerar sua falsa identidade como uma segunda natureza (o quê, no jargão do ofício, se conhece por "lenda") e desenvolver nos futuros espiões a inclinação pelo segredo, pelo engano, pela manipulação.

Não há dúvida de que o nosso escritor e todos os que passaram por Oriol foram treinados nas manhas e técnicas usuais das tarefas de espionagem, incluindo a captação de agentes duplos, emprego de fundos para fins inconfessáveis e chantagear funcionários estrangeiros estabelecidos em países neutros, aproveitando-se de suas fraquezas humanas que envolvessem drogas, sexo, dinheiro ou álcool. Também o ensinaram a cuidar-se para evitar ser descoberto pela contraespionagem adversária, escapar de perseguições e usar alguns artifícios do ofício como câmaras fotográficas, micro receptores, emissores/ receptores de rádio e disfarces simpáticos.

Nesta época, sua família ainda estava em Oxford, mas eles não se viam muito. O escritor cumpriu normalmente seus deveres de aprendiz de espião, mas não pôde concluir o curso por causa de uma gripe que o colocou na cama.

Em 8 de dezembro de 1941, exatamente no dia em que os Estados Unidos declararam guerra ao Japão, Greene chegou a Liverpool, onde iniciaria uma complicada viagem até seu destino na África, cruzando um oceano coalhado de submarinos alemães. Greene zarpou do grande porto britânico no cargueiro Elder Dempster, que levava mais doze passageiros, a maioria militares. Chegaram a Belfast para esperar outros navios e formar um comboio, protegido por navios de guerra. Um total de doze cargueiros escoltados por um destróier, um cruzador e uma corveta.

O comboio deixou Belfast em 13 de dezembro. Durante a travessia, Greene, além de cumprir as suas obrigações de bordo, aproveitou as horas mortas em alto mar para escrever um livro pequeno chamado British Dramatist (Dramaturgos britânicos), que se comprometera a entregar para o seu agente literário.

Em 3 de janeiro de 1942, o Elder Dempester entrou no porto de Freetown, capital de Serra Leoa, que Greene que conhecia havia sete anos. Em seu caderno, ele anota: "Finalmente aportamos quatro semanas depois de, em lento comboio, sairmos de Liverpool. Tenho forte sensação de irrealidade: como cheguei a tudo isto? (...) Nada mudou na bagunçada e preguiçosa cidade de varandas e buganvílias, telhados de chapa e funerárias. Nunca imaginei em minha primeira visita (1935), que um dia voltaria para trabalhar e ser um destes homens gastos que bebem gengibre nos bares centrais enquanto o sol se põe no horizonte avermelhado".

Apesar de os outros passageiros terem desembarcado imediatamente, Greene se viu obrigado a dormir a bordo durante seis dias, até um contato apresentar-se para buscá-lo. Um homem chamado John Martin, que lhe proporcionou alojamento enquanto providenciava seu traslado para Lagos, Nigéria, onde, por três meses, ele freqüentaria outro de curso de treinamento.

Antes de partir para a Nigéria, Greene explorou a área que seria o seu teatro de operações, sobrevoando a Monróvia e parte da Costa do Marfim. Em Lagos, gasta o tempo em tarefas de cifrar e decifrar códigos e divide o alojamento com outro agente e alguns criados negros.

Ainda que a rotina diária seja aborrecida, as noites não o são. O escritor as aproveita percorrendo bares e clubes sociais até alta madrugada.

Apesar da proibição de os espiões terem um diário, ele escreve e guarda o dele, mas quando menciona assuntos secretos suas anotações são tão cifradas que acabam incompreensíveis para olhos estranhos.

Completados os três meses de treinamento, o agente Greene volta a Acra e dali, após uma escala na Libéria, chega a Freetown. Um dos espiões que aparecem no seu livro Nosso homem em Havana, publicado em 1958, tem o mesmo nomecódigo que lhe atribuíram no MI6: agente 59 200.

Em Freetown, Greene se instala em uma casa de campo nos arredores da cidade, onde instala a sua base de operações. Trabalha, mas se aborrece e parece infeliz. "Nada do que possa dizer sobre este lugar é bastante ruim" escreve à irmã Elizabeth.

Sua vida de agente secreto segue sem muitos problemas, mas um surge na hora de lhe criarem o disfarce oficial. Primeiro, pensa-se em "nomeá-lo" Inspetor de Comércio Exterior, mas este departamento (DOT) se recusa a admiti-lo. Então, tenta-se fazê-lo passar por um funcionário do British Council. O que também não acontece. Oferecem-lhe um posto intermediário, na Marinha ou na Força Aérea, até que alguém se dá conta de que o escritório particular e a caixa forte que Greene necessita para guardar os códigos é privilégio exclusivo dos oficiais de alta patente. Finalmente, a solução é deixá-lo vagamente ligado à força policial. Seu endereço oficial é a sede central da polícia de Freetown e seu destino, o braço especial do Departamento de Investigação Criminal (CID).

A rotina do espião começava muito cedo, pela manhã. Apanhava os telegramas cifrados que lhe eram endereçados via central de Polícia, na qual oficialmente trabalhava, e os levava para casa para decifrá-los. Depois, enviava as respostas também cifradas, redigia informes e revisava os dos agentes sob sua responsabilidade. Um trabalho que o mantinha ocupado até a hora de almoçar. O resto do dia (quando não havia assuntos urgentes) ele utilizava em contatos sociais e pessoais.

A principal tarefa de Greene em Serra Leoa era saber, a todo o momento, a situação do encouraçado francês Richelieu que estava sendo reparado em Dakar e constituía uma ameaça em potencial ao tráfico marítimo britânico nas costas da África. Outra de suas missões era obter todas as informações possíveis sobre a Guiné Francesa, a colônia vizinha que continuava nas mãos do governo de Vichy. Em uma entrevista de 1977, Greene declarou: Necessitava saber o estado dos aeroportos e coisas parecidas para o caso de os alemães ocuparem a colônia. (...) Também nos informávamos sobre o contrabando de diamantes industriais pelos navios portugueses, que se infiltravam em Freetown quando regressavam a Portugal. Às vezes, vinham agentes inimigos nestes navios.

Kim Philby, chefe de Greene, completou esta lista de missões em uma carta que, de Moscou, escreveu para Norman Sherry em 1978: Nesta época, eu era o responsável pela contra-espionagem na Península Ibérica e de parte do nordeste da África. Freetown, a cidade onde estava Greene, pertencia à minha jurisdição e eu devia lhe dizer o que sabíamos dos serviços de inteligência alemães e de suas conexões com os serviços da França de Vichy.

Estes últimos, e alguns alemães nas colônias espanholas e portuguesas da África Ocidental, constituíam os principais objetivos de sua atenção.

Greene esboçou alguns planos originais para conseguir informações secretas. Um deles, facilitar a fuga do cárcere de um intelectual africano de esquerda, contando com ajuda de supostos comunistas.

Em troca da liberdade, pediram ao intelectual que lhes passasse alguma inócua informação econômica da Guiné francesa. Após algum tempo, os dois supostos comunistas chantagearam Greene, ameaçando denunciá-lo aos franceses se ele não lhes entregasse dados secretos.

Outro plano era montar um bordel em Bissau, na Guiné portuguesa, para os visitantes franceses do Senegal, onde o Richelieu permanecia em dique seco. Greene já contava com uma "madame" francesa, disposta, se lhe pagassem os gastos, a administrar o prostíbulo.

As duas idéias foram estudadas pelas instâncias superiores do MI6 que as recusaram, alegando razões um tanto confusas.

Greene também tentou se reunir na fronteira entre Serra Leoa e Libéria com missionários episcopais da Missão de Santa Cruz, a quem devia entregar um radio-transmissor. O agente e escritor britânico pediu aos missionários que fossem a Kailahun* e, quando tudo estava pronto para a viagem, seu superior em Lagos, Aléxis Forter, ordenou que ela fosse suspensa. O motivo da suspensão foi a chegada a Freetown de um transatlântico português, que devia ser registrado, pois procurava diamantes industriais e levava correio clandestino.

Os britânicos faziam regularmente este tipo de inspeção para impedir que os diamantes de Angola e outras partes da África fossem para a Alemanha. O diamante era um produto muito necessário para a fabricação de ferramentas de precisão e das bombas voadoras V-1.

Os alemães tinham pouca reserva deste material.

Greene participava destas inspeções, algo que sinceramente o desgostava. Quando cancelaram a viagem em que ele se encontraria com os missionários, ficou tão aborrecido que escreveu para Londres apresentando a sua demissão, que não foi aceita.

Um dos aspectos que o novo espião considerava mais ingratos em seu trabalho era a participação em tarefas como registros e os interrogatórios, que, tradicionalmente, era considerada tarefa da contra-espionagem (MI5) e não do SIS. Deve ter realizado muitas, das quais guardou recordações desagradáveis. Sobretudo no que se referia à "pressão" que os interrogadores aplicavam nos suspeitos, eventualmente, pessoas inocentes.

Para ajudá-lo nas tarefas mais mecânicas do trabalho, Londres decidiu enviar-lhe uma jovem e atraente secretária chamada Doris Temple, que, supõe-se, também devia lhe fazer companhia em seus longos momentos de solidão. Doris transformou-se nos "olhos e ouvidos" do chefe para os fofoqueiros que circulavam nas recepções da colônia européia. Mas ele não a considerava eficiente em outros aspectos importantes como, por exemplo, o envio de telegramas cifrados. A relação profissional de ambos tornou-se insatisfatória.

Mais tarde, algumas vozes autorizadas da Inteligência Britânica, como o mencionado Rodney Dennis, perguntaram por que enviaram Greene a posto relativamente tão pouco importante como Freetown quando ele poderia ter rendido mais em lugares como o Cairo. Até Philby sugeriu que o trabalhão de campo de Greene teve pouca relevância. Sem dúvida, sua tarefa era menos insignificante do

que parece. O Mediterrâneo, um mar fechado, obrigava todos os comboios militares a contornar a costa atlântica africana para chegar ao Egito e abastecer o exército britânico, que lutava ao norte da África contra as tropas de Rommel. Neste contexto, Freetown era um importante porto de trânsito. Além do mais, Serra Leoa fazia fronteira com a Guiné francesa, possessão do governo de Vichy.

Em 7 de novembro de 1942 morreu Charles Greene, pai de Graham, quando o escritor estava em Freetown. A causa da morte pode ter sido coma diabético ou infarto cerebral e Graham mandou rezar uma missa pelo falecido, conduzida por um padre católico irlandês que vivia em Freetown. Acabava a sua paciência para suportar a moradia no que denominava de "colônia de trânsfugas com suas festas de grandes bebedeiras e completa inconsciência do que é uma guerra". Para complicar as coisas, se relacionava mal com seu superior direto. Por outro lado, após o desembarque aliado no Magreb, o interesse do MI6 pelo flanco ocidental africano acabou. Greene pede transferência e é atendido. Antes de fechar o posto de Freetown, queima os arquivos e os livros de código e volta à Inglaterra de avião.

Chega a Londres no em 1 de março de 1943 e é destinado à Subseção de Assuntos Ibéricos (Subseção V) que Philby, das cercanias de Londres, dirigia de um casarão velho em St. Albans, integrado ao complexo de edificações do SIS.

Em Londres com Philb Philby

O trabalho da Subseção V estava a cargo de seis agentes (um dos quais, Greene) e abarcava Espanha, Portugal, as colônias portuguesas na África, Gibraltar, Tanger e Marrocos. Greene se ocupava dos problemas de Portugal.

A Subseção V constituía um grupo bastante unido sob a batuta afável e habilidosa de Philb. Sua principal missão era a contra-reação à Inteligência inimiga, administrando informações de agentes próprios, procedentes do "Enigma", o sistema cifrado alemão que os britânicos conseguiram decifrar, sem Berlim suspeitar. Isto praticamente entregou em mãos aliadas todas as comunicações militares do Reich.

Na hora do almoço, os seis agentes almoçavam juntos em um pub onde comiam sanduíches, bebiam cerveja e conversavam. Grene relembra com nostalgia estes bons momentos no prefácio que escreveu para o livro de seu admirado Philby: Recordo com prazer os longos almoços dominicais em St.

Albans, quando toda a subseção relaxava com algumas horas de muita bebida, sob o comando dele (Philby). Mais tarde, as reuniões noturnas com a cerveja junto ao fogo no pub que existe atrás de St. James Street.

Por sua vez, Philby também elogiou Greene por seu trabalho "silencioso, sereno e competente" e pelos comentários mordazes que acrescentava às margens das cartas que enviava ao departamento.

O famoso jornalista e diretor de programas de televisão Malcom Muggeridge (1903-1990), outro escritor espião e companheiro do MI6, que atuou em Lourenço Marques, capital de Moçambique, considerava Greene muito eficaz na Central. Infelizmente, completou Muggeridge, ele não alcançara muito êxito em Freetown, onde "deveria ter as qualidades de um gângster; mas Greene era demasiadamente amável para ser um, embora soubesse descrevê-los na ficção".

Para Muggeridge, Green compreendeu perfeitamente o funcionamento de um serviço secreto, como demonstrou no romance Nosso homem em Havana: "o livro mais brilhante que já se escreveu sobre espionagem. Um livro que deve ser levado muito a sério, apesar de baseado em fatos fictícios".

Por sua parte, o escritor, contato direto de Muggeridge em Londres, tampouco tinha muita consideração pela reputação deste como agente de campo: "Em Lourenço Marques, tentou manobrar um agente duplo na embaixada alemã e lhe deu muitas informações (para enganar a espionagem inimiga) de valor muito maior do que as recebidas em troca".

Quando Muggeride regressou à Inglaterra em 1944 uniu-se ao grupo de Greene e Philby. Ao que parece, o agente do SIS que o substituiu em Moçambique encontrou no carro que Muggeridge lhe deixou uma pistola carregada e um documento de alta confidencialidade o que, se for verdade, supõe uma grave negligência. Mas a Muggeridge também se credita algumas atuações pelas quais recebeu felicitações em Londres. Uma delas, o seqüestro, em maio de 1943, de Alfredo Manna, um dos principais agentes da rede de espionagem italiana em Moçambique. Manna foi levado ao território britânico de Swazilandia* e seu interrogatório proporcionou muitos dados ao SIS. Além disto, Muggeridge interveio com acerto na captura de um submarino alemão, feito pelo qual recebeu felicitações do próprio chefe do MI6.

Durante o verão de 1943, a Subseção V se mudou para Londres, Rua Ryder 7, onde mais tarde seria a sede do jornal The Economist.

O local está situado perto do restrito Clube White´s, do qual era membro Sir Stuart Menzies, chefe supremo do SIS, conhecido por C, cujo nome permaneceu secreto durante muitos anos.

Da Rua Ryde, Greene dirigiu operações para anular a inteligência alemã na Península Ibérica. Os resultados foram tão brilhantes que, até o fim da guerra, o Abwehr (espionagem militar alemã) havia sido praticamente varrido, o que dá a idéia do excelente resultado do "jogo duplo" secreto que os britânicos desenvolveram para enganar o inimigo. O escritor explica: "Sabíamos que aqueles agentes da Abwehr que não trabalhavam para nós, trabalhavam com outros que

inventamos. Recebiam dinheiro e com ele pagavam agentes que, na realidade, não existiam".

De seu escritório do MI6, em Londres, Greene elaborou um manual interno com a lista de todas as pessoas que tinham trabalhado em Portugal para os serviços secretos das potências do Eixo. Tratava-se de um trabalho de envergadura, não apenas pela quantidade de agentes inimigos confirmados (mais de 2 mil), mas também por ter exigido uma confrontação rigorosa de muitos informes contraditórios.

Muitos dos agentes colaboraram com os britânicos, mas, por seu lado, eram pagos pelos serviços secretos alemães ou portugueses.

O agente escritor identificou também 46 empresas comerciais que acobertavam atividades de espionagem na Espanha e em Portugal.

Nesta época, ambos os países, um labirinto de intrigas, permitias que os espiões de um e outro lado se movimentassem com facilidade.

Hoje as terras da Swazilandia* se dividem entre a África do Sul e o Zimbábue, NT.

O centro nervoso de toda esta atividade de espionagem ficava em Lisboa. A capital portuguesa foi o teatro de operações de muitos agentes norte-americanos e britânicos. Mas lá também os alemães se mantinham ativos, principalmente na obtenção de informações sobre os comboios aliados que cruzavam o Atlântico, informações logo repassadas para os submarinos alemães.

Quando Greene assumiu o cargo dos assuntos portugueses na Subseção V, a vitória bélica se inclinava claramente para o lado aliado e haviam acontecido encontros secretos entre os governos de Salazar e de Londres para conversar sobre a ajuda que os britânicos poderiam prestar a Portugal, no remoto caso da invasão deste país pela Alemanha. As previsões eram que, então, os aliados ocupariam os Açores e as colônias africanas de Portugal, enquanto em Lisboa se enfrentaria a invasão com ações guerrilheiras. Como forma de contrariar a ajuda camuflada que a polícia portuguesa prestava ao Eixo, o SIS elaborou um dossiê intimidador detalhando as atividades dos agentes alemães em Portugal e a colaboração que estes recebiam do país. Diante disto, Salazar imediatamente tomou medidas contra a espionagem alemã, que incluíram o fechamento de estações de rádio e o desmantelamento de algumas redes. Como costuma acontecer nestes casos, à medida que a guerra ia sendo vencida pelos britânicos, o governo português foi se aproximando cada vez mais da causa aliada, até terminar praticamente identificando-se com os desejos de Londres.

Quando a derrota nazista evidenciou-se, muitos funcionários da representação diplomática alemã em Portugal se ofereceram para mudar de lado. Alguns foram pressionados pelo SIS, mas outros se ofereceram voluntariamente. Um destes voluntários foi um alto oficial da Abwehr, cujo nome em código era Artist * (artista) que, além de dar muitas informações valiosas aos britânicos, protegeu desertores membros da espionagem alemã e colaborou com a fuga de agentes britânicos em perigo. Artist, cujas atividades Greene conhecia, foi preso pela contra-espionagem alemã e enforcado em seu país.

Mas, nesta ocasião, a principal missão de Philby não era a desarticulação das redes de espionagem alemãs na Península Ibérica. Mas, segundo as instruções recebidas de Moscou, impedir a todo custo qualquer tentativa de paz com a Alemanha nas costas da União Soviética.

Este era seu objetivo fundamental e, dada a influente posição que ocupava no MI6, ele a desempenhou com perfeição.

Em novembro de 1943, de seu posto em Londres, Greene tomou parte na preparação de um encontro em Lisboa entre Otto John e um agente britânico. Otto John era um destacado alemão antinazista que estava por trás do atentado que quase matou Hitler em 20 de julho de 1944. John queria saber se o governo britânico estaria disposto a negociar a paz com um governo alemão presidido por ele, depois de eliminado Hitler da cena política. A resposta de Londres a esta solicitação foi vaga o que, sem dúvida, deixou o movimento clandestino alemão com poucas opções.

Philby manteve Otto John o mais longe possível do governo de Londres, assim suas propostas nunca foram levadas a sério e a possibilidade de paz separada com a Alemanha nem chegou a ser esboçada.

Como assinala Philby Knigthtley em seu livro The master spy: the story ok Kim Philby, a União Soviética queria instalar um governo títere comunista na Alemanha depois da guerra e Philby foi um instrumento muito útil na realização deste intento por sabotar os esforços de Otto John para se entender com Londres.

No fim de 1944, as intrigas de Philby dentro do MI6 conseguiram impedir a nomeação de Felix Cowgill para chefe da Subseção V.

Moscou considerava Cowgill um sincero adversário do comunismo e pediu a Philby que fizesse todo o possível para evitar que ele chefiasse o departamento. Ao mesmo tempo, Philby foi promovido a diretor de uma nova seção (Seção IX) destinada a reagir à espionagem soviética na iniciante Guerra Fria. Foram dois golpes de mestres que lhe permitiram dirigir quase completamente todo o sistema de inteligência britânico a favor dos interesses de Stálin.

De repente, nas vésperas do desembarque aliado na Normandia, quando ninguém esperava e sem que as razões de sua demissão, ainda hoje, sejam muito claras, Graham Greene anunciou a sua saída do MI6.

Posteriormente, em várias ocasiões, o escritor afirmou que não se sentia contente com seu trabalho de agente, que considerava rotineiro e aborrecido. "Era como trabalhar em um escritório", disse.

Sem dúvida, o momento de sua demissão não parecia o mais adequado, exato quando a guerra alcançava seu ponto culminante e a vitória parecia certa. Em duas entrevistas diferentes – concedidas em 1981 e 1983, citadas por seu biógrafo Norman Sherry – Greene justificou sua enigmática decisão: Sai do MI6 porque Philby queria me promover e eu não desejava a promoção, queria me mudar para o exterior. Equivoquei-me ao pensar que ele (Philby) tinha um interesse pessoal no meu caso. Subia rapidamente no serviço e calculei que ele tratava de também promover os amigos para lhe cobrir os flancos.

Greene chegou a descobrir que Philby era agente duplo a serviço da União Soviética? Se isto aconteceu, calou-se por saber que ninguém acreditaria e seguramente a denúncia provocaria a sua expulsão automática do MI6, já que Philby estava acima de qualquer suspeita.

Além do mais, Greene continuava considerando o "espiãomestre" um amigo e, em sua consciência, é possível que pudesse existir mais lealdade pessoal do que considerações patrióticas.

O que é certo é que Greene soube das manobras subterrâneas de Philby para derrubar Cowgill e isto o alarmou. Mas atribuiu a maquinação à ambição pessoal do chefe e companheiro. No prefácio de My silent war escreveu: Demiti-me antes de aceitar uma promoção que equivaleria a me converter numa pequena peça do mecanismo de suas intrigas.

Então, supus que se tratava de ânsia pessoal de poder, característica de Philby que me parecia a mais desagradável. Agora estou contente de ter me enganado. Ele servia a uma causa e não a si mesmo....

Para anunciar a sua demissão, Greene convidou Philby e um outro chefe para almoçar em um luxuoso restaurante de Londres.

No meio da refeição, avisou-os de sua decisão. Ambos pareceram ficar muito surpreendidos, ainda que Philby já devesse saber o que acontecia. Segundo ele mesmo contou a Norman Sherry, ao saber de sua promoção, falara com o escritor para avisar que o apoiaria se ele assumisse a Subseção V. Mas Greene recusou a oferta e apresentou a sua demissão do MI6. Philby acreditava que o "fator humano" do ofício (a perpétua desconfiança e a manipulação dos agentes portugueses) influíra na decisão no momento em que a guerra estava praticamente ganha e nada do que ele pudesse fazer mudaria a decisão de Greene. Philby declarou: "dei-lhe um pretexto para ele fugir de uma deprimente e desagradável rotina".

Após deixar o MI6, Greene foi transferido para o Departamento de Inteligência Política (PID) do Ministério de Assuntos Exteriores (Foreign Office), onde o avisaram que ele seria enviado à França para trabalhar na propaganda cultural quando ocorresse a invasão. Mas, na hora da verdade, não recorreram a ele.

No PID, Greene trabalhou com a romancista Antonia White e editou uma antologia de textos literários de propaganda: Choix (Eleição) para ser lançado na França. A primeira página do folheto era um poema dedicado à liberdade, que seus chefes consideram impróprio.

Mas Greene se empenhou para não mudar nada e a obra foi impressa como ele queria. Apesar disto, mostrou-se cético quanto os resultados do texto e se convenceu que as tripulações dos aviões se desfizeram do carregamento antes de lançá-lo a terra por considerar inútil jogar papéis, em vez de bombas, nos territórios franceses ocupados.

Em meados de julho de 1944, o escritor deixou definitivamente seu emprego público e reiniciou suas atividades de romancista e colaborador da imprensa. Sua experiência de espião profissional ficara para trás. Mas, de uma ou outra forma, continuou presente em alguma de suas melhores obras: Nosso homem em Havana, O Fator humano e O lobo solitário. Ainda que pretendesse fingir nada saber do assunto, de acordo com sua incurável tendência de dar pistas falsas sobre sua verdadeira personalidade. Assim, ironiza na introdução de O livro de cabeceira de um espião, fazendo uma recopilação de fragmentos ficcionais sobre a espionagem:

Apenas tenho títulos para escrever este prefácio, pois não estou seguro de, em minha vida, conhecer mais de uma dúzia de espiões. E, sobre eles, alimento as minhas dúvidas: um comerciante suíço que, há anos, tive a carteira de anotações em minhas mãos durante algumas horas (coisa gozada, guardava o endereço de um amigo meu que morava a duas milhas de distância e morreu apenas um ano depois, em um campo de concentração nazista). Outro homem, de origem mais indeterminada, com quem planejei passar as férias de Natal nas ilhas Bahamas, ainda que a malária tenha impedido a viagem. Mas não tenho motivos de duvidar daqueles espiões. Carecia das qualidades dos outros por ser iletrado. Não sabia contar além de dez e o único ponto que conhecia da bússola era o Leste por ser muçulmano (...)

Fama e aposentadoria

Pouco depois da guerra, Greene chegou a um acordo para escrever o resumo de um filme ambientado em Viena, cidade ocupada e repartida entre as quatro potências vencedoras. Com a colaboração do diretor Carol Reed nasceu O terceiro homem, uma história de mentiras e mercado negro na derrotada capital austríaca, filme que ficou em primeiro lugar no Festival de Cannes de 1949.

Imediatamente, Greene viajou pelo mundo inteiro como jornalista free-lance entrevistando políticos importantes. No final dos anos 1960, instalou-se perto de Nice, na Riviera Francesa, onde continuou escrevendo romances e aumentando a sua fama literária.

O escritor britânico Henry Reed resume o valor literário que Graham Greene trouxe ao romance de suspense, ampliando o seu significado não apenas em relação com a violência de nossos dias, mas principalmente como a violência distorcida da alma moderna e do submundo físico e espiritual que nos rodeia.

Sua maneira de abordar um romance não se assemelha a de nenhum romancista inglês anterior a ele, ainda que Greene não precise de antecessores. É como se ele pegasse o esqueleto de um romance convencional de suspense e o revestisse de vida e de caráter, elevando-o a um propósito simbólico. Ele soube ver o que é psicologicamente arquétipo nos temas literários populares, como o homem encurralado, dramatizando-os com o vigor e a consciência da arte séria.

Greene trabalhava durante as manhãs e, à tarde, logo após a sesta, corrigia o que escrevera no dia. Costumava ler em voz alta seus textos para confirmar a cadência e eufonia das frases. Considerava fundamental em um romance a inter-relação dos caracteres e não da trama, do qual surge um processo quase sonâmbulo. Afirmava:

A intervenção do romancista deve ser muito ligeira. Ser autor de romances assemelha-se a ser piloto de avião. Para decolar, um avião precisa da ajuda do piloto. Mas, uma vez que já está no ar, o piloto apenas interfere. Quando tudo começa a funcionar, as personagens acabam se impondo ao autor que já não pode controlá-los. Têm vida própria e o autor deve continuar escrevendo. Às vezes escreve coisas que aparentemente não tem razão de ser e só no fim esta razão aparece. Então, o autor volta a intervir para o avião pousar. É o momento de terminar o romance.

Durante anos, o FBI vigiou de perto Graham Greene por considerar suspeitas as suas idéias esquerdistas e pelas críticas que fez à Guerra do Vietnã no romance O lobo solitário, que foi filmado. Por seus encontros com personalidades como Ho-Chi-Minh e Fidel Castro e sua amizade com o dirigente nicaragüense Daniel Ortega.

Após perderem o status de "segredo oficial", documentos do governo norte-americano, citados pelo jornal britânico The Guardian, revelam que o FBI abriu e leu cartas de Graham Greene nos momentos mais tensos da Guerra Fria, época em que o impediram de entrar nos Estados Unidos, conseqüência de sua brevíssima filiação ao partido Comunista nos tempos universitários. Apesar disto, algumas pessoas, como o escritor inglês Evelyn Waugh, que conheceu Greene muito bem, duvidaram da sinceridade de seu esquerdismo (outra máscara da personagem). Waugh comentou: "é um agente secreto nosso. A adulação aos russos não passa de disfarce". Graham Greene recebeu muitos prêmios e honrarias e publicou dois volumes de sua autobiografia: A sort of life (1971) e Pontos de fuga (1980). Em seus últimos anos ainda encontrou forças para escrever livros interessantes como O fator humano, excelente romance de espionagem e o livro Monsehor Quixote, inspirado na figura do fidalgo de la Mancha.

Para tanto, inspirou-se em suas viagens pela Espanha e por Portugal na companhia do sacerdote Leopoldo Duran.

O escritor espião morreu em 3 de abril de 1991, em Vevey, na Suíça, perto do lago de Genebra, onde vivia com Ivonne Cloetta. Os dois haviam se conhecido em uma viagem a Camarões, na década de 1960.

Ela o ajudou a suportar a angústia do transe final.

*Cidade ao noroeste da Libéria, quase na fronteira de Serra Leoa, NT.

*Enclave entre Moçambique e a África do Sul.

*Artist (artista) - Um inglês no original, NT.

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