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Um dia ideal para os peixes-banana e livros e cinema e gibis e nus e ataxia espinocerebelar e 𓋹
terça-feira, 30 de dezembro de 2008
segunda-feira, 29 de dezembro de 2008
bonecos e olhos de vidro
Mais tarde, Teda diria a uma amiga que “Não importa o que eu disse a ele naquela noite, era tudo mentira, e o que eu sentia, na verdade, era algo completamente diferente do que o que eu lhe disse”. Ela estava sentada à janela, olhando a noite que se avolumava vindo da borda do mundo e os corvos pousados nos fios dos postes. As luzes acendiam-se devagar e automaticamente ao longo da rua estreita calçada com pedras antigas e uma carruagem branca guiada por dois cavalos também brancos subia a rua em direção ao mar, distante e quieto. Aquela era a tarde depois do enterro dele e parecia a Teda que tudo tinha um odor leve de terra morta pairando sob os outros odores.
A amiga de Teda, Stela, estava sentada na cama, pernas cruzadas, um copo de vinho displicentemente em uma mão; a outra alisava distraída seus cabelos curtos.“Isso são flores murchas, querida. Não adianta chorar por isso”, disse ela. ”Esqueça-o, como esqueceu outros homens. Não acredito que você o amava realmente, nem que mentiu a ele. Isso agora é apenas o pesar falando.”
Stela levantou-se e pegou a garrafa de vinho sobre o criado-mudo e tornou a encher seu copo e depois encheu um para Teda.
“O que você precisa, Teda, é embebedar-se.”
“Não posso. Não quero.” Teda devolveu a taça a Stela e levantou-se e atravessou o quarto e entrou no banheiro. “Vou tomar um banho”, disse, antes de fechar a porta.
“Quer companhia?”, sussurrou Stela., com cuidado para que a outra não a ouvisse. Foi até a janela e ficou observando o dirigível aproximando-se rapidamente feito uma solitária nuvem de tempestade e a sombra enorme do mesmo pairando sobre a cidade, pouco antes de a noite cobrir tudo.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, em um cemitério praticamente em ruínas, com o mato cobrindo tudo e ratos e cachorros se banqueteando de corpos podres em covas rasas, um homem acordava em sua sepultura.
O nome do homem, se é que os mortos têm nome, era Mérimée. E foi gritando e urrando e debatendo-se que ele conseguiu rasgar a madeira fina e cavar para cima na terra úmida e cheia de vermes até a superfície, que o saudou com uma cusparada fria em seu rosto branco e seu corpo nu e cheio de marcas e costuras. Era como se ele tivesse passado por uma série de cirurgias pelas mãos de um cirurgião apressado. Ele contorceu-se sobre a terra e levantou-se sobre a terra e cambaleou para fora do cemitério.
Mérimée apoiou-se no portão enferrujado e foi imediatamente visto por uma mulher muito maquiada e usando uma roupa muito curta, que deu um gritinho de espanto mas que estranhamente não correu. Pelo contrário, passado o susto, ela ficou parada onde estava, sob um poste, observando-o curiosa.
“Ajude-me por favor ajude-me”, ele disse ou pensou ter dito. Não tinha certeza. Estava fraco demais, ainda em choque, e sentiu as pernas falharem com um estalo que lhe pareceu mecânico. Como a engrenagem de um relógio falhando.
Teda saia do banheiro, apenas com uma toalha, seus cabelos claros escuros pela umidade, levemente mais animada, quando o telefone tocou.
Stela atendeu. “Sim… sim, ela está aqui… claro… onde?” Ela desligou o fone e disse a Teda “Era a bruxa, ela disse que outro apareceu. Ele foi levado para a sede”.
Teda largou a toalha e abriu o guarda-roupa. Ela vestiu-se depressa demais para o desgosto (insuspeito) de Stela. Logo, ambas entravam no carro de Teda, um modelo de capota aberta típico dos anos 20, e corriam pelas ruas à toda velocidade. Teda usava óculos de aviador, o que fazia seu belo rosto parecer mais frio do que realmente era.
“Veja aquilo”, disse Teda.
Uma garotinha segurando borboletas presas por fios quase invisíveis. Estava parada na calçada e olhava sorridente para o céu sem nuvens. Era como uma pequena fada perdida em um bosque idílico.
Então, Teda parou o carro diante de um prédio de oito andares, com gárgulas espiando de seu teto arcaico. Era a sede da estranha e antiga organização à qual Teda e Stela pertenciam. Teda vestiu luvas de couro e tentou ignorar o tremor que sentia. Era uma sensação de algo ruim. Algo à espreita. Talvez não fosse nada. Talvez.
“Stela”, disse ela. “Espere aqui. E deixe o motor ligado.”
“Algo errado?”
“Talvez não seja nada”, respondeu Teda, e pegou sua velha pistola alemã. Ela subiu os degraus e empurrou a porta.
Stela viu-a desaparecer dentro do prédio e virou-se para olhar a garotinha das borboletas. Esta estava atravessando a rua e agora olhava sorridente para Stela. A garotinha chegou até perto da janela de Stela e perguntou “Quer comprar uma borboleta?” com uma vozinha que soou aos ouvidos de Stela como um falsete.
Teda viu o homem muito magro e muito alto sentado atrás de uma mesa na portaria e sorriu. “Como vai, Chesterton?”
“Bem, senhorita Teda. Obrigado por perguntar. E a senhorita? Soube de sua perda. Sinto.”
“Obrigada. A Brux… digo, pode avisar à senhora Atwood que estou aqui?”
“Claro. E… senhorita Teda?” Chesterton fez um gesto para a pistola.
Teda assentiu e guardou-a. “Desculpe. Tenho andado meio paranóica.”
Chesterton falou ao telefone. “A senhorita Teda já chegou… Pode descer, senhorita. A senhora Atwood a espera no necrotério.”
Teda desceu por uma escada circular de metal que rangia e balançava levemente a cada passo seu. O necrotério ficava no fim da escada, um lugar de luzes brancas e odor hospitalar.
Atwood – uma mulher baixa e gorda – estava parada ao lado de uma mesa de metal, quase mais alta que ela, onde estava amarrado e amordaçado Mérimée.
“Mais um para nossa coleção”, disse Atwood.
“Vá se foder, sua bruxa”, gritou Mérimée.
”Sempre, querido”, respondeu Atwood. E para Teda: “Ele foi encontrado vagando próximo ao cemitério de Santa Clara, um lugar decrépito e abandonado. Parece que nosso amigo, o falecido Dr. Belasco, tinha outros lugares que não conhecíamos para depositar suas criaturas”.
Teda aproximou-se o suficiente para ver a barriga escancarada de Mérmée e as engrenagens em seu interior – metal e engrenagens e porcas e parafusos e mecanismos estranhos.
“Oh, deuses”, murmurou Mérimée, “o que eu sou?”
Uma espécie de máquina, pensou Teda.
“O que vão fazer comigo?”
Atwood ignorou-o e disse a Teda “Isso tem que acabar. Precisamos encontrar o laboratório do seu falecido namorado”.
“Eu sei.”
“Alguma idéia?”
“Não. E quanto a ele?”
“Ele mal se lembra do próprio nome. Não é de grande ajuda. Vamos desmontá-lo.”
Como se essas palavras fossem um sinal, dois homens carregando ferramentas entraram na sala. Nenhum deles disse nada. Atwood pegou no braço de Teda e ambas saíram de lá e subiram as escadas. Foi quando ouviram os gritos.
Lá fora, pouco antes, Stela sorriu para a garotinha das borboletas e perguntou: “E quanto custa uma borboleta?”
“Para você, sua PUTA, nadinha.”
Stela mal teve tempo de sentir surpresa. De repente as borboletas entraram aos montes dentro do carro e suas azas eram afiadas como lâminas. São lâminas, sua estúpida, pensou ela, essas borboletas não são reais, são máquinas. Eram como uma pequena nuvem brilhante que cortava sua pele e sua carne. A garotinha, parada ao lado do carro, começou a rir e rir e rir. Stela gritava. Então, alguém atirou.
Stela viu através do sangue que cobria seus olhos a cabeça da garotinha explodir e engrenagens e fios e um uivo estranho como o de um carro falhando saírem da garotinha das borboletas.
Teda abriu a porta e puxou Stela com força para fora do carro. As borboletas a seguiram e Teda agarrava-as com as mãos e tentava esmagá-las e chutá-las para longe. Então, Stela não viu mais nada.
Quando acordou, estava em um quarto de hospital, deitada na cama de metal. “Quero um espelho”, disse a Teda, que estava sentada ao lado da cama, as mãos enfaixadas e uma expressão de pesar no rosto.
“Ainda não”, disse Teda.
Stela viu a expressão nos olhos de Teda e assentiu. “Quando, então?”
“Logo.”
“Está bem.”
“As criaturas continuam a aparecer”, disse Teda. “É como se fosse uma verdadeira multidão de máquinas em forma humana, um povo hostil sepultado e programado para se erguer assim que seu criador morresse. Atwood ordenou a todos que os matássemos.”
“Isso te incomoda?”
“Não. Sim. Não sei. Sim, me incomoda. Parece que estamos dizimando um povo inteiro.”
“Exceto que eles não são humanos. Nem animais.”
“Mas – eles pensam, não é?”
“Não faça isso”, disse Stela, balançando a cabeça. “Não.”
“Aquele no necrotério, você não o viu. Ele não parecia hostil, parecia apenas... confuso.”
“E o que você vai fazer?”
“Conversar com ele. Se ele ainda existir.”
Mérimée estava estirado sobre a mesa de metal e os homens que haviam vindo para desmontá-lo estavam estirados, aos pedaços, pela sala toda; pedaços de carne e sangue espalhados por todo o lugar. Mérimée levantou-se e arrastou os pés no sangue que cobria o chão, deixando pegadas leves ao andar.
Chesterton estava sentado ao pé da escada, esperando-o, uma cimitarra em uma das mãos. A cimitarra estava coberta de sangue e Mérimée compreendeu que aquele homem fora quem o salvara.
“Por quê?” perguntou Mérimée.
Chesterton sorriu. “Sou como você. Uma máquina. Embora não soubesse disse até recentemente.”
CONTINUA
domingo, 28 de dezembro de 2008
sábado, 27 de dezembro de 2008
fairy tale
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"Nesta direção", disse o Gato, girando a pata direita, "mora um Chapeleiro. E nesta direção", apontando com a pata esquerda, "mora uma Lebre de Março. Visite quem você quiser quiser, são ambos loucos."
"Mais eu não ando com loucos", observou Alice.
"Oh, você não tem como evitar", disse o Gato, "somos todos loucos por aqui. Eu sou louco. Você é louca".
"Como é que você sabe que eu sou louca?", disse Alice.
"Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá."
Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carrol
Os homens que não amavam as mulheres, de Stieg Larsson
Lisbeth Salander emergiu sobressaltada de um sono sem sonhos. Sentia uma ligeira náusea. Não precisou virar a cabeça para saber que Mimmi já fora trabalhar, mas o cheiro dela permanecia no ar confinado do quarto. Havia bebido cerveja demais na reunião de terça à noite no Moulin com as Evil Fingers. Pouco antes de o bar fechar, Mimmi aparecera e a acompanhara até sua casa e até sua cama.
Ao contrário de Mimmi, Lisbeth Salander nunca se considerou uma autêntica lésbica. Nunca se preocupou em saber se era hétero, homo ou talvez bissexual. De modo geral, dava pouca importância a rótulos e achava que não competia a ninguém saber com quem ela passava a noite. Se fosse absolutamente necessário escolher, sua preferência sexual seria os rapazes — pelo menos eles lideravam as estatísticas. O único problema era encontrar um que não fosse um debilóide e fosse bom de cama, e Mimmi representava uma boa solução- tampão, capaz de mantê-la acesa. Ela a conhecera um ano antes numa barraca de cerveja da festa do Orgulho Gay, e fora a única pessoa que Lisbeth tinha apresentado às Evil Fingers. A relação se manteve com altos e baixos ao longo do ano, mas ainda não ia além de um passatempo para ambas. Mimmi era um corpo gostoso junto ao qual Lisbeth podia se aquecer, e também um ser humano em cuja companhia era bom acordar de manhã e fazer o desjejum.
O relógio na mesa-de-cabeceira indicava nove e meia e ela se perguntava o que a fizera acordar, quando a campainha da porta tocou de novo. Atônita, sentou-se na cama. Ninguém jamais tocava a sua campainha àquela hora da manhã. Aliás, quase ninguém tocava a sua campainha. Ainda sonolenta, enrolou-se no lençol e foi cambaleando até o vestíbulo para abrir a porta. Viuse cara a cara com Mikael Blomkvist, sentiu o pânico invadir seu corpo e sem querer deu um passo para trás.
— Bom dia, senhorita Salander — ele saudou cordialmente. — Vejo que a noite foi movimentada. Posso entrar?
Sem esperar ser convidado, ele passou pela porta e a fechou atrás de si. Contemplou com curiosidade as roupas espalhadas no chão do vestíbulo, as pilhas de jornais, e lançou um olhar pela porta do quarto, enquanto o mundo de Lisbeth Salander parecia oscilar — quem, o quê, como? Mikael Blomkvist divertia-se com o olhar espantado dela.
— Como achei que você ainda não havia tomado o café-da-manhã, trouxe uns sanduíches. Um de rosbife, um de peru com mostarda de Dijon e um vegetariano com abacate. Não sei qual você prefere. O de rosbife? — Ele desapareceu na cozinha e logo encontrou a cafeteira elétrica. — Onde guarda o café? — perguntou. Salander permaneceu como que paralisada no vestíbulo até ouvir a torneira ser aberta. Deu três passos rápidos.
— Pare! — Percebeu que dera um grito e baixou o tom. — Não pode ir entrando assim na casa das pessoas, porra! Aqui não é a sua casa. Nós nem nos conhecemos.
Mikael Blomkvist parou de pôr água na cafeteira e virou a cabeça na direção dela. Respondeu com uma voz grave.
— Negativo! Você me conhece melhor que a maioria das pessoas. Não é mesmo?
E virou-se para continuar enchendo a cafeteira com água. Depois começou a abrir as portas do armário da cozinha.
— Aliás, eu sei como você faz. Conheço os seus segredos.
Lisbeth Salander fechou os olhos e quis que o chão se abrisse sob seus pés. Sentia-se num estado de paralisia mental. Estava com a boca seca. A situação era irreal e seu cérebro recusava-se a funcionar. Nunca antes havia estado face a face com um de seus objetos de investigação. Ele sabe onde eu moro! Ele estava em sua cozinha. Impossível! Isso não podia estar acontecendo. Ele sabe quem eu sou!
De repente ela se deu conta de que o lençol escorregara e o apertou ainda mais em volta do corpo. Ele disse alguma coisa que ela no começo não entendeu.
— Eu e você precisamos conversar — ele repetiu. — Mas tenho a impressão de que primeiro você precisa tomar um banho.
Ela tentou se expressar de modo coerente.
— Olha aqui, se veio criar problema, não é comigo que deve falar. Fiz um trabalho. Vá discutir com o meu chefe.
Ele se plantou diante dela e levantou as mãos, com as palmas à vista. Não estou armado. Um sinal de paz universal.
— Já falei com Dragan Armanskij. Aliás, ele pediu para você ligar, mas você não respondeu à chamada dele no celular ontem à noite.
Ele se aproximou. Ela não se sentiu ameaçada, mas recuou alguns centímetros quando ele roçou em seu braço e indicou a porta do banheiro. Não gostava de que a tocassem sem autorização, mesmo com intenção amistosa.
— Não vim criar problema — disse ele com uma voz calma. — Mas preciso muito falar com você. Assim que tiver despertado, é claro. O café estará pronto quando estiver vestida. Vamos, vá tomar seu banho. Ela obedeceu passivamente. Lisbeth Salander nunca é passiva, pensou.
sexta-feira, 26 de dezembro de 2008
A artista do corpo, de Don Delillo
O tempo parece passar. O mundo acontece, desenrolando-se em momentos, e você pára e olha de relance para uma aranha comprimida contra a teia. Há uma nitidez de luz e a sensação de que as coisas estão precisamente delimitadas e listras reluzentes na superfície da baía. Você sabe melhor quem você é num dia de luz forte depois de uma tempestade, em que a mais miúda folha que cai é transfixada pela autoconsciência. O vento arranca um som dos pinheiros e o mundo se faz, irreversivelmente, e a aranha paira na teia balançada pelo vento.
Aconteceu nessa última manhã de eles estarem ali ao mesmo tempo, na cozinha, um se esgueirando do outro, passo arrastado, pegando coisas em armários e gavetas, depois cada um esperando sua vez de usar a pia ou a geladeira, os dois ainda um pouco imersos na poça dos sonhos derretidos, e ela abriu a torneira para lavar um punhado de mirtilos e fechou os olhos para sentir o aroma.
Jornal na mão, ele mexia o café. Eram dele o café e a xícara. O jornal era lido pelos dois mas na verdade, tacitamente, era dela.
"Quero dizer uma coisa mas o quê."
A água escorria da torneira e ela pareceu notar. Era a primeira vez que ele notava.
"Sobre a casa. É isso", disse ele. "Uma coisa que eu queria te dizer."
Ela notou que a água da torneira ficava opaca em segundos. Saía cristalina e aí segundos depois ficava opaca e o engraçado era que depois de todos esses meses e todas as vezes que ela abriu a torneira da pia da cozinha ela nunca tinha notado que a água saía límpida no início e depois ficava não exatamente turva mas opaca, ou então nunca tinha acontecido antes, ou ela tinha notado e depois esquecido.
Coelho Se Cala, de John Updike
Leia trecho do livro
AS MULHERES QUE ESCAPARAM
Pierce Junction era uma cidadezinha isolada de New Hampshire, de certo modo enobrecida pela presença de uma pequena faculdade de ciências humanas; para sobreviver, nós nos apegávamos uns aos outros como cobras emboladas numa caverna no meio do deserto. Os anos 60 nos tinham ensinado o elevado valor moral do coito, e relutávamos em abandonar uma atividade ao mesmo tempo tão prazerosa e tão saudável. Mas o fato é que não se podia dormir com todo mundo: éramos burgueses, responsáveis, tínhamos empregos e filhos, e as obrigações demandavam energia e causavam desgaste. Ainda não havíamos aprendido a separar emoção de sexo. Olhando para trás, constato que, no total, nossas conquistas não chegavam ao que um universitário de hoje acumula em quatro anos. Havia mulheres com quem a gente não conseguia dormir, e elas, como se por pirraça, são as que se conservam mais vivas na lembrança; e permaneceram distintas talvez porque, dentro da escorregadia bola de cobras, os contatos fossem tão poucos.
"Ora, Martin", murmurou para mim Audrey Lancaster num verão, ao final de um passeio num barco alugado em Portsmouth, para comemorar o aniversário de quarenta anos de alguém, "finalmente estou entendendo o que dizem sobre você." O "finalmente" era uma espécie de farpa, e o sujeito de "dizem" era aparentemente as mulheres em geral. Fiquei imaginando que tipo de conversa, mais genérica ou mais específica, teriam entre si as esposas e as mulheres divorciadas de nosso grupo. Quando Audrey fez o comentário, eu estava parado junto à amurada, sozinho por um momento, amolecido pelo Chablis da Califórnia que havia tomado, vendo no rio Piscataqua os reflexos trêmulos das luzes do porto no momento em que o barco manobrava para atracar e os alto-falantes tocavam Simon e Garfunkel na noite quente e aquosa.
Minha mulher dançava devagar no tombadilho de proa com seu amante, Frank Greer. Audrey materializou-se a meu lado e minha mão pousou em sua cintura como se nós dois também fôssemos dançar. E lá ficou minha mão, e, como o formigamento suave proporcionado por um fio mal encapado, a realidade daquelas ancas começou a arder-me nos dedos e na palma. Audrey era uma mulher sólida, de rosto liso, tão míope que andava com os pés muito abertos, com um passo desafiador, como se temesse ser derrubada por alguma coisa que não estivesse vendo direito. Vivia perdendo as lentes de contato nos gramados ou nos cantos dos olhos. Casara-se cedo e era um pouco mais nova que o resto da turma. Não havia como não adorá-la, ao vê-la na quadra de tênis com a bermuda de jeans esfiapada, as pernas fortes e morenas, o sorriso largo e tenso, tentando acertar a bola e errando o alvo por completo. Tinha a cintura lisa e flexível por baixo da roupa de algodão, e, sim, Audrey estava certa: pela primeira vez em todos aqueles anos que nos conhecíamos eu a via como uma companheira em potencial, como uma peça do quebra-cabeça cósmico que talvez se encaixasse na minha.
Porém eu também sentia que, no fundo, ela não gostava de mim, não o bastante para atravessar as barreiras perigosas do adultério, sofrer os espasmos da culpa, saltar por todos aqueles aros de fogo. Ela desconfiava de mim como quem desconfia de um concorrente. Nós dois éramos palhaços, sempre disputando o troféu O Mais Engraçado da Turma. Além disso, já tinha dono, aliás mais de um: não apenas era casada com um certo Spike e tinha os quatro filhos que eram de praxe na nossa geração, como também se metera numa série de flertes e namoricos, um deles com meu melhor amigo, Rodney Miller - até onde era possível uma pessoa ter amigos do mesmo sexo no nosso meio fanaticamente heterossexual. Audrey tinha um jeito delicioso de prolongar comentários venenosos; assim, me disse: "Você não acha que devia avisar à Jeanne e ao Frank que o barco está quase atracando? Eles podem ser presos pela polícia de Portsmouth por atentado público ao pudor".
Retruquei: "Por que eu? Não sou o dono do barco".
Jeanne era a minha mulher. Seu amor por Frank, dentro da lógica perversa da época, me aproximara dela: eu sentia pena de Jeanne por ter que passar a maior parte do tempo comigo e as crianças e não com a pessoa que amava. Era de origem francesa e católica, e havia algo de nobre naquele sofrimento, naquele sacrifício; o cilício invisível que ela sempre usava mantinha seu torso ereto, como o de uma bailarina, e tornava-a ainda mais bela para mim. Não gostei de ouvir Audrey zombando dela. Ou será que gostei? Talvez meus sentimentos fossem mais primitivos, mais tacanhos e possessivos do que eu imaginava na época. Apertei mais a cintura de Audrey, a ponto de quase machucá-la, depois a soltei e segui em direção a Jeanne e Frank, que, tendo a música parado, davam a impressão de haver acordado naquele instante, os rostos ainda inchados, surpresos. Frank Greer fora casado com uma mulher chamada Winifred até um tempo bem recente na nossa pequena história local. O divórcio, que havia dez anos espreitava nosso grupo à medida que nosso imenso contingente de filhos atravessava a escola primária em direção - esperávamos nós - à saúde mental, ainda era uma raridade e destacava-se como uma ferida ainda fresca no rosto de Frank, rubra como a bochecha que ele havia apertado contra a de minha mulher.
Maureen Miller, num daqueles intervalos na cama quando a paixão já estava saciada porém ainda restavam uns constrangidos trinta minutos de tempo utilizável antes que eu tivesse coragem de bater em retirada, uma vez me contou que Winifred incomodava-se de constatar que, durante todos aqueles anos em que o caso de Frank com Jeanne era de domínio público, eu nunca havia tentado cantá-la. Winifred, a quem às vezes chamávamos Freddy, era uma mulher pequenina que parecia uma coruja, uma coruja branca e graciosa, com olhos negros e grandes, uma pele que jamais pegava sol, um penteado à Emily Dickinson no alto de um corpo gorducho que terminava em mãos e pés pequenos e bem-feitos. Se minha mulher andava ereta como uma bailarina, quem sabia dançar bem era a mulher de seu amante; dançava com um aconchego macio e um toque leve que tinham sobre mim um efeito erótico constrangedor. Sempre que eu a tinha nos braços, o resultado era uma ereção, motivo pelo qual a prudência me aconselhava a só dançar com ela no final da noite, quando ou eu ou ela, tentando convencer nossos cônjuges a desgrudar um do outro, já havíamos vestido o casaco. Fora isso, não me sentia atraído por Winifred. Tal como a mulher que inspirara seu penteado, ela nutria ambições literárias e cultivava um estilo dogmático, seco, propositadamente oblíquo. Quando falava, afetava uma firmeza ligeiramente excessiva.
"Bem, não vou dizer não", respondeu ela de forma pouco graciosa certa vez, quando, já bem depois da meia-noite, Jeanne sugeriu que eu acompanhasse Winifred até sua casa, em meio à nevasca que começara a cair durante o jantar e ao período de inércia alcoólica que se seguiu. Os outros casais, e remanescentes de casais, já haviam todos ido embora até só restar Winifred; ela possuía a capacidade de ingerir, séria e impassível, um volume impressionante de álcool, cuja presença em seu organismo só era acusada pelas pálpebras um pouco caídas sobre os olhos negros brilhantes e pelo tom mais pedante que o habitual de sua voz melíflua. Isso foi antes de os Greer se divorciarem. Frank não estava naquela festa porque tinha partido numa misteriosa viagem a negócios. Já era a primeira etapa da separação, percebi depois. Jeanne, que sabia mais do que dava a entender, tratara a mulher solitária como se fosse sua irmã menor. À medida que os convidados iam embora, Jeanne insistia com Freddy para que ela nos contasse mais uma história sobre a oficina literária de que estava participando, como aluna especial, na faculda-de local, Bradbury. Bradbury fora antigamente um macambúzio seminário presbiteriano perdido em nossa pequena cidade, com uma capelinha provida de pilares, nos contrafortes das White Mountains, porém seus laços religiosos tinham se afrouxado havia muito tempo; nos anos 60 passara a aceitar alunos de ambos os sexos, com as mais desenfreadas conseqüências.
"Uma garota", contou Winnifred, aceitando o que jurava ser seu último Kahlúa com conhaque, "leu uma história que estava na cara que era baseada numa separação dolorosa que ela tinha acabado de viver, e o professor fez uns comentários supersarcásticos, ele parece sádico, ou então foi uma tentativa de cantada." Seu rosto deixava claro que ela estava indignada e enfadada com aquela história toda. Imaginei que estivesse deslocando a raiva que tinha de Frank para o professor, um poeta nova-iorquino que certamente sentia saudades de Greenwich Village, onde a revolução sexual era polimorfa. Era um sujeito maçante, azedo, pernóstico - fora a impressão que me ficara após meus rápidos contatos com ele - e, além disso, tão pequeno que chegava a desconcertar.
Aquelas histórias sobre a oficina literária eram fascinantes, a julgar pela animação de Jeanne, a qual insistia com a outra para que ela contasse mais. Havia em Pierce Junction uma regra segundo a qual a pessoa tinha que ser particularmente simpática com o cônjuge do amante - uma prática que não era de modo algum insincera, pois aquele segredo compartilhado gerava um sentimento tortuoso e culposo de gratidão para com o felizardo que convivia com a pessoa amada. Mas até mesmo Winnifred, em meio à névoa de Kahlúa, começou a ficar incomodada, levantou-se na sala fria (o termostato já havia se recolhido horas antes) e cobriu a cabeça com o xale, como se arrufasse a plumagem. Aceitou de testa franzida a sugestão de Jeanne, que insistia que eu a acompanhasse até sua casa. "Claro, não tenho condição de dirigir, mas foi tão divertido", disse ela a Jeanne, com um aperto de mão que minha mulher, de rosto vermelho, transformou num abraço feroz e, por tabela, um tanto frenético (assim me pareceu) de afeto.
O carro de Winnifred estava colado à calçada por uma parede de neve levantada pelas jamantas de luz rodopiante do departamento de estradas, e ela morava a apenas três quarteirões de nós; era só subir uma ladeira coberta por dez centímetros de neve recém-caída. Winnifred precisou apoiar-se em meu braço, mas permanecemos imersos em nossos próprios pensamentos. A neve caía com um sussurro constante, e a presença nas ruas, àquela hora da madrugada, dos limpa-neves, roncando e raspando, criava um efeito de camaradagem - era como se houvesse uma festa maior sob aquele céu carregado, amarelo, que brilhava com a fosforescência estranha e secreta que têm as nevascas. As casas estavam escuras, e a luz da varanda da minha casa foi ficando menor, mais longe, no pé da ladeira. Quando chegamos à porta de sua casa, bem debaixo de um poste de iluminação, Winnifred virou-se para me encarar, como se, embora estivéssemos os dois encasacados, quisesse dançar; mas estava apenas oferecendo seu rosto pálido, oval, gelado e triste para que eu o beijasse. Flocos de neve prendiam-se nos cílios longos de seus olhos fechados e pontilhavam o arco de cabelo negro exposto pelo xale. Como sempre, fiquei excitado. Na casa atrás dela só havia crianças adormecidas. A fachada coberta de ripas precisava de uma pintura; seu estado de abandono traía o casamento em crise por trás dela.
Em Pierce Junction havia todo um folclore em torno das casas dos outros casais - a fusão de gostos, o acúmulo de móveis, as fotos emolduradas do tempo do noivado e de férias anteriores ao casamento. Todos nós gostávamos de receber e visitar, mas preferíamos visitar, invadir, fuçar e bisbilhotar do modo mais irresponsável. Será que ela esperava que eu entrasse? A idéia não me parecia nem um pouco razoável - atrás de mim, ao pé da ladeira, Jeanne certamente estaria recolhendo os destroços da festa na sala e dirigindo um olhar de desânimo ao relógio da cozinha, com seu ponteiro de segundos vermelho sempre em disparada. Também meus cílios estavam pesados de gelo quando, na despedida, beijei nossa convidada, bem na boca mas de leve, de leve, com um toque sutil e alcoolizado de lamento cortês. De todos os beijos que dei e recebi em Pierce Junction, contando crianças, adultos e cachorros, esse beijo, casto e cristalino, permanece intato em minha memória.
Quando voltei para casa, fiquei surpreso de encontrar Frank sentado na sala com uma cerveja na mão, o terno amassado, o rosto comprido vermelho, como se tivesse acabado de fazer um grande esforço. Jeanne, cansada demais para manifestar constrangimento, explicou: "O Frank acabou de voltar da viagem. O avião quase não pôde pousar em Manchester, e quando ele viu que a Freddy não estava em casa resolveu dar um pulinho aqui para pegá-la".
"Subiu e desceu essa ladeira com essa neve toda?", espantei-me. Não me lembrava de ter visto nenhum carro passando.
"Nosso carro tem tração nas quatro rodas", disse Frank, como se isso explicasse tudo.
Às vezes Maureen era muito provocadora. Seu corpo era largo mas não profundo - tinha quadris grandes e seios pequenos -, e no verão inteiro ela ostentava em torno do pescoço uma extensão de pele queimada, sardenta, descascando, por passar horas no jardim com um blusão sem gola, sem chapéu. Era ruiva, e jamais abandonara a moda dos cabelos longos e escorridos da era hippie, quando os hippies já haviam se transformado em marginais ou malucos ou tinham voltado para a casa dos pais havia muito tempo. Depois que lhe contei esse episódio, deixando de lado apenas o estranho efeito fisiológico que ocorria em mim sempre que eu abraçava Winifred, Maureen riu e atirou a juba para trás, como se estivesse prestes a me devorar com seus dentões muito brancos. "A Jeanne é incrível", disse ela. "Imagine só, marcar encontro com o namorado à uma da manhã, crente que o marido ia estar transando com a mulher do cara! Pelo visto, a nevasca atrasou tudo - por isso ela ficou insistindo com a Freddy pra ela não ir embora."
"Não acredito", eu disse, no tom mais indignado de que era capaz estando nu, recostado na cama, com um cigarro e um copo de vermute vermelho, "que a coisa seja assim, calculada friamente. Pra mim, ele apareceu lá em casa porque achou que a festa ainda não tinha terminado."
"Mas ele viu que não tinha nenhum carro parado na frente!"
"Ah", exclamei, com uma discreta sensação de triunfo, "mas o carro da Freddy estava lá, coberto de neve."
"É como aquela história", disse Maureen. "'Se vós não tivésseis lavrado com a minha novilha' - como é mesmo o resto? - 'não teríeis descoberto o meu enigma'." Ela e Rodney haviam se conhecido num curso de verão sobre a Bíblia, e Rodney ainda conservava aquele jeito - cabelo penteado, ar juvenil - de futuro missionário. "Mas enfim", prosseguiu ela, alegre, sacudindo o colchão de tal modo que derramei um pouco de vermute nos pêlos do peito, onde - que droga! - Jeanne era bem capaz de sentir o cheiro, "eu entendo, você está se sentindo culpado em relação à Freddy, mas não entre nessa, não. Ela anda trepando com aquele poeta de Nova York, aquele sujeitinho horroroso, é o que todo mundo diz lá na faculdade."
"Eu preferia que você não me contasse todas essas coisas. Eu gostaria de manter um pouco de inocência."
"Ah, Martin, você bem que gosta, você adora saber de tudo", disse ela, esfregando o nariz no lugar onde caíra o vermute, com uma seriedade vigorosa, impessoal, leonina, que me assustou um bocado. Para me livrar dela, consegui encontrar suas orelhas no meio de todo aquele cabelo e, puxando-as, afastei sua cabeça do meu peito. O rosto dela nessa posição, o lábio superior levantado, os olhos semicerrados, lembrou-me Winifred erguendo o rosto para que eu a beijasse na neve, e evocou também uma máscara mortuária. Maureen não tinha um corpo de mulher que esconde os ossos, sua fome ávida e mortal. Rindo, mas com um olhar duro, vingativa, embora bem-humorada, prosseguiu: "O Rodney diz que você parece mulher, mete o nariz em tudo".
Esse comentário me magoou e me excitou. Eu e Rodney éramos de uma discrição severa, só conversávamos sobre nossos esportes castos - golfe, pôquer, tênis, esqui. Nunca falamos de política, nem mesmo no auge da guerra do Vietnã, nem depois, durante toda a prolongada queda de Nixon. No entanto era excitante pensar em Maureen e Rodney conversando sobre mim na intimidade do leito nupcial. "Pareço mulher, é?", retruquei rosnando, obrigando-a a trocar de posição comigo e ficar por baixo naquela cama do quarto de hóspedes que eu conhecia tão bem, uma cama de mogno, de baldaquino, com um abacaxi removível no alto de cada coluna. Resistindo, Maureen soltava gritos alegres que ecoavam pelos cômodos da casa em estilo vitoriano, recobertos de carvalho, e - temia eu - chegavam à rua.
Pierce Junction era uma cidade cheia de segredos que viviam vazando, como vaza serragem de uma viga carcomida pelo cupim. Havia uma série de furinhos microscópicos, com um lampejo de vida no fundo de cada um. Quando Jeanne ficou sabendo de meu caso com Maureen, reagiu com um acesso de fúria que me surpreendeu, pois havia anos que eu não dizia nada a respeito de seu relacionamento com Frank. Para demonstrar sua raiva, fez uma coisa imperdoável - foi até a casa dos Miller e contou tudo a Rodney. Maureen, com aquele seu lado religioso, trabalhava às quartas e sábados num abrigo metodista para crianças delinqüentes em Concord, e foi a eficiência da companhia telefônica, que registrava todas as ligações interurbanas, listando-as por cidade e por número, que revelou nosso segredo. Quando tento relembrar nossa paixão, o que me vem à mente não são imagens pornográficas do que fazíamos na cama, e sim um certo sabor neutro, a madeleine de um minuto particularmente vazio num dia à-toa, o anseio que, numa tarde morta e oca, despertava em mim um desejo insaciável pela voz dela - mais grave e rouca ao telefone, mais intensa e musical, do que quando estávamos juntos. Por um momento aquela voz afastava o medo intenso em que eu vivia naqueles anos; a voz e as súbitas inspirações de percepção cáustica por ela trazidas pintavam o mundo, que me parecia envolto num terror vago, com cores vivas e audazes. Ouvir Maureen rir aquele riso tranqüilizador, como se todos nós estivéssemos vivendo uma brincadeira deliciosa e precária, saciava uma sede que me pesava na garganta como um pedaço de ferro. Não estando Maureen presente, nem mesmo como uma voz ao telefone, o mundo ficava descentrado. Eu precisava falar com ela, e foi a conta telefônica que nos entregou.
A fome não era só minha, e sim de todo o nosso círculo, atormentado pela ânsia de necessidades insatisfeitas: Jeanne e Frank, coitados, aproveitando-se daquela meia hora ridícula na nevasca. Para mim, Maureen era como uma fogueira num acampamento, cuja luz faz com que a escuridão exterior pareça absoluta e cujo calor se transforma em frio intenso assim que nos afastamos dela, mesmo que apenas alguns poucos passos.
Jeanne levou horas para voltar da conversa com Rodney. Não imediatamente, e sim depois que a passagem de alguns dias nos havia reduzido a esqueletos exaustos de honestidade, ela confessou que, não estando Maureen em casa, acabou dormindo com Rodney, numa espécie de delírio de vingança, embora ele relutasse.
"Uma das tristezas de Maureen", disse-lhe eu, "era ele ser sempre tão fiel, totalmente satisfeito com ela. Pelo menos era o que ela pensava."
"Engraçado. Você lembra a época em que a Winifred e o Frank tinham acabado de se separar, e a Freddy estava louca para transar? Eu estava morrendo de medo que ela tentasse seduzir você naquela noite da nevasca. Pois bem, o Rodney foi o único homem daqui que não decepcionou a Freddy, que correspondeu à auto-imagem dela. Pelo visto, ela é muito ligada em sexo. O Rodney disse que ficou meio grilado de sentir que àquela altura dos acontecimentos - ih, eu falei igualzinho ao Nixon - ela trepava com qualquer um. Eu preferia não saber dessa história - nem mesmo o Frank está sabendo, eu detesto saber segredos que ele não sabe."
"Mas que belos escrúpulos", eu disse.
"Pode me gozar. Eu mereço, não é?"
"Minha mártir. Minha Jeanne D'Arc", eu disse, mal conseguindo conter a vontade de levá-la para a cama para descobrir de que modo ela fora enriquecida por aqueles novos conhecimentos, por aquela corrupção recente.
No entanto, acabamos nos divorciando, num processo arrastado e doloroso, tal como Maureen e Rodney. Mudei-me para Nashua, mas estava sempre voltando a Pierce Junction para visitar as crianças, tirar a temperatura de Jeanne e jogar com a turma de sempre. Uma noite, após uma rodada de pôquer, não querendo que eu voltasse a Nashua dirigindo depois de tomar muita cerveja, Rodney me convenceu a ir dormir em sua cabana dos tempos de solteiro, na serra; era pouco mais de um quilômetro de subida numa estrada de terra. Enquanto esperava minha vez de usar o banheiro, vi uma anotação largada na bagunça da mesa. A letra arredondada, aprumada, em que os "aa" eram como "oo", pareceu-me surpreendentemente familiar; Audrey Lancaster havia trabalhado como secretária de uma comissão de conservação da qual eu participara. Dizia a nota: Mais uma viagem perdida. Fui eu que entendi mal ou foi outra mancada do frei Laurêncio? Agora minha caminhonete está suja de terra e minhas pernas cheias de picadas de mosquito por conta da hora que passei na sua varanda. Um chato de um pássaro na mata estava tentando me dar um recado, só que eu não entendo linguagem de pássaro. Com o abraço de sempre. E então? Não havia assinatura. Uma página com pautas azuis, arrancada, certamente com raiva, de um caderno de espiral. Um furo no alto indicava o lugar em que fora perfurada pela tacha que a afixara à porta da cabana. Com uma espécie de pontada, senti-me muito próximo de Audrey, tal como na noite em que pus a mão em sua anca. Ela havia subido aquela estrada de terra no escuro, através da floresta, como um salmão nadando rio acima, à toa, e voltara humilhada. A alusão literária em seu bilhete tinha mais a ver com Winifred do que com ela.
Quando Rodney saiu do banheiro, inocente, com um pijama de algodão de menino, o queixo sujo de pasta de dente, senti por ele um ódio que jamais havia sentido em todos aqueles anos que passei entrando em seu casarão, perto da faculdade, passando pelo cortador de grama e pelas latas de óleo na garagem, atravessando a cozinha onde ele devorava o café-da-manhã todos os dias, passando pela prateleira onde ficavam seus troféus de golfe, em direção à cama de mogno no quarto de hóspedes. Enquanto alguns, como eu, se debatiam nas fímbrias da vida, insaciáveis, tentando ver o que se passava lá dentro, ele se esparramava no centro dela, complacente, esperando que a vida viesse até ele - em ondas tão abundantes que, estava claro, ele nem conseguia dar conta do serviço.
Em Nashua, enquanto os anos 70 morriam à míngua com a inflação e o mal-estar do governo Jimmy Carter, fui perdendo de vista as idas e vindas da vida em Pierce Junction. A possibilidade de que eu e Maureen viéssemos a viver juntos de modo respeitável fora rejeitada por ela desde o início. Era criança demais, despesa demais, águas passadas demais. "Você não entende, Marty?", disse-me ela. "A gente fez o que fez. Um ia ficar olhando pro outro e vendo sempre a prova do nosso pecado!"
Fiquei chocado ao ouvir aquela última palavra, tão antiquada, que levantava a possibilidade de que ela - e Jeanne, e todas as mulheres - esse tempo todo estivesse sofrendo em nosso paraíso sexual, vivendo em tensão por estar se desviando da monogamia. Senti-me insultado. Assim, foi com uma certa satisfação vingativa, misturada com outros sentimentos, que fiquei sabendo de sua morte súbita, tarde da noite, na Route 202, num carro dirigido por - logo quem! - Spike Lancaster, um dono de restaurante balofo, que falava aos berros e bebia demais; suas deficiências óbvias haviam investido a imagem de Audrey, em nosso pequeno grupo, de uma aura de santidade. A única coisa que Spike e Audrey tinham em comum era a miopia. Maureen morreu, e ele, o motorista, emergiu do acidente com feridas superficiais e uma fama de garanhão que provavelmente não prejudicou seu restaurante de beira-estrada - que aliás se chamava Lucky Shamrock (Trevo da Sorte).
Eu mal podia acreditar que, depois de nosso romance sublime, Maureen tivesse se envolvido com aquele brutamontes, aquele pateta. Bem feito, quebrou a espinha, aquele pescoço esguio circundado de pele queimada de sol no verão. Esses pensamentos maus, indignos, duraram apenas um instante, claro - um pequeno relâmpago de neurônios amorais antes de ter início a chuva suave da tristeza honesta. Porém a morte de Maureen e esse escândalo final, com marcas de pneu no asfalto e estilhaços de vidro de segurança, foram para mim o fim de Pierce Junction.
Jeanne e Frank casaram-se, e eu também embarquei numa segunda vida, com uma segunda mulher e novos filhos. Meus filhos continuaram a crescer, fizeram faculdade, casaram-se e mudaram-se para outras cidades. Eu tinha cada vez menos motivos para voltar; quando o fazia, a geografia da cidade, que pouco mudara, parecia conter as mesmas correntes elétricas de sempre, só com fios diferentes. Os rostos, e os velhos furos de cupim, se ainda existiam, estavam invisíveis, atravessando vidas mais jovens. Quando pensava nos velhos tempos, que de algum modo haviam se tornado sagrados, era, como eu já disse, menos nas mulheres que me eram mais próximas do que nas que haviam permanecido a meia distância, relativamente virginais, que tinham sido atraídas pelo canto das sereias do desconhecido, levando-o consigo ao desaparecer de meu horizonte.
Um shopping center havia brotado entre Nashua e Pierce Junction, no local onde antes havia uma fazenda cujos silos prateados eu ainda esperava ver, brilhando, naquela curva da estrada. Em vez disso, encontrei uma estrutura fragmentada e reluzente - lojas de grifes com vidraças pós-modernas e um amplo prado de asfalto coalhado de automóveis. Com a intenção de comprar um presente de aniversário para um neto numa dessas lojas de brinquedos cujo nome ostenta um estranho R ao contrário, eu caminhava por uma aléia insistentemente musical, sob uma arcada, ladeada por vitrines que, parodiando uma rua de comércio de cidade do interior de outrora, ostentavam marcas registradas, pontilhada por quiosques pouco freqüentados que ofereciam bijuterias, chás naturais exóticos, balas e biscoitos recobertos de iogurte em compartimentos de plástico leitoso. De repente vi, a meia distância, um passo inconfundível - pés bem abertos, jeito desconfiado, porém determinado e, para meus olhos, sedutoramente juvenil. Escapuli para dentro de uma loja da Gap e, oculto pelas prateleiras de jeans amaciados e suéteres de tons suaves, fiquei vendo passar Audrey, mais cheia, grisalha, porém ainda ágil. As lentes de contato que ela vivia perdendo tinham sido substituídas por óculos grossos, ostensivamente pesadões. Ela apertava a vista e sorria e falava animada, movimentando aquela boca flexível, murmurante, larga.
Seu companheiro, com cabelos brancos curtos e macios, trajando calças e um colete forrado, por um momento pareceu-me totalmente desconhecido, um homenzinho baixo de cara amarrada. Mas então, com uma pontada de reconhecimento que disparou uma excitação senil por trás de minha braguilha e me fez dar um salto para trás, afastando-me da janela, eu vi; impossível não identificar o corpo de coruja, em forma de barril, os olhos negros sob sobrancelhas espessas, as mãos e os pés delicados. Winifred. Ela e Audrey caminhavam com a suave submissão mútua de um velho casal. Estavam de mãos dadas.
Escritores e Espiões, de Fernando Martinez Laínez
Leia trecho do livro
Graham Greene
O agente secreto 59200
Eu também tenho um sonho, senhor secretário-geral, que, talvez, um dia, antes de morrer, possa saber que existe um embaixador da União Soviética dando bons conselhos no Vaticano.
Palavras de Graham Greene a Gorbatchov, em um encontro de intelectuais em Moscou, fevereiro de 1987.
raham Greene tinha vocação política. De fato, sempre foi um escritor político, ainda que, em seus livros, não tomasse partido de nenhuma linha ideológica.
Leopoldo Duran, sacerdote e professor universitário, companheiro de caminhadas e confidências nos últimos anos de Greene, apresenta, neste sentido, provas muito corretas que podem ser rastreadas na maioria das obras do escritor. Diz Duran: "Parodiando a observação do filósofo, nada de que ocorre no mundo lhe era distante. Escutar as notícias das oito na França e a leitura diária de dois ou três jornais britânicos constituía para ele um ritual necessário".
Seu interesse pela política, basicamente teórico, expressava a sua necessidade de estar em contato com o mundo. Greene não sentia nenhuma inclinação pelo ativismo político. Impedia-lhe a vocação literária, as suas dúvidas éticas e a sua integridade. Envolver-se politicamente seria incompatível com a idéia afrontosa que tinha dos políticos. Certa vez, confessou a Durán: "Olhando para onde se olhe
– e salvo em casos excepcionais –, um político é alguém totalmente amoral e corrupto".
A inquietude política de Greene correu paralela ao desassossego religioso. Viveu torturado, obcecado com a idéia de pecado, maldade, arrependimento e fé. Esta luta interior levou-o a converter-se ao catolicismo quando as suas inquietações teológicas começaram a fazer água numa Europa basicamente sem fé, empurrada ao relativismo moral e ao desenfreado afã pelo lucro econômico e por um consumismo quase patológico.
Ele sempre levou a religião muito a sério. O catolicismo foi o seu campo de batalha e de experiências dos próprios desassossegos e angústia da alma, que também desempenharam importantes papéis na sua desmedida tendência ao adultério e posterior sentimento de culpa pela transgressão do sexto mandamento bíblico. O articulista Arnoldo Varona escreve: "Em seus livros, os temas religiosos foram tão constantes quanto em sua vida real foram as fantasias sexuais com as amantes (...). Na imaginação de Graham Greene, inveterado pecador, a religião, o sexo e a dor estiveram sempre unidos". Na realidade, construíram os três elementos inseparáveis de seu inferno particular.
Uma vez, sua secretária Elizabeth Montague perguntou-lhe como conseguia conciliar a fé católica com a possibilidade do inferno e ele respondeu evasivamente: "tenho as minhas próprias maneiras". Talvez tenha sido este contínuo e íntimo combate entre sua ânsia de crer e o desespero pelo sofrimento inútil espalhado pelo mundo que lhe outorgou, ante muitos leitores, a auréola de sucesso e "santidade" leiga, tornando-o tão popular entre os católicos. Não apenas entre os fiéis, também entre os sacerdotes e freiras que, continuamente, lhe pediam conselhos e o procuravam. Como se Greene fosse um confessor a quem estavam dispostos a revelar pecados.
Uma ocasião, o professor Norman Sherry, autor de volumosa biografia autorizada de Graham Greene, editada em três volumes, perguntou-lhe se ele era católico e ouviu a resposta: "provavelmente, não". Dez anos depois, Sherry insistiu no tema e questionou-o se ele continuava pensando em Deus. Desta vez, a resposta do escritor foi: "Espero estar obcecado por Deus, quero estar obcecado por Deus", o que revela a perturbação existencial que a idéia de Deus representava em sua visão de mundo.
Greene nunca abandonou formalmente a Igreja católica. Mas, em muitos aspectos, viveu o catolicismo à sua maneira. Sem renunciar aos prazeres do "amor livre", mas, na vida particular, praticando sempre o respeito à verdade. Ainda que nunca tenha revelado nomes ou detalhes de suas aventuras amorosas. Para ele, os assuntos de alcova sempre permaneceram no terreno do estritamente privado. Inclusive proibiu seu biógrafo Normal Sherry de fazer qualquer referência às suas confusões eróticas. A trajetória de Greene nos assuntos que o envolvem com mulheres foi muitíssimo discreta. Ele nunca traiu a lembrança das companheiras de cama, nem espalhou detalhes íntimos.
Em alguns aspectos foi coerente com o compromisso católico e, apesar de ter se separado em 1948 de sua esposa Vivien Dayrell-Browning, nunca se divorciou dela.
Vivien, com quem teve dois filhos, sabia de suas relações com outras mulheres e, durante anos, omitiu-se. Em questões de adultério, Greene não sofria de inibições e encontrou uma companheira perfeita na milionária norte-americana Catherine Waltoson, casada com um dos homens mais ricos da Inglaterra, membro destacado do Partido Trabalhista, cuja tranqüilidade conjugal beirava à apatia.
Catherine surgiu na vida do escritor quando este sofria de uma grave depressão e representou um incentivo que, talvez, tenha lhe salvo a vida. Norman Sherry descreve esta relação como "o período mais produtivo e emocionalmente dilacerado da vida de Greene". A desmedida relação de ambos conseguiu combinar os três elementos fundamentais para o romancista: sexo, dor e religião e libertou muitas fantasias eróticas que Greene escondia em sua mente tortuosa e que, em alguns momentos, roçavam ao masoquismo. Ele aceitou que Catherine queimasse-o com pontas de cigarros e ela se disfarçava para acompanhá-lo a bordéis. Em algumas ocasiões fizeram amor atrás de altares de igrejas. Pode-se dizer que o autor pretendia "pecar fortemente" para logo arrepender-se também "fortemente". George Orwell ataca este idéia de "pecador santificado", tão vinculada em sua essência à exaltada imaginação romântica, e afirma que Greene "parece compartilhar da idéia que paira desde Badeulaire: a de que ser um maldito concede-se alguma espécie de distinção e transforma o inferno numa espécie de clube noturno elegante, cuja entrada é reservada apenas aos católicos pecadores".
O certo é que a relação entre Greene e a esposa do milionário (também convertida ao catolicismo) durou treze anos durante os quais eles se traíram. Mutuamente e às próprias consciências. Ela lhe contava as suas aventuras com outros homens e ele, suas relações sexuais com prostitutas, numa espécie de brincadeira mórbida e anormal.
O livro After two years, lançado em 1949 e do qual foram impressos apenas 25 exemplares, a maior parte destruída antes da distribuição, é o fruto literário da união de Graham e Catherine.
A vida dupla
Não há dúvida de que Graham Greene é uma personagem ambígua, de muitos rostos, e que se esforçou para se multiplicar ao longo da vida. Apreciava segredos, começando pelos de sua própria personalidade, e o atraía confundir a as outras pessoas. Esta foi uma característica que manteve com afinco – tanto que alguns críticos consideram-no um escravo dos segredos e mentiras –, pois tratou de apagar as pistas de sua vida para as futuras gerações não a decifrarem. Deixou milhares de bilhetes e apontamentos que desfiguravam seus atos e, em seu diário, registrou uma advertência para possíveis biógrafos: "quem escrever minha biografia não terá uma tarefa fácil e, freqüentemente, perderá o rumo".
Esta idéia fixa em manter oculta a sua verdadeira vida e seus pensamentos seguramente foi-lhe, durante a Segunda Guerra Mundial, de muita utilidade na atividade de espião, tarefa que não se caracterizou pela casualidade ou obrigação. Graham Greene foi um espião profissional, sob o comando de um "mestre de espiões", tão especialista quanto Kim Philby – o famoso agente duplo a serviço da KGB, cuja traição teve conseqüências devastadoras para os serviços de inteligência britânico – a quem, entre amistoso e admirador, homenageou no prólogo do livro My silent war. Entre extremos de ingenuidade e melodrama que beiravam ao cinismo, Greene chega a justificar a duplicidade de Philby: Ele (Philby) "traiu" o seu país, sim, é certo que o fez. Mas quem entre nós não traiu algo ou alguém mais importante do que um país? Sua idéia era de estar trabalhando para implantar uma nova ordem de coisas da qual seu país se beneficiaria.
Philby, que precisou fugir para a União Soviética onde viveu até morrer em 1988, foi chefe de Greene durante o tempo em que o escritor trabalhou para a espionagem exterior britânica (MI6) na África Ocidental e em Londres.
Durante muitos anos – talvez induzido pelo Serviço Secreto Britânico – Graham Greene correspondeu-se com o antigo chefe refugiado em Moscou, através de cartas lidas pelo MI6. Detalhe que Philby, com certeza, não ignorava. Através destas cartas, a liderança da KGB revelava o ponto de vista soviético sobre uma série de questões que envolviam a Guerra Fria, como o crescimento do fundamentalismo islâmico na Ásia Central e a influência do Irã naquela região.
Tanto Greene quanto Philby concordavam que a Rússia e os Estados Unidos deveriam cooperar para impedir o renascimento do Islã fundamentalista na Ásia Central, região de enorme e global importância geoestratégica. Baseando-se nisto, Philby justificava a invasão do Afeganistão pelos soviéticos, dando a entender que o fato não o surpreendera.
Como resultado desta relação epistolar, Greene viajou várias vezes para Moscou onde lhe permitiram encontrar-se com seu antigo superior no MI6. Devem ter tido conversas sinceras e longas, regadas a muito álcool, já que os dois apreciavam beber. Como é lógico, nada do que falaram foi revelado e isto, talvez, seja melhor para a lenda que os cerca.
A carreira de escritor
Quando estourou a Segunda Guerra Mundial, Greene tinha 35 anos e uma promissora carreira de escritor. Nascera em 2 de outubro de 1904, na localidade inglesa de Berkhamsted, Hertfordshire. Foi o quarto filho do casamento de Marion Raymond e Charles Henry Greene.
Não se pode dizer que a família fosse medíocre ou pouco destacada.
Um de seus irmãos, Hugh, foi diretor-geral da BBC. Outro, Raymond, era um destacado alpinista que participou, em 1931 e 1933, de expedições ao Everest. O irmão mais velho, Herbert, manteve contatos secretos com a Marinha Imperial Japonesa nos anos 1930 e a irmã mais moça, Elizabeth, pertencia aos quadros do MI6. Coube a ela recrutar Graham para a Inteligência Britânica. A mãe, Marion, aparentava-se com o escritor Robert Louis Stevenson, o famoso autor de A Ilha do tesouro e um de seus tios foi secretário permanente do almirantado e co-fundador da Inteligência Naval na Primeira Guerra Mundial.
Os anos de sua infância não devem ter sido muito felizes, já que deixou escrito que "a infância é viver submetido a uma ditadura".
Entrou na escola de Berkhamstead, dirigida por seu pai, e logo passou para a faculdade Balliol de Oxford onde estudou História Moderna.
Em Berkhamstead, sofreu muito. Constantemente, os companheiros o atormentavam por ser o filho do diretor e isto o afetou ao ponto de ele pensar em suicídio.
Um dia, o jovem Graham deixou a escola e escreveu aos pais, dizendo que não queria voltar para casa. Precisaram levá-lo a um psicoterapeuta em Londres quando ele tinha apenas 15 anos.
Em Oxford as coisas não foram melhores. Na faculdade, Greene começou a descobrir seu talento narrativo e, nos três anos em que esteve em Balliol, publicou mais de 60 poemas, contos, artigos e resenhas, em sua maior parte na revista estudantil Oxford Outlooke e no semanário Westminster Gazette. Aos 22 anos converteu-se ao catolicismo porque, como explicou mais tarde, "tive que encontrar uma religião para lutar contra a minha maldade". Sempre contestou quem o definia como "escritor católico", definição que o deixava furioso.
Em sua autobiografia contou que, no tempo de universidade, viveu entre bebedeiras e envolto em dúvidas, mas ainda encontrou tempo para mostrar interesse por assuntos políticos, filiando-se ao Partido Comunista, abandonado ao fim de poucas semanas.
Em 1926, Graham Greene, encerrada sua etapa de estudante, em Oxford e depois de trabalhar como subeditor no Nottingham Journal, mudou-se para Londres. Um ano depois, casou com Vivien Dayrell-Browning, também católica, a quem conheceu quando ela lhe escreveu corrigindo alguns erros num artigo sobre o culto à Virgem Maria. No artigo, Greene confundira devoção com "adoração". Na capital britânica, Greene trabalhou como jornalista para o diário The Times e para a revista The Spectator, onde foi crítico de cinema e editor de literatura até 1940.
Durante este tempo, escreveu um romance político, The episode, recusado pelos editores. The man within foi sua primeira obra publicada e teve êxito suficiente para ajudá-lo a tomar a decisão de deixar de ser jornalista no The Times e virar escritor profissional.
Quatro anos depois de sua morte, com este mesmo título, foi publicada uma biografia de Greene, de autoria de Michael Shelden.
Este fato irritou os admiradores do romancista. O livro é bastante hostil a Greene, a quem descreve como um mentiroso patológico, anti-semita, mulherengo sem escrúpulos e político demagogo.
Greene esteve a ponto de abandonar a carreira literária devido ao pouco sucesso de seus segundo e terceiro romances – O nome da ação e Rumo ao anoitecer. Mas, então, escreveu Expresso do Oriente, um thriller político, escrito expressamente para "distrair" o grande público da dificuldade econômica. Após este livro, Greene, de maneira arbitrária e imprecisa, começou a dividir seus livros em "diversão" e "romances sérios". Ao arquivo "diversão" pertencem romances como O Expresso do Oriente, O condenado, O fator humano, O ministério do medo e O terceiro homem. A outra categoria inclui obras como O poder e a glória e Fim de caso.
No prefácio de uma reedição de Expresso do Oriente, Greene escreveu: Em Expresso do Oriente, pela primeira e última vez na minha vida, dediquei-me deliberadamente a escrever um livro para agradar e que, com sorte, virar roteiro de um filme. O diabo cuida dos seus e eu alcancei êxito, ainda que os direitos para o cinema parecessem um sonho distante. Mas antes de terminar de escrever o romance, Marlene Dietrich interpretou Shangai Express e os ingleses fizeram O Expresso de Roma. Até os russos produziam um filme sobre trens: Turksib. Meu filme foi o último e, além do mais, o pior. Apesar de não tão ruim quanto uma produção para a televisão feita depois para a BBC.
Uma das personagens que Greene usa com freqüência em seus livros de "diversão" é um homem acossado, perseguido, obrigado a desrespeitar a lei. Nestes romances, sabe misturar a violência com a trivialidade para produzir uma espécie de vulgaridade/ horror. Tudo em estilo austero e conciso, que eleva o nível de suspense.
Além de escrever sobre cinema em The spectator, Greene coeditou a revista Night and Day, que se envolveu numa ruidosa disputa com a produtora Twentieth Century-Fox por um comentário que os agentes da atriz infantil Shirley Temple, então com nove anos, consideraram ofensivos.
Greene procurava ambientar-se nos cenários de suas obras e, durante os anos 1930, fez uma série de viagens para exercitar os seus desejos de aventura e pesquisar para os romances. Uma viagem à Suécia serviu ao livro England made me cuja ação ocorre na cosmopolita Estocolmo. Num passeio pelas selvas da Libéria recolheu material para Journey without maps.
Em 1938 viajou ao México, país que o marcou muito, para comprovar pessoalmente a perseguição contra os católicos. O resultado desta viagem foram dois livros publicados em 1939, Os caminhos sem lei e O poder e a glória. Este último, considerado seu melhor romance, é a história de um padre católico, bêbado e de comportamento indigno, que se reencontra com Deus e promete cumprir seus deveres religiosos secretamente, enfrentando o Estado que o persegue.
O romance começa com uma epígrafe de Dryden: "O cerco aperta.
O poder sagaz dos cães de caça e a morte avança de hora em hora".
O padre de O poder e a glória não tem vocação de mártir, nem é uma personagem sublime. Sente medo e, há sete anos, num momento de fraqueza, sucumbiu ao pecado e transformou uma mulher do povoado em sua amante, com quem teve uma filha. O romance mostra seu lado mais desolador com a imagem da menina, uma criança condenada à degradação. Em poucas e definitivas palavras, Greene resume toda a tragédia da infância abandonada: "o mundo já se alojava em seu coração como o germe da podridão numa fruta".
Na época que lançou O poder e a glória, Greene começou um caso amoroso com a desenhista e cenógrafa Dorothy Glover, que continuou até o fim dos anos 1940. Com o pseudônimo Dororthy Craigie, ela teve uma vitoriosa carreira de ilustradora e autora de livros infantis.
O MI6
Em 1941, Greene dirigia a editoria cultural do semanário The Spectator. Tarefa que desempenhava enquanto escrevia um romance e resenhas de filmes, no tempo em freqüentava as estréias teatrais e circulava na vida noturna de Londres. Tinha 37 anos e uma vida boa, levando-se em conta as circunstâncias de uma guerra cada vez mais feroz. Mas seus dias de bonança estavam contados. Ele já decidira trabalhar no Serviço de Inteligência, mas concretamente no MI6, onde sua irmã Elizabeth desempenhava um cargo importante e podia recomendá-lo. Elizabeth faria uma boa carreira no SIS. Chefiou um posto no Cairo e Ankara e se casou com Rodney Dennys, outro dos chefes do MI6.
A resposta ao pedido de Greene para ingressar no Serviço Secreto demorou a chegar. Norman Sherry acredita que esta demora devese ao fato de o irmão mais velho de Greene, Herbert, ter sido agente da inteligência japonesa antes da guerra. Um episódio estranho, pois ele recebeu dinheiro dos japoneses apesar de o valor de suas informações ser praticamente nenhuma, já que a maior parte procedia de notícias de jornais.
Finalmente, Greene foi contatado por um misterioso "Mister Smith", conhecido por "Smith da China" por ter tido negócios neste país. Mister Smith lhe facilitou uma entrevista com os recrutadores do MI6, satisfatória para ambos os lados, que lhe permitiu ser aceito no mundo da espionagem. Pelo que Kim Philby conta a respeito de si mesmo no livro My silent war, a entrevista não deve ter sido muito severa: "a facilidade com que me aceitaram surpreendeu-me.
Soube mais tarde que a única investigação feita sobre meu passado foi a rotineira do MI5, que comprovou a existência de meu nome nos arquivos e liberou-me com a resposta: "não há nada arquivado contra ele".
Como previsto, enviaram Greene para trabalhar na África Ocidental.
Sua esposa, Vivian, e os dois filhos ficaram em Oxford. Desde o início da guerra, o escritor preocupou-se em ir vê-los porque, entre outras coisas, em Londres ficara a sua amante Dorothy Glover.
Graham Greene recebeu o treinamento básico na faculdade de Oriol, em Oxford. Assim, podemos supor que ele adquiriria os conhecimentos básicos para a missão que realizaria de acordo com os métodos utilizados pela OSS (Seção de Serviços estratégicos), antecessora da CIA norte-americana e da contra-espionagem britânica (MI5). A principal regra era inculcar nos agentes a idéia de que deveriam considerar sua falsa identidade como uma segunda natureza (o quê, no jargão do ofício, se conhece por "lenda") e desenvolver nos futuros espiões a inclinação pelo segredo, pelo engano, pela manipulação.
Não há dúvida de que o nosso escritor e todos os que passaram por Oriol foram treinados nas manhas e técnicas usuais das tarefas de espionagem, incluindo a captação de agentes duplos, emprego de fundos para fins inconfessáveis e chantagear funcionários estrangeiros estabelecidos em países neutros, aproveitando-se de suas fraquezas humanas que envolvessem drogas, sexo, dinheiro ou álcool. Também o ensinaram a cuidar-se para evitar ser descoberto pela contraespionagem adversária, escapar de perseguições e usar alguns artifícios do ofício como câmaras fotográficas, micro receptores, emissores/ receptores de rádio e disfarces simpáticos.
Nesta época, sua família ainda estava em Oxford, mas eles não se viam muito. O escritor cumpriu normalmente seus deveres de aprendiz de espião, mas não pôde concluir o curso por causa de uma gripe que o colocou na cama.
Em 8 de dezembro de 1941, exatamente no dia em que os Estados Unidos declararam guerra ao Japão, Greene chegou a Liverpool, onde iniciaria uma complicada viagem até seu destino na África, cruzando um oceano coalhado de submarinos alemães. Greene zarpou do grande porto britânico no cargueiro Elder Dempster, que levava mais doze passageiros, a maioria militares. Chegaram a Belfast para esperar outros navios e formar um comboio, protegido por navios de guerra. Um total de doze cargueiros escoltados por um destróier, um cruzador e uma corveta.
O comboio deixou Belfast em 13 de dezembro. Durante a travessia, Greene, além de cumprir as suas obrigações de bordo, aproveitou as horas mortas em alto mar para escrever um livro pequeno chamado British Dramatist (Dramaturgos britânicos), que se comprometera a entregar para o seu agente literário.
Em 3 de janeiro de 1942, o Elder Dempester entrou no porto de Freetown, capital de Serra Leoa, que Greene que conhecia havia sete anos. Em seu caderno, ele anota: "Finalmente aportamos quatro semanas depois de, em lento comboio, sairmos de Liverpool. Tenho forte sensação de irrealidade: como cheguei a tudo isto? (...) Nada mudou na bagunçada e preguiçosa cidade de varandas e buganvílias, telhados de chapa e funerárias. Nunca imaginei em minha primeira visita (1935), que um dia voltaria para trabalhar e ser um destes homens gastos que bebem gengibre nos bares centrais enquanto o sol se põe no horizonte avermelhado".
Apesar de os outros passageiros terem desembarcado imediatamente, Greene se viu obrigado a dormir a bordo durante seis dias, até um contato apresentar-se para buscá-lo. Um homem chamado John Martin, que lhe proporcionou alojamento enquanto providenciava seu traslado para Lagos, Nigéria, onde, por três meses, ele freqüentaria outro de curso de treinamento.
Antes de partir para a Nigéria, Greene explorou a área que seria o seu teatro de operações, sobrevoando a Monróvia e parte da Costa do Marfim. Em Lagos, gasta o tempo em tarefas de cifrar e decifrar códigos e divide o alojamento com outro agente e alguns criados negros.
Ainda que a rotina diária seja aborrecida, as noites não o são. O escritor as aproveita percorrendo bares e clubes sociais até alta madrugada.
Apesar da proibição de os espiões terem um diário, ele escreve e guarda o dele, mas quando menciona assuntos secretos suas anotações são tão cifradas que acabam incompreensíveis para olhos estranhos.
Completados os três meses de treinamento, o agente Greene volta a Acra e dali, após uma escala na Libéria, chega a Freetown. Um dos espiões que aparecem no seu livro Nosso homem em Havana, publicado em 1958, tem o mesmo nomecódigo que lhe atribuíram no MI6: agente 59 200.
Em Freetown, Greene se instala em uma casa de campo nos arredores da cidade, onde instala a sua base de operações. Trabalha, mas se aborrece e parece infeliz. "Nada do que possa dizer sobre este lugar é bastante ruim" escreve à irmã Elizabeth.
Sua vida de agente secreto segue sem muitos problemas, mas um surge na hora de lhe criarem o disfarce oficial. Primeiro, pensa-se em "nomeá-lo" Inspetor de Comércio Exterior, mas este departamento (DOT) se recusa a admiti-lo. Então, tenta-se fazê-lo passar por um funcionário do British Council. O que também não acontece. Oferecem-lhe um posto intermediário, na Marinha ou na Força Aérea, até que alguém se dá conta de que o escritório particular e a caixa forte que Greene necessita para guardar os códigos é privilégio exclusivo dos oficiais de alta patente. Finalmente, a solução é deixá-lo vagamente ligado à força policial. Seu endereço oficial é a sede central da polícia de Freetown e seu destino, o braço especial do Departamento de Investigação Criminal (CID).
A rotina do espião começava muito cedo, pela manhã. Apanhava os telegramas cifrados que lhe eram endereçados via central de Polícia, na qual oficialmente trabalhava, e os levava para casa para decifrá-los. Depois, enviava as respostas também cifradas, redigia informes e revisava os dos agentes sob sua responsabilidade. Um trabalho que o mantinha ocupado até a hora de almoçar. O resto do dia (quando não havia assuntos urgentes) ele utilizava em contatos sociais e pessoais.
A principal tarefa de Greene em Serra Leoa era saber, a todo o momento, a situação do encouraçado francês Richelieu que estava sendo reparado em Dakar e constituía uma ameaça em potencial ao tráfico marítimo britânico nas costas da África. Outra de suas missões era obter todas as informações possíveis sobre a Guiné Francesa, a colônia vizinha que continuava nas mãos do governo de Vichy. Em uma entrevista de 1977, Greene declarou: Necessitava saber o estado dos aeroportos e coisas parecidas para o caso de os alemães ocuparem a colônia. (...) Também nos informávamos sobre o contrabando de diamantes industriais pelos navios portugueses, que se infiltravam em Freetown quando regressavam a Portugal. Às vezes, vinham agentes inimigos nestes navios.
Kim Philby, chefe de Greene, completou esta lista de missões em uma carta que, de Moscou, escreveu para Norman Sherry em 1978: Nesta época, eu era o responsável pela contra-espionagem na Península Ibérica e de parte do nordeste da África. Freetown, a cidade onde estava Greene, pertencia à minha jurisdição e eu devia lhe dizer o que sabíamos dos serviços de inteligência alemães e de suas conexões com os serviços da França de Vichy.
Estes últimos, e alguns alemães nas colônias espanholas e portuguesas da África Ocidental, constituíam os principais objetivos de sua atenção.
Greene esboçou alguns planos originais para conseguir informações secretas. Um deles, facilitar a fuga do cárcere de um intelectual africano de esquerda, contando com ajuda de supostos comunistas.
Em troca da liberdade, pediram ao intelectual que lhes passasse alguma inócua informação econômica da Guiné francesa. Após algum tempo, os dois supostos comunistas chantagearam Greene, ameaçando denunciá-lo aos franceses se ele não lhes entregasse dados secretos.
Outro plano era montar um bordel em Bissau, na Guiné portuguesa, para os visitantes franceses do Senegal, onde o Richelieu permanecia em dique seco. Greene já contava com uma "madame" francesa, disposta, se lhe pagassem os gastos, a administrar o prostíbulo.
As duas idéias foram estudadas pelas instâncias superiores do MI6 que as recusaram, alegando razões um tanto confusas.
Greene também tentou se reunir na fronteira entre Serra Leoa e Libéria com missionários episcopais da Missão de Santa Cruz, a quem devia entregar um radio-transmissor. O agente e escritor britânico pediu aos missionários que fossem a Kailahun* e, quando tudo estava pronto para a viagem, seu superior em Lagos, Aléxis Forter, ordenou que ela fosse suspensa. O motivo da suspensão foi a chegada a Freetown de um transatlântico português, que devia ser registrado, pois procurava diamantes industriais e levava correio clandestino.
Os britânicos faziam regularmente este tipo de inspeção para impedir que os diamantes de Angola e outras partes da África fossem para a Alemanha. O diamante era um produto muito necessário para a fabricação de ferramentas de precisão e das bombas voadoras V-1.
Os alemães tinham pouca reserva deste material.
Greene participava destas inspeções, algo que sinceramente o desgostava. Quando cancelaram a viagem em que ele se encontraria com os missionários, ficou tão aborrecido que escreveu para Londres apresentando a sua demissão, que não foi aceita.
Um dos aspectos que o novo espião considerava mais ingratos em seu trabalho era a participação em tarefas como registros e os interrogatórios, que, tradicionalmente, era considerada tarefa da contra-espionagem (MI5) e não do SIS. Deve ter realizado muitas, das quais guardou recordações desagradáveis. Sobretudo no que se referia à "pressão" que os interrogadores aplicavam nos suspeitos, eventualmente, pessoas inocentes.
Para ajudá-lo nas tarefas mais mecânicas do trabalho, Londres decidiu enviar-lhe uma jovem e atraente secretária chamada Doris Temple, que, supõe-se, também devia lhe fazer companhia em seus longos momentos de solidão. Doris transformou-se nos "olhos e ouvidos" do chefe para os fofoqueiros que circulavam nas recepções da colônia européia. Mas ele não a considerava eficiente em outros aspectos importantes como, por exemplo, o envio de telegramas cifrados. A relação profissional de ambos tornou-se insatisfatória.
Mais tarde, algumas vozes autorizadas da Inteligência Britânica, como o mencionado Rodney Dennis, perguntaram por que enviaram Greene a posto relativamente tão pouco importante como Freetown quando ele poderia ter rendido mais em lugares como o Cairo. Até Philby sugeriu que o trabalhão de campo de Greene teve pouca relevância. Sem dúvida, sua tarefa era menos insignificante do
que parece. O Mediterrâneo, um mar fechado, obrigava todos os comboios militares a contornar a costa atlântica africana para chegar ao Egito e abastecer o exército britânico, que lutava ao norte da África contra as tropas de Rommel. Neste contexto, Freetown era um importante porto de trânsito. Além do mais, Serra Leoa fazia fronteira com a Guiné francesa, possessão do governo de Vichy.
Em 7 de novembro de 1942 morreu Charles Greene, pai de Graham, quando o escritor estava em Freetown. A causa da morte pode ter sido coma diabético ou infarto cerebral e Graham mandou rezar uma missa pelo falecido, conduzida por um padre católico irlandês que vivia em Freetown. Acabava a sua paciência para suportar a moradia no que denominava de "colônia de trânsfugas com suas festas de grandes bebedeiras e completa inconsciência do que é uma guerra". Para complicar as coisas, se relacionava mal com seu superior direto. Por outro lado, após o desembarque aliado no Magreb, o interesse do MI6 pelo flanco ocidental africano acabou. Greene pede transferência e é atendido. Antes de fechar o posto de Freetown, queima os arquivos e os livros de código e volta à Inglaterra de avião.
Chega a Londres no em 1 de março de 1943 e é destinado à Subseção de Assuntos Ibéricos (Subseção V) que Philby, das cercanias de Londres, dirigia de um casarão velho em St. Albans, integrado ao complexo de edificações do SIS.
Em Londres com Philb Philby
O trabalho da Subseção V estava a cargo de seis agentes (um dos quais, Greene) e abarcava Espanha, Portugal, as colônias portuguesas na África, Gibraltar, Tanger e Marrocos. Greene se ocupava dos problemas de Portugal.
A Subseção V constituía um grupo bastante unido sob a batuta afável e habilidosa de Philb. Sua principal missão era a contra-reação à Inteligência inimiga, administrando informações de agentes próprios, procedentes do "Enigma", o sistema cifrado alemão que os britânicos conseguiram decifrar, sem Berlim suspeitar. Isto praticamente entregou em mãos aliadas todas as comunicações militares do Reich.
Na hora do almoço, os seis agentes almoçavam juntos em um pub onde comiam sanduíches, bebiam cerveja e conversavam. Grene relembra com nostalgia estes bons momentos no prefácio que escreveu para o livro de seu admirado Philby: Recordo com prazer os longos almoços dominicais em St.
Albans, quando toda a subseção relaxava com algumas horas de muita bebida, sob o comando dele (Philby). Mais tarde, as reuniões noturnas com a cerveja junto ao fogo no pub que existe atrás de St. James Street.
Por sua vez, Philby também elogiou Greene por seu trabalho "silencioso, sereno e competente" e pelos comentários mordazes que acrescentava às margens das cartas que enviava ao departamento.
O famoso jornalista e diretor de programas de televisão Malcom Muggeridge (1903-1990), outro escritor espião e companheiro do MI6, que atuou em Lourenço Marques, capital de Moçambique, considerava Greene muito eficaz na Central. Infelizmente, completou Muggeridge, ele não alcançara muito êxito em Freetown, onde "deveria ter as qualidades de um gângster; mas Greene era demasiadamente amável para ser um, embora soubesse descrevê-los na ficção".
Para Muggeridge, Green compreendeu perfeitamente o funcionamento de um serviço secreto, como demonstrou no romance Nosso homem em Havana: "o livro mais brilhante que já se escreveu sobre espionagem. Um livro que deve ser levado muito a sério, apesar de baseado em fatos fictícios".
Por sua parte, o escritor, contato direto de Muggeridge em Londres, tampouco tinha muita consideração pela reputação deste como agente de campo: "Em Lourenço Marques, tentou manobrar um agente duplo na embaixada alemã e lhe deu muitas informações (para enganar a espionagem inimiga) de valor muito maior do que as recebidas em troca".
Quando Muggeride regressou à Inglaterra em 1944 uniu-se ao grupo de Greene e Philby. Ao que parece, o agente do SIS que o substituiu em Moçambique encontrou no carro que Muggeridge lhe deixou uma pistola carregada e um documento de alta confidencialidade o que, se for verdade, supõe uma grave negligência. Mas a Muggeridge também se credita algumas atuações pelas quais recebeu felicitações em Londres. Uma delas, o seqüestro, em maio de 1943, de Alfredo Manna, um dos principais agentes da rede de espionagem italiana em Moçambique. Manna foi levado ao território britânico de Swazilandia* e seu interrogatório proporcionou muitos dados ao SIS. Além disto, Muggeridge interveio com acerto na captura de um submarino alemão, feito pelo qual recebeu felicitações do próprio chefe do MI6.
Durante o verão de 1943, a Subseção V se mudou para Londres, Rua Ryder 7, onde mais tarde seria a sede do jornal The Economist.
O local está situado perto do restrito Clube White´s, do qual era membro Sir Stuart Menzies, chefe supremo do SIS, conhecido por C, cujo nome permaneceu secreto durante muitos anos.
Da Rua Ryde, Greene dirigiu operações para anular a inteligência alemã na Península Ibérica. Os resultados foram tão brilhantes que, até o fim da guerra, o Abwehr (espionagem militar alemã) havia sido praticamente varrido, o que dá a idéia do excelente resultado do "jogo duplo" secreto que os britânicos desenvolveram para enganar o inimigo. O escritor explica: "Sabíamos que aqueles agentes da Abwehr que não trabalhavam para nós, trabalhavam com outros que
inventamos. Recebiam dinheiro e com ele pagavam agentes que, na realidade, não existiam".
De seu escritório do MI6, em Londres, Greene elaborou um manual interno com a lista de todas as pessoas que tinham trabalhado em Portugal para os serviços secretos das potências do Eixo. Tratava-se de um trabalho de envergadura, não apenas pela quantidade de agentes inimigos confirmados (mais de 2 mil), mas também por ter exigido uma confrontação rigorosa de muitos informes contraditórios.
Muitos dos agentes colaboraram com os britânicos, mas, por seu lado, eram pagos pelos serviços secretos alemães ou portugueses.
O agente escritor identificou também 46 empresas comerciais que acobertavam atividades de espionagem na Espanha e em Portugal.
Nesta época, ambos os países, um labirinto de intrigas, permitias que os espiões de um e outro lado se movimentassem com facilidade.
Hoje as terras da Swazilandia* se dividem entre a África do Sul e o Zimbábue, NT.
O centro nervoso de toda esta atividade de espionagem ficava em Lisboa. A capital portuguesa foi o teatro de operações de muitos agentes norte-americanos e britânicos. Mas lá também os alemães se mantinham ativos, principalmente na obtenção de informações sobre os comboios aliados que cruzavam o Atlântico, informações logo repassadas para os submarinos alemães.
Quando Greene assumiu o cargo dos assuntos portugueses na Subseção V, a vitória bélica se inclinava claramente para o lado aliado e haviam acontecido encontros secretos entre os governos de Salazar e de Londres para conversar sobre a ajuda que os britânicos poderiam prestar a Portugal, no remoto caso da invasão deste país pela Alemanha. As previsões eram que, então, os aliados ocupariam os Açores e as colônias africanas de Portugal, enquanto em Lisboa se enfrentaria a invasão com ações guerrilheiras. Como forma de contrariar a ajuda camuflada que a polícia portuguesa prestava ao Eixo, o SIS elaborou um dossiê intimidador detalhando as atividades dos agentes alemães em Portugal e a colaboração que estes recebiam do país. Diante disto, Salazar imediatamente tomou medidas contra a espionagem alemã, que incluíram o fechamento de estações de rádio e o desmantelamento de algumas redes. Como costuma acontecer nestes casos, à medida que a guerra ia sendo vencida pelos britânicos, o governo português foi se aproximando cada vez mais da causa aliada, até terminar praticamente identificando-se com os desejos de Londres.
Quando a derrota nazista evidenciou-se, muitos funcionários da representação diplomática alemã em Portugal se ofereceram para mudar de lado. Alguns foram pressionados pelo SIS, mas outros se ofereceram voluntariamente. Um destes voluntários foi um alto oficial da Abwehr, cujo nome em código era Artist * (artista) que, além de dar muitas informações valiosas aos britânicos, protegeu desertores membros da espionagem alemã e colaborou com a fuga de agentes britânicos em perigo. Artist, cujas atividades Greene conhecia, foi preso pela contra-espionagem alemã e enforcado em seu país.
Mas, nesta ocasião, a principal missão de Philby não era a desarticulação das redes de espionagem alemãs na Península Ibérica. Mas, segundo as instruções recebidas de Moscou, impedir a todo custo qualquer tentativa de paz com a Alemanha nas costas da União Soviética.
Este era seu objetivo fundamental e, dada a influente posição que ocupava no MI6, ele a desempenhou com perfeição.
Em novembro de 1943, de seu posto em Londres, Greene tomou parte na preparação de um encontro em Lisboa entre Otto John e um agente britânico. Otto John era um destacado alemão antinazista que estava por trás do atentado que quase matou Hitler em 20 de julho de 1944. John queria saber se o governo britânico estaria disposto a negociar a paz com um governo alemão presidido por ele, depois de eliminado Hitler da cena política. A resposta de Londres a esta solicitação foi vaga o que, sem dúvida, deixou o movimento clandestino alemão com poucas opções.
Philby manteve Otto John o mais longe possível do governo de Londres, assim suas propostas nunca foram levadas a sério e a possibilidade de paz separada com a Alemanha nem chegou a ser esboçada.
Como assinala Philby Knigthtley em seu livro The master spy: the story ok Kim Philby, a União Soviética queria instalar um governo títere comunista na Alemanha depois da guerra e Philby foi um instrumento muito útil na realização deste intento por sabotar os esforços de Otto John para se entender com Londres.
No fim de 1944, as intrigas de Philby dentro do MI6 conseguiram impedir a nomeação de Felix Cowgill para chefe da Subseção V.
Moscou considerava Cowgill um sincero adversário do comunismo e pediu a Philby que fizesse todo o possível para evitar que ele chefiasse o departamento. Ao mesmo tempo, Philby foi promovido a diretor de uma nova seção (Seção IX) destinada a reagir à espionagem soviética na iniciante Guerra Fria. Foram dois golpes de mestres que lhe permitiram dirigir quase completamente todo o sistema de inteligência britânico a favor dos interesses de Stálin.
De repente, nas vésperas do desembarque aliado na Normandia, quando ninguém esperava e sem que as razões de sua demissão, ainda hoje, sejam muito claras, Graham Greene anunciou a sua saída do MI6.
Posteriormente, em várias ocasiões, o escritor afirmou que não se sentia contente com seu trabalho de agente, que considerava rotineiro e aborrecido. "Era como trabalhar em um escritório", disse.
Sem dúvida, o momento de sua demissão não parecia o mais adequado, exato quando a guerra alcançava seu ponto culminante e a vitória parecia certa. Em duas entrevistas diferentes – concedidas em 1981 e 1983, citadas por seu biógrafo Norman Sherry – Greene justificou sua enigmática decisão: Sai do MI6 porque Philby queria me promover e eu não desejava a promoção, queria me mudar para o exterior. Equivoquei-me ao pensar que ele (Philby) tinha um interesse pessoal no meu caso. Subia rapidamente no serviço e calculei que ele tratava de também promover os amigos para lhe cobrir os flancos.
Greene chegou a descobrir que Philby era agente duplo a serviço da União Soviética? Se isto aconteceu, calou-se por saber que ninguém acreditaria e seguramente a denúncia provocaria a sua expulsão automática do MI6, já que Philby estava acima de qualquer suspeita.
Além do mais, Greene continuava considerando o "espiãomestre" um amigo e, em sua consciência, é possível que pudesse existir mais lealdade pessoal do que considerações patrióticas.
O que é certo é que Greene soube das manobras subterrâneas de Philby para derrubar Cowgill e isto o alarmou. Mas atribuiu a maquinação à ambição pessoal do chefe e companheiro. No prefácio de My silent war escreveu: Demiti-me antes de aceitar uma promoção que equivaleria a me converter numa pequena peça do mecanismo de suas intrigas.
Então, supus que se tratava de ânsia pessoal de poder, característica de Philby que me parecia a mais desagradável. Agora estou contente de ter me enganado. Ele servia a uma causa e não a si mesmo....
Para anunciar a sua demissão, Greene convidou Philby e um outro chefe para almoçar em um luxuoso restaurante de Londres.
No meio da refeição, avisou-os de sua decisão. Ambos pareceram ficar muito surpreendidos, ainda que Philby já devesse saber o que acontecia. Segundo ele mesmo contou a Norman Sherry, ao saber de sua promoção, falara com o escritor para avisar que o apoiaria se ele assumisse a Subseção V. Mas Greene recusou a oferta e apresentou a sua demissão do MI6. Philby acreditava que o "fator humano" do ofício (a perpétua desconfiança e a manipulação dos agentes portugueses) influíra na decisão no momento em que a guerra estava praticamente ganha e nada do que ele pudesse fazer mudaria a decisão de Greene. Philby declarou: "dei-lhe um pretexto para ele fugir de uma deprimente e desagradável rotina".
Após deixar o MI6, Greene foi transferido para o Departamento de Inteligência Política (PID) do Ministério de Assuntos Exteriores (Foreign Office), onde o avisaram que ele seria enviado à França para trabalhar na propaganda cultural quando ocorresse a invasão. Mas, na hora da verdade, não recorreram a ele.
No PID, Greene trabalhou com a romancista Antonia White e editou uma antologia de textos literários de propaganda: Choix (Eleição) para ser lançado na França. A primeira página do folheto era um poema dedicado à liberdade, que seus chefes consideram impróprio.
Mas Greene se empenhou para não mudar nada e a obra foi impressa como ele queria. Apesar disto, mostrou-se cético quanto os resultados do texto e se convenceu que as tripulações dos aviões se desfizeram do carregamento antes de lançá-lo a terra por considerar inútil jogar papéis, em vez de bombas, nos territórios franceses ocupados.
Em meados de julho de 1944, o escritor deixou definitivamente seu emprego público e reiniciou suas atividades de romancista e colaborador da imprensa. Sua experiência de espião profissional ficara para trás. Mas, de uma ou outra forma, continuou presente em alguma de suas melhores obras: Nosso homem em Havana, O Fator humano e O lobo solitário. Ainda que pretendesse fingir nada saber do assunto, de acordo com sua incurável tendência de dar pistas falsas sobre sua verdadeira personalidade. Assim, ironiza na introdução de O livro de cabeceira de um espião, fazendo uma recopilação de fragmentos ficcionais sobre a espionagem:
Apenas tenho títulos para escrever este prefácio, pois não estou seguro de, em minha vida, conhecer mais de uma dúzia de espiões. E, sobre eles, alimento as minhas dúvidas: um comerciante suíço que, há anos, tive a carteira de anotações em minhas mãos durante algumas horas (coisa gozada, guardava o endereço de um amigo meu que morava a duas milhas de distância e morreu apenas um ano depois, em um campo de concentração nazista). Outro homem, de origem mais indeterminada, com quem planejei passar as férias de Natal nas ilhas Bahamas, ainda que a malária tenha impedido a viagem. Mas não tenho motivos de duvidar daqueles espiões. Carecia das qualidades dos outros por ser iletrado. Não sabia contar além de dez e o único ponto que conhecia da bússola era o Leste por ser muçulmano (...)
Fama e aposentadoria
Pouco depois da guerra, Greene chegou a um acordo para escrever o resumo de um filme ambientado em Viena, cidade ocupada e repartida entre as quatro potências vencedoras. Com a colaboração do diretor Carol Reed nasceu O terceiro homem, uma história de mentiras e mercado negro na derrotada capital austríaca, filme que ficou em primeiro lugar no Festival de Cannes de 1949.
Imediatamente, Greene viajou pelo mundo inteiro como jornalista free-lance entrevistando políticos importantes. No final dos anos 1960, instalou-se perto de Nice, na Riviera Francesa, onde continuou escrevendo romances e aumentando a sua fama literária.
O escritor britânico Henry Reed resume o valor literário que Graham Greene trouxe ao romance de suspense, ampliando o seu significado não apenas em relação com a violência de nossos dias, mas principalmente como a violência distorcida da alma moderna e do submundo físico e espiritual que nos rodeia.
Sua maneira de abordar um romance não se assemelha a de nenhum romancista inglês anterior a ele, ainda que Greene não precise de antecessores. É como se ele pegasse o esqueleto de um romance convencional de suspense e o revestisse de vida e de caráter, elevando-o a um propósito simbólico. Ele soube ver o que é psicologicamente arquétipo nos temas literários populares, como o homem encurralado, dramatizando-os com o vigor e a consciência da arte séria.
Greene trabalhava durante as manhãs e, à tarde, logo após a sesta, corrigia o que escrevera no dia. Costumava ler em voz alta seus textos para confirmar a cadência e eufonia das frases. Considerava fundamental em um romance a inter-relação dos caracteres e não da trama, do qual surge um processo quase sonâmbulo. Afirmava:
A intervenção do romancista deve ser muito ligeira. Ser autor de romances assemelha-se a ser piloto de avião. Para decolar, um avião precisa da ajuda do piloto. Mas, uma vez que já está no ar, o piloto apenas interfere. Quando tudo começa a funcionar, as personagens acabam se impondo ao autor que já não pode controlá-los. Têm vida própria e o autor deve continuar escrevendo. Às vezes escreve coisas que aparentemente não tem razão de ser e só no fim esta razão aparece. Então, o autor volta a intervir para o avião pousar. É o momento de terminar o romance.
Durante anos, o FBI vigiou de perto Graham Greene por considerar suspeitas as suas idéias esquerdistas e pelas críticas que fez à Guerra do Vietnã no romance O lobo solitário, que foi filmado. Por seus encontros com personalidades como Ho-Chi-Minh e Fidel Castro e sua amizade com o dirigente nicaragüense Daniel Ortega.
Após perderem o status de "segredo oficial", documentos do governo norte-americano, citados pelo jornal britânico The Guardian, revelam que o FBI abriu e leu cartas de Graham Greene nos momentos mais tensos da Guerra Fria, época em que o impediram de entrar nos Estados Unidos, conseqüência de sua brevíssima filiação ao partido Comunista nos tempos universitários. Apesar disto, algumas pessoas, como o escritor inglês Evelyn Waugh, que conheceu Greene muito bem, duvidaram da sinceridade de seu esquerdismo (outra máscara da personagem). Waugh comentou: "é um agente secreto nosso. A adulação aos russos não passa de disfarce". Graham Greene recebeu muitos prêmios e honrarias e publicou dois volumes de sua autobiografia: A sort of life (1971) e Pontos de fuga (1980). Em seus últimos anos ainda encontrou forças para escrever livros interessantes como O fator humano, excelente romance de espionagem e o livro Monsehor Quixote, inspirado na figura do fidalgo de la Mancha.
Para tanto, inspirou-se em suas viagens pela Espanha e por Portugal na companhia do sacerdote Leopoldo Duran.
O escritor espião morreu em 3 de abril de 1991, em Vevey, na Suíça, perto do lago de Genebra, onde vivia com Ivonne Cloetta. Os dois haviam se conhecido em uma viagem a Camarões, na década de 1960.
Ela o ajudou a suportar a angústia do transe final.
*Cidade ao noroeste da Libéria, quase na fronteira de Serra Leoa, NT.
*Enclave entre Moçambique e a África do Sul.
*Artist (artista) - Um inglês no original, NT.