terça-feira, 5 de julho de 2011

OLD MAN AT THE BRIDGE

Ernest Hemingway

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Um velhinho com óculos de aro de metal, roupas carregadas de pó, estava sentado ao lado da estrada. No rio havia uma ponte de barcas. Camiões, carroças, homens, mulheres e crianças atravessavam-na. As carroças, puxadas a mulas, oscilavam ao trepar a margem íngreme. Soldados, agarrados aos aros das rodas, empurravam para auxiliar. À frente daquela mole, abrindo caminho, iam os camiões, e os camponeses esforçavam-se por se deslocar, enterrados naquela terrice seca que lhes dava pelo tornozelo. Porém, o velhinho que se sentara, nem se mexia. Estava demasiado fatigado para ir mais longe.

A minha missão era a travessar o rio, explorar a testa de ponte que, para além dele, se estabelecera, e descobrir até que ponto o inimigo tinha avançado. Cumprira as instruções recebidas e estava já de regresso. Agora, havia menos carroças e menos gente a pé, mas o velhinho lá estava.

- Você donde vem? – perguntei-lhe.
- De San Carlos – respondeu-me sorrindo.

Era a sua terra natal. Por isso teve prazer em mencioná-la e sorriu.

- Era eu quem cuidava dos animais – explicou.
- Oh! – exclamei eu, não percebendo lá muito bem.
- Sim – insistiu ele – Eu cuidava lá dos animais. Fui a última pessoa a abandonar a cidade de San Carlos.

Ele não tinha ar nem de pastor, nem de guardador de gado. Olhei para as suas roupas impregnadas de poeira negra, para o seu rosto cinzento de poeira, para os seus óculos com aros de metal e perguntei:

- Que animais?
- Vários animais – respondeu, agitando a cabeça. – Tive de os abandonar.

Olhei, então, para a ponte das barcas, para aquela zona do delta do Ebro que parecia mesmo África, perguntando a mim próprio quanto tempo teríamos ainda de esperar até vermos o inimigo, à escuta dos ligeiros ruídos que significassem esse acontecimento misterioso chamado ‘contato’. O velhinho continuava sentado.

- Que animais eram? – perguntei,
- Eram só três animais – explicou – Duas cabras, um gato. Havia ainda quatro casais de pombos.
- E teve de os abandonar? – insisti.
- Tive. Por causa da artilharia. O capitão mandou-me seguir, por causa da artilharia.
- E você não tem família? – inquiri, vigiando a outra extremidade da ponte, onde os últimos carros se apressavam a descer para a margem.
- Não – respondeu. – Só os animais que lhe disse. O gato, é claro, com esse não haverá perigo. Os gatos governa-se sozinhos, mas não faço ideia do que vai ser dos outros.
- Quais são as suas ideia políticas? – perguntei.
- Não tenho ideias políticas – respondeu. – Tenho setenta e seis anos. Já caminhei doze quilómetros e agora acho que não posso andar mais.
- Mas isto não é um bom lugar para ficar parado – observei. – Se aguentar, arranjará um camião na encruzilhada para Tortosa.
- Vou esperar aqui um bocado – respondeu ele. – Depois irei. Para onde é que vão esses camiões?
- Para Barcelona – disse-lhe eu.
- Não conheço ninguém para esses lados – comentou. – Mas muito obrigado. Muito, muito obrigado.

Olhava para mim. O seu rosto estava pálido, denunciando fadiga. Depois . vendo-se nitidamente que precisava de compartilhar as suas preocupações com alguém . disse:

- Tenho a certeza que com o gato não haverá perigo. Não preciso de me preocupar com ele. O pior são os outros. Diga-me uma coisa: O que é que pensa a respeito dos outros?
- Acho que se vão desenrascar.
- Acha que sim?
- Porque não? . retorqui-lhe, olhando para a outra margem onde já não havia quaisquer carroças.
- Mas que hão-de eles fazer debaixo do fogo de artilharia, quando a mim me disseram para retirar?
- Você deixou o pombal aberto? . perguntei-lhe.
- Deixei.
- Então os pombos fogem.
- Sim, claro que fogem. Mas os outros? Nem é bom pensar nos outros!
- Se já repousou é melhor andar . apressei-o eu. . Levante-se e experimente andar.
- Obrigado . disse.

Levantou-se, oscilou como um pêndulo, e deixou-se cair para trás, sentado na poeira.

- Eu cuidava dos animais . disse, melancolicamente.

E, agora, já não era para mim que falava.

- Eu só cuidava dos animais...

Não havia nada a fazer-lhe. Estávamos no domingo de Páscoa, e os fascistas avançavam para o Ebro. O dia mostrava-se triste e cinzento. As nuvens rasavam a terra. Por isso, não apareciam os aviões do inimigo. Essa circunstância e o facto de os gatos serem capazes de perfeitamente tomarem conta de si mesmos, eram as únicas coisas que, poderiam constituir para o velhinho um pálido sorriso da fortuna.

O observador.

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