sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

TRECHO Mérimée amordaçado

José Marcelo

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Os grilos cantam, alguma coisa com azas passa na frente da lua, e minha filha linda e louca sorri para o reflexo na janela.

O que está fazendo?

Ela se vira. Vendo a garotinha.

Garotinha?

Ela aponta para o reflexo.

A garotinha triste diz.

E por que ela está triste?

Você não sabe?

Não… Me diga.

Ela está morrendo.

Morrendo? Não, ela não está.

Ela me olha muito séria. Está sim, diz. Você deveria saber. É você quem a está matando.

Então ela abre a boca. Muda. Escancarada. E começa a gritar. Minha filha cai no chão e começa a espernear e a se debater até fechar os olhos repentinamente. Um movimento breve, pouco mais que um piscar. Ela voltou a sorrir. Me olha e murmura algo que eu não entendo.

O que foi?

A garotinha se foi. Agora sou só eu diz ela.

E quem é você?

Não seja bobo. Sou sua filha.

Ela se levanta e caminha na direção do corredor. Vou tomar banho diz. Ela vai andando e despindo-se do vestido amarrotado e da calcinha minúscula. Percebo com uma pontada que ela se tornou uma bela mulher. Ela entra no banheiro, mas não fecha a porta.

Ouço o chuveiro e a voz dela, suave como sempre fica quando está tranquila, agora cantarolando uma canção que desconheço, algo infantil e agradável.

Olho pra minhas mãos. Estão tremendo.

 

 

 

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