sexta-feira, 29 de abril de 2011

PORNÔ FANTASMA

Santiago Nazarian

daniel_radcliffe

“Jesus, tire essa meleca de cima do meu bolinho de arroz,” diz Bianca desviando o olhar da foto e pegando o frasco de molho inglês.
Jefferson puxa a foto de volta e a examina cuidadosamente, como se para tentar identificar o que nela poderia enojar aquela mulher num almoço de sábado.
“Como você esta pudica,” diz ainda com a foto para si. “É só a foto de um menino nu.”
“Exato. E de pau duro. Com pose de filme pornô de quinta. Não preciso ver essas coisas enquanto eu como.”
Jefferson guarda a foto e abre um sorriso. “Não era para olhar para o pau. Contenha-se. Era só para ver o rosto. O rosto. Não se parece?”
Bianca morde o bolinho sem olhar para Jefferson, tentando não denunciar a ele que ainda está envergonhada.
“Esse papo está meio doente, Jeff...”
Jefferson então se exaspera e debruça-se mais perto de Bianca. Pega um bolinho da travessa.
“Escuta, eu sei que é doença. Mas você sabe pelo que eu passei. Por isso tinha de te mostrar a foto. Não se parece com ele? Me diz. Não parece?”
Ele tira novamente a foto e estica ostensivamente para Bianca. Relutante, ela a pega, dobra ao meio e olha apenas o rosto. As mesas daquele restaurante são juntas demais. Cada refeição é uma vitrine e ela acha que Jefferson está se excedendo naquele ambiente em que todos os olhos são invasivos. Casais gays ao lado. Uma jornalista lésbica atrás. Jesus, naquele restaurante cada refeição é um outdoor, e ela não acha que está em condições de vender mercadoria alguma com aquela conversa, naquele clima. Olha o rosto do menino. Entrega a foto de volta para Jefferson. Não está impressionada.
“Parece. Não parece. Tanto faz. É um menino branco, de idade próxima, mesmo corte de cabelo, não há nada de especial. Pode parecer com qualquer um...”
“Diabos, Bianca....” Ok, ela sabe que não é por aí.
“Desculpe, não digo que o Victor se parece com qualquer um. Digo esse menino aí. Esse...”
“Ben. Benjamin Ford.”
“Benjamin Ford... Que nome.”
“Provavelmente é pseudônimo. Todos na indústria pornô têm.”
Bianca bebe sua caipirinha. “E provavelmente por ter essa cara comum é que faz sucesso na indústria pornô, porque se parece com qualquer menino, filho de qualquer um, se encaixa em qualquer fantasia.”
A expressão de Jefferson agora está entre a indignação e o abandono. “Isso não é uma tara doentia minha...”
“Então o que é, Jeff?”
O olhar dele congela nela. Como ela pode pensar nisso? “Como pode pensar nisso? Eu...”
“Como descobriu esse menino?” Bianca pergunta, agora pegando um bolinho, dando um gole na caipirinha e ameaçando acender um cigarro, tudo ao mesmo tempo.
“Um site gay,” Jefferson admite agressivamente.
“Exato, claro, isso, um site gay. Onde as pessoas assistem vídeos para se masturbar. Onde você procurou vídeos para isso também.”
Jeff larga o bolinho que pegara e reclina na cadeira. “Eu não procurei meninos iguais ao Victor para me masturbar. Foi uma coincidência.”
Bianca mantém o olhar firme. Mas suaviza. Sabe que não pode acusar seu amigo de desejar o filho morto. É muita doença. É muita doença, mas ela sabe que pode ser. Só não pode acusar. Não pode acusar. Suaviza.
“Desculpe... Olha, Jeff, este papo está muito mórbido...”
Ele se debruça novamente próximo a ela. “Bianca, você é minha melhor amiga. Eu precisava desabafar isso com você. Por favor. Se eu não posso desabafar contigo, com quem mais?”
Jefferson olha para os lados e percebe que o casal gay na mesa do lado também acompanha a discussão, agora talvez com interesse redobrado. Um deles veste regata, Jeferson repara. Diabos, o pessoal não tem o mínimo bom senso para vestir uma regata num restaurante, Jefferson pensa. Recosta-se novamente na cadeira e abaixa o tom de voz.
“Eu quero ir atrás desse menino.”
Bianca engasga na caipirinha - ou no bolinho de arroz? “Atrás desse menino? Você está louco?!”
“Eu sinto que é o destino.”
Ela pega o guardanapo e limpa a bebida que escorre da boca. “Destino? Que destino? Você nunca acreditou nessas coisas... Que papo louco é esse, Jeff? O que anda acontecendo com você?”
“Tenho pensado muito no Victor.”
“Normal, natural. Seu filho morreu muito novo, é natural que se lembre dele. Eu sei como é triste. Mas esse Ben Foster...”
“Ben Ford.”
“Esse Ben Ford não tem nada a ver com essa história. Essa é a doença.”
Jefferson sacode a cabeça para continuar a argumentar, então vem o garçom com os pratos. Garçom bonito, pensa Jefferson. Lembra também um amigo de Victor, o Miguel - maldito Miguel. Jefferson agradece os pratos. Bianca começa imediatamente a comer. O garçom-miguel parte.
“Eu acho que ele pode estar em perigo.”
Bianca agora faz uma expressão de que prefere curtir seu linguine do que continuar a conversa. “Se quer ajudar adolescentes problemáticos, Jeff, tem muitas maneiras melhores do que correr atrás de um ator pornô. Sei lá. Ligue para o Criança Esperança.”
“Acho que posso fazer por ele o que não pude fazer pelo Victor.”
Bianca agora tem de largar os talheres e encarar seu amigo. Tem vontade de gritar. Mas sussurra incisivamente.
“Você está mesmo louco. Está projetando num ator pornô o seu filho morto. Não percebe quão doente é isso, Jeff? Você precisa se tratar... Sério. Não, sério, não estou falando para ser agressiva. É sério, Jeff, você precisa conversar com um psiquiatra sobre isso. Urgente!”
Jefferson tenta interrompê-la, estendendo a mão. Já previa aquele papo. Finalmente ela se silencia.
“Eu sei o que parece, Bianca. Não estou louco, claro que não. E claro que descobri este menino porque entrei num site de putaria, queria bater uma punheta, sim, mas foi o que me acordou para minha consciência social.”
Bianca ri em deboche. “E o que é sua ‘consciência social’?”
“Que muitos dos meninos que estão lá são reféns das drogas. E fazem qualquer coisa, qualquer coisa pela grana ou pela cocaína, pela heroína, pelo crack. É disso que se alimenta a indústria pornográfica, de garotos de família viciados, como o Victor. E nós estamos financiando...”
“Victor não era ator pornô.”
Jefferson balança a cabeça como se não importasse. Olha então para seu hambúrguer, que esfria. “Não importa. Talvez tivesse chegado lá, se não tivesse morrido antes. Talvez morresse logo em seguida, como esse Ben Ford.”
“Ben Ford morreu?”
Jefferson então empurra o prato como se já tivesse terminado de comer. “Não... que eu saiba. Ele ainda está vivo. Eles postam vídeos novos dele toda sexta...”
“Você vê essas porcarias toda sexta?”
“Eu vejo essas porcarias todos os dias, Bianca. Todos os dias. E todos os dias me preocupo. Todos os dias penso que esse menino, que parece tanto o Victor, está com os dias contados. E todas as sextas ele parece mais cansado, mais exausto, mais perdido, um dia a menos de vida. Diabos, Bianca, você sabe que sou gay; sabe que depois que me separei nunca mais... Mas isso não me excita, te juro. Não me excita. E eu acho que isso sim é doente. Toda sexta ele está de volta e mais perto da morte. Não sei como alguém pode se masturbar com esse menino com o olhar tão perdido. Ele nem sabe onde está, nem sabe o que está fazendo, é só um menino...”
Bianca então o interrompe. “Ele é maior de idade? Digo, esse Ben Ford?”
Jefferson dá de ombros. “Deve ser, para fazer esses filmes. Deve ter pouco mais de dezoito.”
“Você precisa ter certeza, Jeff, ficar vendo essas coisas com menor de idade já é crime em si...”
Ele balança a cabeça. “Não, não. É um site confiável. Paguei com cartão de crédito.” Bianca se espanta.
“Você PAGA para ver isso?” Jefferson estende as mãos em obviedade. “Achou que seria de graça?” Bianca volta a seu linguine.
“Por mais que eu queira, nunca vou entender vocês gays.”
“Nós homens, Bianca. Pornografia é coisa de homem. Qualquer homem pagaria.”
Ela engole e o incentiva, para acabar logo com essa história.
“Tá. E daí?”
Ele pega da caipirinha dela. Bebe. Já não há muito além de gelo. Acena para o garçom, “traz mais uma?” e continua: “Daí que quero sua ajuda.”
“Ai...” diz ela.
“É. ‘Ai’. Quero sua ajuda. Quero que descubra onde gravam esses vídeos. Para você não é difícil. O site não tem muitas informações, mas você não teria dificuldade em descobrir. Quero saber a cidade, o endereço, quero ir atrás desse menino. Vou pagar o que for preciso para tirá-lo disso. Pagar para o que ele quiser fazer e o que for preciso para o livrar do vício. Ele não deve ter um pai que se importe, assim como eu não me importei o suficiente quando o Victor estava em perigo. Eu preciso fazer isso. Quero ajudar esse menino, Bianca. Me ajude a encontrar esse Benjamin Ford. Ou quem quer que ele seja.”

Santiago Nazarian blog.

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