Um dia ideal para os peixes-banana e livros e cinema e gibis e nus e ataxia espinocerebelar e 𓋹
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
MANUAL DA PAIXÃO SOLITÁRIA
Moacyr Scliar
Trecho:
Como vinha acontecendo desde 1990, a comissão organizadora do Congresso de Estudos Bíblicos, realizado cada ano numa cidade brasileira, selecionou uma passagem bíblica como tema central do encontro: Gênesis, capítulo 38, texto que conta a história do patriarca Judá, de seus filhos e de uma mulher chamada Tamar.
A escolha despertou inusitado interesse. Na sua fala inicial, proferida no auditório do elegante hotel de veraneio em que se reuniam os congressistas, cerca de duzentos, disse o presidente da Sociedade Cultural de Estudos Bíblicos, o historiador José Domício Ferraz:
- Trata-se, permitam recordar-lhes, de uma história estranha. Para começar, está inserida numa outra narrativa, aquela que nos fala de José no Egito, narrativa essa que é bruscamente interrompida. E a sucessão de acontecimentos é surpreendente, quando não chocante. Tudo começa quando Judá, um dos irmãos de José, "afasta-se de seus irmãos" e vai viver na casa de um homem chamado Hirá, encontra uma canaanita, com quem casa, tornando-se pai detrês filhos, Er, Onan, Shelá. Eles crescem e Judá arranja uma esposa, Tamar, para o primogênito Er. Por alguma razão que o texto não esclarece, Er desagrada ao Senhor e morre sem engravidar Tamar. De acordo com a tradição, se o irmão mais velho falecia sem deixar filhos, competia a seu irmão ter relações com a viúva de modo a assegurar a progênie. Mas Onan, sabendo que o filho de Tamar não seria considerado dele (e que esse filho seria o herdeiro do patriarca, não ele), cumpre seu dever de forma parcial; ele "derrama o sêmen na terra", praticando, pois, coito interrompido, o que também acarreta a sua morte. Restaria o terceiro filho, mas Judá, temeroso de que o rapaz tenha a mesma sorte dos irmãos, pede a Tamar que espere algum tempo: afinal, Shelá não é ainda adulto, homem-feito. Coisa que Tamar, como podemos imaginar, não aceita de bom grado.Tempos depois realiza-se em Timna, localidade próxima, uma reunião de criadores de ovelhas para tosquia. Judá, agora viúvo, ali comparece. No caminho passa por Enaim, onde há um templo pagão e onde vê uma mulher coberta por um véu, aparentemente uma prostituta. Seu desejo despertado, oferece-lhe, em troca da relação sexual, um cabrito, a ser enviado depois. A mulher aceita, mas pede uma garantia: o cajado, o sinete e o cordão de Judá, símbolos da dignidade patriarcal. Judá, ainda que relutante, concorda. De volta a casa, pede a um amigo que leve o cabrito à mulher, mas surpreendentemente ela não é encontrada. Ninguém a conhece.
Interrompeu-se, tomou um gole d'água e continuou:
- Pouco depois Tamar aparece grávida. Tomado de fúria- ela ainda deveria estar sob seu controle patriarcal-, Judá condena-a à morte. Tamar então revela que o pai do filho que traz no ventre é o dono do cajado, do sinete e do cordão: o próprio patriarca. Judá reconhece que foi enganado e assume a paternidade. Tamar dá à luz gêmeos, Zerá e Perez - que será um antepassado do rei Davi e de José, o pai terreno de Jesus. Com isso encerra-se a história. Que, como sabemos, apresenta vários aspectos interessantes. Em primeiro lugar, o costume do levirato, comum no Oriente Médio da época, segundo o qual o irmão ou parente de um homem morto deve dar um filho à viúva. Havia para isso uma explicação prática: a viúva não poderia herdar as propriedades do esposo falecido, só os filhos. Compreende-se assim a determinação de Tamar em engravidar, e para tal recorrerá a uma artimanha. Nisso, não é exceção. O Gênesis conta como Rebeca enganou Isaac, fazendo com que o já senil patriarca abençoasse, e portanto reconhecesse como herdeiro, o filho de ambos, Jacó, em detrimento do primogênito Esaú; como este era peludo, Rebeca disfarçou Jacó com um pelego de carneiro.
Nova pausa, e prosseguiu:
- A astúcia de Tamar, como a de Rebeca, fica evidente. Ela se vale do fato de que a prostituição religiosa era uma coisa comum no Oriente Médio, praticada inclusive por mulheres casadas, que se entregavam a estranhos em nome da religião. Era esse o disfarce que Tamar estava adotando, recorrendo inclusive a um véu para não ser reconhecida.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
FIGHT
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
O QUE VOCÊ É O QUE GOSTARIA DE SER O QUE VOCÊ É.
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
PEQUENA ABELHA
__ Uma cicatriz nunca é feia. Isto é o que aqueles que as produzem querem que pensemos. (…) Uma cicatriz significa: Eu sobrevivi.
Chris Cleave
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
REINO DO MEDO
Segredos abomináveis de um filho desventurado nos dias finais do século americano
Hunter S. Thompson
Um trecho:
Parte I
Quando a coisa fica bizarra, o bizarro vira profissional
Não existem piadas. A verdade é a piada mais engraçada de todas.
Muhammad Ali
A CAIXA DE CORREIO: LOUISVILLE, VERÃO DE 1946
Meus pais eram pessoas de bem e fui criado, como meus amigos, para acreditar que a Polícia era nossa amiga e protetora - o Distintivo era símbolo de uma autoridade extremamente elevada, talvez a mais elevada de todas. Ninguém jamais perguntava por quê. Era uma dessas perguntas impróprias que é preferível deixar quietas. Se você precisava perguntar isso, com certeza era Culpado como o diabo por algo e provavelmente devia estar atrás das grades havia muito tempo. Ninguém ganhava com isso.
Meu primeiro confronto com o FBI ocorreu quando eu tinha nove anos. Dois Agentes carrancudos vieram à nossa casa e aterrorizaram meus pais dizendo que eu era o "principal suspeito" de ter derrubado uma Caixa Postal Federal na frente de um ônibus que vinha em alta velocidade. Era um Crime Federal, disseram, e implicava uma sentença de cinco anos de prisão.
"Ah, não!", chorou minha mãe. "Na prisão, não! Isso é loucura! Ele é só uma criança. Como poderia saber?"
"O aviso está impresso claramente sobre a caixa de correio", disse o agente de terno cinza. "Ele já tem idade para ler."
"Não necessariamente", meu pai retrucou com rispidez. "Como sabe que ele não é cego ou debilóide?"
"Você é debilóide, filho?", o agente perguntou para mim. "Você é cego? Você só estava fingindo ler aquele jornal quando entramos?" Ele apontou para o Louisville Courier-Journal sobre o sofá.
"Era só a seção de esportes", falei. "Não consigo ler as outras coisas."
"Viu?", disse meu pai. "Eu falei que ele era debilóide."
"A ignorância da lei não é desculpa", respondeu o agente de terno marrom. "Interferir no Correio dos Estados Unidos é um crime federal punível pela lei federal. Aquela caixa de correio ficou bastante danificada."
As caixas de correio daquela época eram imensas. Eram cofres verdes pesados que se erguiam como marcos miliários nas esquinas dos itinerários dos ônibus da vizinhança e que raramente eram deslocadas, para não dizer nunca. Eu mal tinha altura para alcançar a abertura para o depósito de correspondência, muito menos tinha tamanho para derrubar a desgraçada na frente de um ônibus. Era claramente impossível que eu tivesse cometido aquele crime sem ajuda, e era isto que eles queriam: nomes e endereços, seguidos de uma confissão completa. Eles disseram que já sabiam que eu era culpado, porque outros criminosos tinham me dedurado. Meus pais baixaram a cabeça e vi minha mãe chorar.
Eu tinha feito aquilo, claro, e com muita ajuda. Foi cuidadosamente tramado e planejado, uma emboscada premeditada que preparamos e executamos com a diabólica habilidade de que são capazes as crianças inteligentes de nove anos com tempo de sobra à disposição e uma ânsia vingativa contra um motorista de ônibus idiota e grosso que se divertia fechando a porta e indo embora bem quando corríamos morro acima implorando-lhe que nos deixasse subir... Ele era novo no emprego, talvez um substituto com problemas mentais ocupando temporariamente o lugar do motorista oficial, que era amistoso, gentil e sempre estava disposto a aguardar alguns segundos pelas crianças que corriam atrasadas para o colégio. Toda a garotada do bairro concordava que o porco do novo motorista era um sádico que merecia ser punido, e os mais aptos a fazê-lo eram os Hawks A. C. Víamos mais como dever do que travessura. Era um Insulto insolente à honra de todo o bairro.
Íamos precisar de cordas, roldanas e certamente de uma ausência total de testemunhas para executar bem o serviço. Tínhamos que inclinar o monstro de aço a ponto de ele ficar perfeitamente equilibrado para cair de imediato, bem na hora em que o imbecil invadisse o ponto de ônibus com a velocidade arrogante de sempre. Tudo que mantinha a caixa mais ou menos em pé eram minhas mãos segurando um longo cordão "invisível" que tínhamos esticado cuidadosamente a partir da esquina, atravessando cerca de quinze metros de grama até a posição em que ficamos agachados, fora da vista, em meio a uns arbustos.
A engenhoca funcionou com perfeição. O desgraçado chegou bem no horário e veio rápido demais para frear quando viu aquela coisa caindo na frente dele... A colisão provocou um barulho horrível, como uma bomba sendo detonada ou um trem de carga explodindo na Alemanha. Pelo menos é assim que me lembro. Era o pior barulho que eu já tinha ouvido. As pessoas saíram correndo e gritando de suas casas como galinhas espavoridas de medo. Ficaram berrando umas com as outras enquanto o motorista saía trôpego do ônibus e desabava com tudo na grama... O ônibus não trazia nenhum passageiro, como era costume no final da linha. O homem não se feriu, mas espumou de raiva quando nos viu fugindo pela colina até uma ruela próxima. Entendeu num piscar de olhos quem tinha sido responsável por aquilo, assim como a maioria de nossos vizinhos.
"Por que negar, Hunter?", disse um dos agentes do FBI. "Sabemos exatamente o que aconteceu sábado naquela esquina. Seus amiguinhos já confessaram, filho. Eles delataram você. Sabemos que foi você, portanto não minta para nós agora, ou piorará as coisas para o seu lado. Um bom garoto como você não merece ir para o presídio federal." Ele sorriu de novo e piscou para o meu pai, que reagiu rosnando: "Diga a verdade, droga! Não minta para esses homens. Eles têm testemunhas!". Os agentes do FBI entreolharam-se com seriedade, trocaram um aceno de cabeça e fizeram menção de me prender.
Foi um momento mágico da minha vida, um momento marcante para mim ou para qualquer menino de nove anos que estivesse crescendo nos anos 1940, depois da Segunda Guerra Mundial - e lembro claramente de ter pensado: Bem, então é isso. Esses são os G-Men...
CRAU! Foi como o clarão de um relâmpago próximo que ilumina o céu por três ou quatro aterrorizantes décimos de segundo antes de você escutar o trovão - uma questão de zeptossegundos em tempo real -, mas se você é um menino de nove anos prestes a ser recolhido e atirado numa prisão federal por dois (2) agentes adultos do FBI, uns poucos e silenciosos zeptossegundos podem parecer todo o resto de sua vida... Foi essa a minha impressão naquele dia e, fazendo um amargo retrospecto, eu estava certo. Eles tinham me pegado com a boca na botija. Eu era Culpado. Por que negar? Era confessar Agora e submeter-me à misericórdia deles ou...
Ou o quê? E se eu não confessasse? Essa era a questão. E eu era um menino curioso, portanto decidi, naquela situação, jogar os dados e fazer a eles uma pergunta.
"Quem?", perguntei. "Que testemunha?"
Não era nada de mais para perguntar naquelas circunstâncias - e eu realmente queria saber exatamente qual dos meus melhores amigos e irmãos de sangue do temido Hawks A. C. tinha cedido sob pressão e me denunciado a esses mal-encarados, a esses brutamontes pomposos e lambe-botas com seus distintivos de plástico guardados na carteira, que alegavam trabalhar para J. Edgar Hoover e ter o Direito, e até mesmo o dever, de me botar na cadeia porque tinham escutado "um boato na vizinhança" de que alguns dos meus companheiros tinham entregado os pontos e me dedurado. O quê? Não. Impossível.
Ou pouco provável, pelo menos. Diabo, ninguém cagüetava no Hawks A. C., não o presidente, pelo menos. Não Eu. Então perguntei de novo: "Testemunhas? Que testemunhas?".
E bastou isso, pelo que me lembro. Observamos um instante de silêncio, como diria meu velho amigo Edward Bennet Williams. Ninguém falou nada - principalmente eu -, e quando meu pai finalmente rompeu o sombrio silêncio havia dúvida em sua voz. "Acho que meu filho levantou uma boa questão, oficial. Comquem, exatamente, vocês falaram? Eu estava prestes a fazer a mesma pergunta."
"Não foi com o Duke!", gritei. "Ele foi para Lexington com o pai dele! E não foi o Ching! Nem o Jay!"
"Cale-se", disse meu pai. "Fique quieto e deixe que eu lido com isso, seu tonto."
E foi isso que aconteceu, amigos. Nunca mais vimos aqueles agentes do FBI. Nunca. E aprendi uma lição eficaz: jamais acredite na primeira coisa que um agente do FBI lhe disser sobre qualquer coisa - principalmente se ele parece acreditar que você é culpado de um crime. Talvez ele não tenha provas. Talvez esteja blefando. Talvez você seja inocente. Talvez. A Lei pode ser obscura a respeito dessas coisas... Mas é uma jogada que definitivamente vale a pena.
De qualquer modo, ninguém foi preso por causa daquele suposto incidente. Os agentes do FBI foram embora, a Caixa de Correio dos EUA foi colocada novamente em pé sobre suas pesadas pernas de aço e nunca mais voltamos a ver aquele porco bêbado daquele motorista de ônibus substituto.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
O GRANDE GATSBY
O jogo do clássico de F. Scott Fitzgerald, com gráficos a lá super nintendo.
Para jogar, clique na imagem.
ALL STAR SUPERMAN
Sinopse: Após ser envenenado por radiação solar, o Homem de Aço, está morrendo lentamente. Com o pouco tempo que lhe resta, o Último Filho de Kripton precisa confrontar seu passado, presente e futuro, revelar sua identidade secreta para Lois Lane e ainda enfrentar Luthor em uma batalha final!
Baseado no gibizaço de Grant Morrison e Frank Quitely.
Para ver, clique na imagem e vá ao Filmes com legenda.
domingo, 20 de fevereiro de 2011
O PINOCHIO
DE GUILHERMO DEL TORO.
__ Todo conto de fadas e todas as narrativas infantis têm que ter elementos sombrios, algo que os Irmãos Grimm, Hans Christian Anderson e Walt Disney entendiam, disse Del Toro. Nós tendemos a chamar as coisas de disneyficadas, mas muitas pessoas se esquecem o quão perturbadores são as melhores animações da Disney, inclusive as crianças que são transformadas em burros em Pinocchio. O que estamos tentando fazer é apresentar um Pinocchio que é mais fiel àquilo que o Collodi escreveu.
__ A Fada Azul é na realidade o espírito de uma garota morta, continua Guilhermo. Pinocchio tem estranhos momentos de sonhos lúcidos que são quase alucinações. A baleia que engole Pinocchio é na verdade um cação gigante, o que permite uma escala e design mais clássicos. Ele é um dos personagens cuja pureza permite sobreviver nesse cenário sombrio de ladrões e vândalos, emergindo da escuridão com sua alma intacta.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
CEMITÉRIO DE PIANOS
José Luis Peixoto
Um trecho:
Hoje para sempre. Não há nenhuma diferença entre aquilo que aconteceu mesmo e aquilo que fui distorcendo com a imaginação, repetidamente, repetidamente, ao longo dos anos. Não há nenhuma diferença entre as imagens baças que lembro e as palavras cruas, cruéis, que acredito que lembro, mas que são apenas reflexos construídos pela culpa. O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio: com o meu medo, com a minha culpa, com o meu arrependimento.
MPD PSYCHO
Sinopse: Kobayashi uma vez era um policial trabalhando para a divisão de homicídios quando a tragédia caiu sobre ele nas mãos de um homem chamado Shinji Nishizono, e seu cérebro acionou uma personalidade oculta. O Yousuke se tornou Kazuhiko Amamiya, um investigador criminal, e que logo após matou Nishizono em um ato de vingança. Esse incidente o forçou à uma aposentadoria prematura. Anos mais tarde, ocorreu uma série de assassinatos bizarros com similaridades em comum, que logo levou Amamiya a sair da aposentadoria. Com a ajuda de Machi Isono (Tomoko Nakajima) e seu velho parceiro, Tooru Sasayama (Ren Osugi) eles começam a resolver esses casos e à descobrir que os misteriosos bar-coders estão por trás deles. Para tornar as coisas piores, os suspeitos alegam ser Shinji Nishizono. Ele está morto ou uma trama muito mais sinistra está se desenvolvendo?
Esse é o live-action de um mangá de mesmo nome onde psicopatas decepam, cortam, rasgam, esquartejam brutalmente suas vítimas e ainda por cima fazem enfeites com elas. Cabe ao detetive com várias personalidades encontrar e prender esses assasinos.
Série muito – muito – louca de Takashi Miike. Para baixar, clique na imagem e vá ao Asian space.
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
O CAPITÃO ALATRISTE
Arturo Pérez-Reverte
Um trecho:
Era uma vez: nos regia um capitão que trazia ferimentos por ocasião de sua primeira agonia.
Senhores, que capitão o capitão daquele dia!
E. MARQUINA, Em Flandres o sol se pôs
1.
A TAVERNA DO TURCO
Não era o homem mais honesto nem o mais piedoso, mas era um homem valente. Chamava-se Diego Alatriste y Tenorio e lutara como soldado dos terços velhos nas guerras de Flandres. Quando o conheci, ele sobrevivia a duras penas em Madri, alugando-se por quatro maravedis em trabalhos de pouco lustre, freqüentemente como espadachim por conta de terceiros que não tinham a destreza ou o arrojo suficiente para sustentar suas próprias querelas. O de sempre: um marido cornudo aqui, um pleito ou uma herança duvidosa ali, dívidas de jogo pagas pela metade e mais alguns et ceteras. Agora é fácil criticar; mas naquele tempo a capital das Espanhas era um lugar onde se ganhava a vida aos solavancos, pelas esquinas, entre o brilho de dois aços. Em tudo isso Diego Alatriste se desempenhava com perícia. Tinha muita destreza na hora de puxar a espada e manuseava ainda melhor, com a malícia da canhota, aquela adaga estreita e comprida chamada por alguns de vizcaína, que os pelejadores profissionais usam muitas vezes como auxílio. Uma de cal e outra de vizcaína, dizia-se. Enquanto o adversário estava ocupado dando e desviando estocadas com fina esgrima, de repente lhe vinha de baixo, nas tripas, uma facada curta como um relâmpago que não lhe dava tempo nem de pedir confissão. Sim. Já disse a vossas mercês que eram tempos duros.
O capitão Alatriste, portanto, vivia da sua espada. Pelo que sei, a designação capitão era mais um apelido que um posto efetivo. A alcunha vinha do passado: de quando, lutando como soldado nas guerras do rei, certa noite teve que atravessar um rio gelado com vinte e nove companheiros e um capitão de verdade, imaginem a cena, viva a Espanha e essas coisas, todos com a espada entre os dentes e em mangas de camisa para se confundirem com a neve, a fim de surpreender um destacamento holandês. Que era o inimigo da época, porque pretendiam proclamar-se independentes, os ingratos. O fato é que afinal conseguiram, mas antes nós os apoquentamos bastante. Voltando ao capitão, a idéia era agüentar ali, na margem de um rio, ou um dique, ou o que diabos fosse, até que ao alvorecer as tropas do rei nosso senhor lançassem um ataque para se unir a eles. Resultado, os hereges foram devidamente apunhalados sem ter tempo de piscar os olhos. Estavam dormindo como marmotas, e nisso os nossos saíram da água precisando se aquecer e venceram o frio mandando hereges para o inferno, ou seja lá onde for que vão parar esses malditos luteranos. O problema é que depois chegou a alvorada, e avançou a manhã, e o outro ataque espanhol não aconteceu. Coisas, contaram depois, de ciúmes entre mestres-de-campo e generais. A verdade é que os trinta e um ficaram ali abandonados à própria sorte, entre blasfêmias, pelas vidas de e rogos a tal, cercados de holandeses dispostos a vingar a degola de seus camaradas. Mais perdidos que a Invencível Armada do bom rei dom Felipe o Segundo. Foi um dia longo e duríssimo. E, para que vossas mercês tenham uma idéia, apenas dois espanhóis conseguiram regressar à outra margem quando a noite caiu. Diego Alatriste era um deles, e como havia comandado a tropa durante aquele dia inteiro - o capitão de verdade fora posto fora de combate logo na primeira escaramuça, com dois palmos de aço saindo pelas costas -, ficou com o apelido, mesmo sem ter desfrutado do emprego. Capitão por um dia, de uma tropa sentenciada à morte que passou desta para a melhor vendendo cara a própria pele, um atrás do outro, com o rio às suas costas e blasfemando em bom castelhano. Coisas da guerra e da voragem. Coisas da Espanha.
Enfim. Meu pai foi o outro soldado espanhol que se salvou naquela noite. Chamava-se Lope Balboa, era guipuzcoano e era também um homem valente. Dizem que Diego Alatriste e ele haviam sido ótimos amigos, quase como irmãos; e deve ser verdade, porque depois, quando mataram meu pai com um tiro de arcabuz num baluarte de Jülich - e por isso mais tarde Diego Velásquez não o incluiu no quadro da tomada de Breda como fez com seu amigo e xará Alatriste, que está lá, atrás do cavalo -, este jurou que cuidaria de mim quando eu crescesse. Foi esse o motivo que fez minha mãe, antes de eu completar meus treze anos, enfiar uma camisa, umas calças, um rosário e uma côdea de pão numa trouxa e me mandar vir morar com o capitão, aproveitando a viagem de um primo dela a Madri. Foi assim que comecei a servir, meio criado, meio pajem, ao amigo do meu pai.
Uma confidência: duvido que a autora dos meus dias, se o conhecesse bem, tivesse me enviado tão alegremente para servi-lo. Mas suponho que o título de capitão, ainda que apócrifo, dava ao personagem um verniz de honorabilidade. Além disso, minha pobre mãe não estava bem de saúde e tinha mais duas filhas para alimentar. Assim, tirava uma boca da mesa e me dava a oportunidade de tentar fortuna na Corte. De modo que me despachou com o primo sem se preocupar em saber mais detalhes, junto com uma extensa carta, escrita pelo padre da nossa aldeia, em que ela recordava a Diego Alatriste seus compromissos e sua amizade com o falecido. Lembro que comecei a servi-lo pouco depois de sua volta de Flandres, porque uma ferida feia que tinha no flanco, produzida em Fleurus, ainda era recente e lhe causava fortes dores; e eu, recém-chegado, tímido e assustadiço como um camundongo, ouvia de noite, no meu enxergão, seus passos para cima e para baixo no quarto, incapaz de conciliar o sono. E às vezes o ouvia cantarolando em voz baixacoplas entrecortadas por acessos de dor, versos de Lope, uma maldição ou um comentário em voz alta para si mesmo, entre resignado e quase divertido com a situação. Aquilo era muito típico do capitão: encarar cada um de seus males e desgraças como uma espécie de peça inevitável que um velho conhecido de perversas intenções lhe pregava de vez em quando para divertir-se. Talvez fosse essa a causa de seu peculiar senso de humor, áspero, imutável e desesperado.
Já passou muito tempo e eu me atrapalho um pouco com as datas. Mas a história que vou contar deve ter ocorrido mais ou menos em mil seiscentos e vinte e tantos. É a aventura dos mascarados e dos dois ingleses, que deu muito o que falar na Corte, e na qual o capitão não só esteve prestes a perder a pele toda remendada que conseguira salvar de Flandres, do turco e dos corsários berberes, como ainda lhe custou um par de inimigos que o acossariam pelo resto da vida. Estou me referindo ao secretário do rei nosso senhor, Luis de Alquézar, e ao seu sinistro sequaz italiano, aquele espadachim calado e perigoso que se chamava Gualterio Malatesta, tão acostumado a matar pelas costas que, quando por acaso o fazia de frente, caía em profundas depressões, imaginando que estava perdendo suas faculdades. Também foi o ano em que me apaixonei como um bezerro desmamado e para sempre por Angélica de Alquézar, perversa e malvada como só pode ser o Mal encarnado numa menina loura de onze ou doze anos. Mas cada coisa contaremos em seu tempo.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
TRAGAM-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA
- Vai me levar até o Alfredo. Esse será o nosso bilhete de saída.
- Não sei como vai conseguir dinheiro de um cadáver. Isto…não acredito no que essa gente diz.
- Levarei uma prova. A cabeça.
- A…cabeça?
- Como prova.
- Mas é um crime. Está louco?
- Ele está morto! Cale-se!
- Quer profanar uma sepultura?
- Não me venha com essa merda. Um buraco no solo não tem nada de sagrado. Nem o homem que está lá dentro. Nem você, nem eu. Ouça. A igreja corta os dedos dos pés ou das mãos ou qualquer coisa dos santos. Então? Alfredo é o santo da nossa grana e vou pedir emprestado uma parte dele.
(Bennie e Elita, interpretação de Warren Oates e Isela Vega)
direção: Sam Peckinpah
PULP
Charles Bukowski
Um trecho:
SOLITÁRIO? DEPRIMIDO? ALEGRE-SE. LIGUE PARA AS NOSSAS LINDAS GAROTAS. ELAS QUEREM FALAR COM VOCÊ. PAGUE COM O SEU CARTÃO DE CRÉDITO MASTER OU VISA. FALE COM KITTY, FRANCI OU BIANCA. TELEFONE 800-435-8745
Apareciam as meninas. Kitty era a melhor. Tomei um gole de uísque e disquei o número.
_ Sim? - era uma voz de homem. Parecia mau.
_ Kitty, por favor.
_ Você é maior de 21 anos?
_ Maior - eu disse.
_ Master ou Visa?
_ Visa.
_ Me dá teu número e data de validade. Também endereço, número de telefone, identidade e carteira de motorista.
_ Ei, como vou saber que você não vai usar essa informação pra você mesmo? Quer dizer, me fodendo. Usando a informação pra seu próprio lucro?
_ Ei, meu camarada, quer falar com Kitty?
_ Acho que sim.
_ A gente anuncia na televisão. Estamos neste negócio há dois anos.
_ Está bem, deixa eu pegar os cartões na carteira.
_ Camarada, se você não quer a gente, a gente não quer você.
_ Sobre o que a Kitty vai falar comigo?
_ Você vai gostar.
_ Como sabe que eu vou gostar?
_ Ei, camarada...
_ Está bem, está bem, espere um momento...
Dei a ele a informação. Houve uma pausa longa, enquanto conferiam o meu crédito. Aí ouvi uma voz.
_ Fala, gostoso, aqui é Kitty.
_ Alô, Kitty, meu nome é Nick.
_ Oooh, sua voz é tão sexy! Já estou ficando tesudona!
_ Não, minha voz não é sexy.
_ Oh, você é tão modesto.
_ Não, Kitty, não sou modesto...
_ Sabe de uma coisa? Eu me sinto tão perto de você! Parece que estou enroscada, sentada no seu colo, olhando nos seus olhos. Tenho ollhos grandes e azuis. Você está bem perto, querendo me beijar.
_ Isso é bobagem, Kitty. Estou aqui escutando a chuva cair e mamando meu uísque escocês.
_ Ouça, Nick, precisa usar um pouco a imaginação. Vamos tentar e você vai ficar surpreso com o que pode conseguir. Não gosta da minha voz? Não acha ela um pouco... ah, sexy?
_ É um pouco, mas não bastante. Parece resfriada. Está resfriada?
_ Nick, Nick, meu garoto. Eu sou quente demais pra ficar resfriada!
_ Como?
_ Eu disse que sou quente demais pra ficar resfriada!
_ Bem, parece resfriada. Talvez fume demais.
_ Eu só fumo uma coisa, Nick!
_ O que, Kitty?
_ Você não imagina?
_ Não...
_ Olhe pra você mesmo, Nick.
_ Tudo bem.
_ Que está vendo?
_ Bebida. O telefone.
_ Que mais, Nick?
_ Meus sapatos...
_ Nick, que coisa grande é essa se projetando de você enquanto fala comigo?
_ Ah, isso? É minha barriga!
_ Continue falando comigo, Nick. Continue ouvindo minha voz, pense em mim no seu colo, o vestido levantando, mostrando meus joelhos e minhas coxas. Eu tenho cabelos louros, compridos. Pense nisso tudo, Nick, pense em...
_ Tudo bem...
_ Tudo bem, que está vendo?
_ A mesma coisa: telefone, meus sapatos, minha bebida, minha barriga...
_ Nick, você é mau! Me dá vontade de ir aí e lhe dar uma surra. Ou talvez deixe você me dar uma surra!
_ Quê?
_ Me bate, me bate, Nick!
_ Kitty...
_ Sim?
_ Me desculpa um momento? Preciso ir ao banheiro.
_ Oh, Nick, sei o que vai fazer! Mas não precisa ir ao banheiropra fazer isso, pode fazer no telefone, enquanto fala comigo!
_ Não dá, Kitty. Preciso mijar.
_ Nick - ela disse -, pode considerar nossa conversa terminada!
Desligou.
domingo, 13 de fevereiro de 2011
sábado, 12 de fevereiro de 2011
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
A BÍBLIA
Umberto Eco
Resposta do editor:
Devo confessar que quando comecei a ler os originais, e durante as primeiras páginas, senti-me entusiasmado. Ali há ação pura e tudo o mais que o leitor de hoje exige de uma obra de evasão: sexo (muitíssimo), com adultério, sodomia, homicídio, incesto, guerras, etc.
O episódio de Sodoma e Gomorra, com os travestis que pretendem violar os anjos, é digno de Rabelais; as histórias de Noé são o mais puro Emilio Salgari; a fuga do Egito é uma história que, mais cedo ou mais tarde, acabará sendo filmada... Em resumo, trata-se do verdadeiro roman-fleuvebem estruturado, que não economiza efeitos, pleno de imaginação com aquela dose de messianismo que agrada, sem chegar ao trágico.
Mais adiante, no entanto, percebi que se trata, na verdade, de uma antologia de vários autores, com muitos, excessivos, trechos do poesia, alguns francamente lamentáveis e aborrecidos, choradeira sem pé nem cabeça.
O resultado é um feto monstruoso que corre o risco de não agradar a ninguém, porque tem de tudo. Além disso, será cansativo estabelecer a questão dos direitos de tão diferentes autores, a menos que o representante de todos eles se encarregue da tarefa. Mas nem no índice encontrei o nome desse representante, como se houvesse da parte dos autores interesse em manter seu nome oculto.
Talvez fosse possível publicar separadamente os primeiros cinco livros. Aí estaríamos pisando em terreno firme. Com o título: Os Desesperados do Mar Vermelho.
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
MORTE LENTA
Com a imaginação dos talentosos… greg irons, mary key mitchell, bryan talbot, alan moore, peter sinclair, graham manley, vince ballard, john edgar, warren greenwood, wallace wood. Para baixar, clique na imagem.
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
UMA GAROTA DE LINDAS PERNAS
Charles Bukowski
A primeira vez que a vi foi num bar na rua Alvarado. Lisa era o nome. Na época eu tinha 24 anos e ela aparentava uns 35. Ela estava lá sentada no centro do bar e os dois bancos ao seu redor estavam vazios. Achei um tanto estranho não haver nenhum cara lhe penteando, tentando conseguir uma boa trepada.
Comparada com a maioria das mulheres que frequentavam aquele antro, ela realmente bonita. Seu rosto era meio arredondado e seu cabelo aparentemente nada tinha de excepcional, mas havia uma espécie de quietude e paz no modo como se sentava. Algo confortante que só as pessoas em paz conseguem passar. Sentia também um pouco de tristeza e timidez no seu jeito de olhar.
Levantei de meu banco para ir ao banheiro e tanto na ida como na volta passei ao seu lado; dei uma boa olhada nela. Era pequena, miúda, um pouco atarracada, mas com ancas perfeitas, bem formadas. No entanto a parte mais exuberante de seu corpo eram as pernas: tornozelos roliços, barrigas de pernas perfeitas, joelhos que imploravam para serem tocados, quase gritando, e coxas maravilhosamente torneadas.
Era como se aquela parte de seu corpo não tivesse sentido o peso do tempo, enquanto o resto dele se definhara.
Seu queixo era redondo como uma rosca e seu rosto bastante fofo. Parecia estar bêbada.
Ela usava sapatos de salto alto, pretos e brilhantes; em seu braço esquerdo havia três pulseiras de ouro falsificado e vagabundo e um pouco acima do pulso uma escura pele de toupeira, ou outra porra qualquer morta. Fumava um cigarro comprido e seu olhar estava fixo no copo de bebida. Parecia estar tomando whisly junto com uma garrafa de cerveja pra suavizar o baque.
Voltei par ao meu banco, acabei com meu whisly e pedi outro ao barman. Quando ele trouxe a bebida eu perguntei-lhe sobre as lindas pernas.
— Oh! — Exclamou ele — é a Lisa.
— Ela é bem bonita, — comentei — por que nenhum dos homens se senta ao seu lado?
— Isso é simples, — ele respondeu. — Ela é louca.
Depois disso retirou-se. Peguei o meu copo e fui até Lisa. Sentei-me no banco à sua esquerda, acendi um cigarro e tomei um gole da minha bebida. Eu já estava parcialmente bêbado. Peguei meu whisly e virei-o de uma só vez. Chamei o barman de novo:
— Repita a dose pra nós dois, e traga também duas cervejas.
Ao ouvir isso, Lisa acabou com sua bebida.
Quando as novas chegaram, cada um de nós tomou um gole d seu. Em seguida ficamos ambos olhando para o infinito.
Acho que alguns segundos se passaram até que ela disse:
— Não gosto das pessoas, e você?
— Também não.
Ela secou sua bebida e tomou um gole de cerveja. Fiz o mesmo.
— Sou louca — disse ela.
— Você é louco? Perguntou.
Sim.
Chamei o barman
— Eu pagarei a próxima — ela disse.
Encomendou as bebidas como se aquele ato fosse a coisa mais cotidiana em sua vida, como se fosse tudo que ela havia feito nos últimos dez anos ou quinze anos. Quando elas chegaram eu disse:
— Obrigado Lisa.
— É um prazer... Qual o seu nome?
— Hank.
— É um prazer, Hank.
— Tomou um gole e olhou pra mim de um jeito estranho.
— Você é louco o bastante pra quebrar o espelho de um bar?
— Acho que já fiz isso.
— Onde foi?
— O Orchoid room.
— O Orchoid room é um lugar estúpido e bobo.
— Não o freqüento mais.
Em seguida, Lisa, num só gole, bebeu quase toda a garrafa e suspirou.
— Cara, eu vou quebrar o espelho deste bar.
— Vá em frente — eu sugeri.
Acabou com a bebida levantou-se e pegou a garrafa de cerveja vazia. Levantou-se e colocou-a atrás da cabeça.
Num impulso repentino eu saltei tentando segurar seu braço, mas foi tarde demais.
A garrafa de cerveja, em trajetória de arco, voou até o espelho enquanto minha mente disse rapidamente:
— Não, não, merda!
Houve um aguçado estrondo de coisas se partindo, e estilhaços de vidros voaram como gigantes pingentes de gelo. Por alguma razão estranha as luzes se apagaram.
Foi assustador, mágico e lindo.
Acabei com meu whisky.
No escuro vi algo branco se aproximar. Era o barman que se reduzira a camisa e avental. Estava se mexendo rapidamente.
— Sua puta louca! — ele gritou.
— Vou te matar!
Posicionei Lisa atrás de mim. Tateei no escuro e achei a minha garrafa de cerveja. Quando o barman se aproximou dei sorte de acertá-lo na têmpora esquerda. No entanto, o desgraçado não caiu, ficou ali de pé no escuro com aquela roupa branca. Parecendo um desses porteiros de hotel chic esperando um táxi.
Passei a garrafa para minha mão esquerda e acho que pude sentir fraturar sua têmpora direita. Caiu em direção ao balcão, mas se segurou com ambas as mãos em um dos cantos.
Ficou assim por alguns instantes para em seguida tombar em direção À rua Alvarado.
Quando alcançou o chão as luzes se acenderam. Um sincronismo estranho, realmente.
Por um segundo parecia que todos no bar estavam congelados: os bebuns, eu, Lisa e o barman.
Em seguida eu berrei:
— “Vambora!”.
Agarrei Lisa pelo braço e a arrastei em direção à saída. No instante seguinte estávamos num beco. Eu a puxava.
— Venha, venha rápido!
— Não consigo correr com estes horríveis saltos.
— Então tira essa porra — eu disse.
Ela parou, arrancou-os dos pés, passou-me um, ficou com o outro, e corremos atravessando o beco. Quando chegamos ao outro lado, olhei para trás. Não estávamos sendo perseguidos.
— Tudo certo. Coloque os sapatos.
Assim fez. Enfiou o primeiro, apoiou-se no meu ombro e enfiou o segundo. Ficou em pé balançando aquele rabo divino.
— Pronto, vamos!
— Pra onde? Ela perguntou.
— Pra minha casa.
Estávamos no final do beco, perto de uam esquina. Vi um ônibus, ergui meu braço e fiz sinal: puxei Lisa. O motorista já havia fechado a porta, mas parecia ser um cara legal, e a reabriu. Entrei empurrando Lisa e paguei as passagens. Tentei fazer com que se sentasse mas não consegui, ela ficou de pé segurando no encosto do banco.
Olhou-me bruscamente. Através de seus olhos verdes percebi uma enorme irritação. Ela disse:
— Merda! Quero um táxi. Sou uma dama. Não ando nesta bosta de transporte.
Lisa parecia uma linda gazela bêbada e sua maravilhosa bunda balançava com o sacolejar do ônibus.
— Eu quero um táxi. Sou uma senhora. Que fudição é essa?
— Bem, são só quatro quadras.
— Merda! — ela berrava — merda!
O próximo ponto era o nosso. Dei o sinal de parada. Na verdade apenas puxei aquela porra de fio. O ônibus parou. Peguei a mão de Lisa, passei meu braço pela sua cintura e ajudei-a a descer. Através da porta aidna abert ao motorista me olhou e disse:
— Boa sorte cara. Vai precisar dela.
— Vá se foder, você está com inveja! — respondi.
Ele riu, fechou a porta e sumiu com o ônibus na escuridão da noite. Eu gostei dele, parecia ser um cara comum, apenas estava dirigindo aquela merda de lata velha tentando mudar a sorte. Simplesmente não dava, e algum dia iria desistir de tudo, assim como eu também.
Lisa aparentava estar cada vez mais bêbada, e eu também não estava nada bem. Eu lhe ajudava a andar com um dos meus braços em volta de sua cintura, e o outro segurando seu braço direito ao redor de meu pescoço. Suas lindas pernas estavam desistindo e se entregando.
— Você não tem uma porra de carro?
— Não.
— Você é um cuzão.
— Sim.
Aos poucos chegávamos perto de meu apartamento.
— Tem alguma coisa para beber lá em cima? Se não tiver eu não vou entrar nesse lugar.
— Muitas garrafas de vinho... as melhores.
— Estou doente — disse ela, e se inclinou para a esquerda.
Eu estava tão bêbado que não consegui segurá-la. Caímos. A sorte foi que havia uma cerca do nosso lado, despencamos em cima dela. Caí na folhagem, rolei para trás e acabei deitado de costas na calçada. Levantei e olhei para baixo. Lá estava Lisa, deitada ao luar; metade de seu corpo na cerca e a outra metade na calçada. Sua saia estava levantada expondo as pernas mais lindas do planeta. As pernas brilhavam pra mim. Fiquei pasmo como que se não acreditando no que via. Quase gozei. No entanto, logo voltei À realidade.
— Lisa! — eu disse —Lisa, por favor levanta, acorda!
— Annh?
— A polícia vem vindo.
Consegui levantá-la e chegar à porta da frente do prédio. Fomos diretamente para o elevador já estava lá. Entramos. Enquanto a segurava, apertei o botão do meu andar. O troço fez um barulho e começou a subir.
— Sinto falta de meu filho. Quero meu bebê.
— É lógico que quer, — retruquei.
Tirei-a de lá e quando abri a porta do apartamento ambos caímos de novo.
Lisa se levantou, deu uma sacudida, arrumou sua saia, apanhou a bolsa e atravessou a sala para sentar numa cadeira.
Começou a fuçar ali dentro, digo, da bolsa, à procura de seus cigarros. De lá de fora, o neon mais vermelho de Los Angeles penetrava pela janela.
Abri uma garrafa de vinho para ela e a servi; ao som discreto e sedutor do esfregar de nylon, ela cruzou as pernas.
Na poltrona à sua frente, eu tinha outra garrafa. Já havia enchido meu copo. Esvaziei-o e tornei a enchê-lo.
Lisa olhou pra mim. Seus olhos foram ficando cada vez maiores. Parecia estar ficando doida, maluca. Então disse:
— Você pensa que é grande merda? Você pensa que é o Sr. Van Bilderass?
Eu já estava de roupa íntima, cueca manchada e rasgada como sempre. Levantei. Dei um pulo e bati nas minhas coxas.
— Ei, você pensa que tem boas pernas? Olhe para estas.
Voltei para a poltrona e bebi mais meio copo. Ela simplesmente continuou olhando para mim daquela maneira. Seus olhos iam ficando maiores e maiores. Imensos.
— Você pensa que é o Sr. Van Bilderass?
— Claro!
Ela se inclinou para pegar a garrafa de vinho, que já havia tampado e, enquanto me olhava com seus imensos olhos selvagens, elevou a garrafa até a cabeça. Aquela louca se preparava para atirar a porra da garrafa em mim. Berrei:
— Espere aí!
Ela ficou imóvel com o braço erguido. Tentei pensar rápido. Eu disse:
— Se você quiser atirar essa filha-da-puta, você pode, mas se você fizer isso é bom que me desmaie, caso contrário eu vou devolvê-la arrancando sua cabeça.
Colocou a garrafa no chão com aquele olhar louco. Suspirei aliviado. Fui até lá, destampei a garrafa, e enchi meu copo; depois fiz o mesmo com o seu. Voltei para a minha poltrona e me sentei. Sentia-me estranhamente bem.
— Agora quero que levante sua saia um pouco mais, sua puta.
Fiquei surpreso quando ela o fez. A saia estava agora duas polegadas acima de seu joelho.
— Agora me dá mais uma polegada. Nada mais do que isso.
Ela o fez.
Levantei-me e fiquei à sua frente. Cada curva e reentrância de seu corpo era estupendo. Eu morria de tesão. Seus sapatos reluziam.
— Torça seu tornozelo. Erga a perna um pouco, meu bem.
Lisa obedeceu.
— Agora pare aí! — ela parou.
— Agora quero mais uma polegada, vamos!
Lisa levantou a sai mais um pouco.
— AAH!, assim, assim está bem!
Virei um bicho sedento, ajoelhei-me e acariciei suas pernas, enfiei a mão por entre as coxas e desci até os joelho. Ela me olhou maliciosamente:
Você é um estúpido fudido. Um maluco.
Peguei seu pé e beijei seu sapato de salto alto. Em seguida fui subindo até o tornozelo.
— Você não é um assassino, é? — ela perguntou.
— Uma de minhas amigas foi amarrada por um cara aos pés de sua cama e o viado a esfaqueou. O cara ia retalhar ela todinha, mas ela gritou tão alto que os “ratos” ouviram e a salvaram. Você não é...
— Cala a boca!
Levantei e coloquei o pau para fora. Cuspi na palma da mão e comecei a massageá-lo.
— Você é uma puta fudida! —
Eu disse.
Continuei a me esfregar com naturalidade. Não tinha nada a perder.
— Outra polegada, mostre-me outra polegada!
Continuei esfregando.
— Mais, mostre-me mais, mais!
Era o segredo e o truque e a penetração. A amplitude dos sentidos.
— Ahhh, meu Deus, consegui!
A substância branca e pastosa jorrou; era o alívio de anos de frustração e solidão. À medida que eu expelia aquela gosma branca sobre suas pernas de nylon, parecia sentir em cada gota a angústia dos excluídos, dos esquecidos e do triste ser que eu era.
Ela berrou e deu um pulo.
— Seu porco! Seu porco fudido, idiota!
Lisa correu até o banheiro. Peguei a ponta de minha camisa e me limpei com ela. Voltei para a poltrona, enchi um copo e acendi um cigarro. As coisa pareciam ter algum sentido agora.
Lisa voltou do banheiro, sentou-se e se serviu de um copo. Acendeu um cigarro, e deu um trago profundo nele. Soltou a fumaça devagar. Sua voz sobressaiu-se por detrás da nuvem branca.
— Seu pobre miserável fudido!
— Eu te amo, sua puta! — Eu disse.
Ela virou o rosto para a parede.
Mal eu sabia que era o começo dos dois anos mais miseráveis e fortalecedores de minha vida.
— Esta é a única bebida que tem aí para oferecer? Este vinho fudido e barato?
— Não é tão ruim assim, Lisa. O que eu faço quando bebo é pensar em algo bem agradável como cachoeiras, ou uma conta bancária de quinhentos dólares. Ou as vezes eu imagino que estou num castelo com um fosso em volta. Ou ainda, finjo ser o dono de uma casa de bebidas finas.
— Você é louco, cara! — Ela disse.
E estava absolutamente certa.
LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO
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Clube da Lua
O PESO NA ÁGUA
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OLDBOY