Um dos trailer de Grindhouse que mais merecia ter se tornado filme. Sob a batuta esperta de Edgar Wright.
Um dia ideal para os peixes-banana e livros e cinema e gibis e nus e ataxia espinocerebelar e 𓋹
terça-feira, 30 de março de 2021
segunda-feira, 29 de março de 2021
Black Narcissus by Thomas Pynchon
“The film libraries on some of these channels.” Elmina said. “I swear. There was one on last night. I couldn’t sleep. After I saw it, I was afraid ro sleep. Have you seen Black Narcissus, 1947?” Eddie, who was enrolled in the graduate film program at SC, let out a scream of recognition. He’s been working on his doctoral dissertation, “Deadpan to Demoniac – Subtextual Uses of Eyeliner in the Cinema,” and had just in fact arrived at moment in Black Narcissus where Kathleen Byron, as a demented nun, shows up in civilian gear, including eye makeup good for a year’s worth of nightmares.”
– Inherent Vice by Thomas Pynchon.
domingo, 28 de março de 2021
LATIDOS
J.M. Coetzee
Em Desonra
Ele vai se deitar cedo. No meio da noite, é acordado por latidos. Um cachorro em particular late insistentemente, sem parar; os outros acompanham, se aquietam, depois, para não se dar por vencidos, acompanham de novo.
‘Isso acontece toda noite?’, ele pergunta a Lucy, de manhã.
‘A gente acostuma. Desculpe.’
Ele sacode a cabeça.
O fantasma espreita
Já escreveu alguma coisa?
Vilela teria dificuldade para entrar, mas com Matos as portas são abertas. Chegam à cela de Morel.
Cubículo pequeno. Cama estreita com cobertor cinzento.
Mesa cheia de livros; rádio portátil; pia; latrina; mais livros empilhados no chão.
Morel é um homem magro, pálido, cabelos escuros, grisalhos nas têmporas. Rugas fundas cortam seu rosto. Veste uma camisa branca e calça cinza, amassadas. Possivelmente dorme com aquela roupa.
“Tenho dois dos seus livros aqui.”
Procura os livros, acha apenas um deles. “O outro sumiu. Você não quer sentar?” Morel indica a Vilela a única cadeira da cela.
“Vou deixar vocês sozinhos. Tenho ainda muita coisa para fazer”, diz Matos.
“Obrigado.” Morel aperta a mão de Matos.
“Vocês vão se dar bem. Quando quiser sair, bate na porta e manda chamar o inspetor Rangel.”
Matos sai.
“Nem sei como começar”, diz Morel. “O Rei disse para Alice 'começa no princípio, depois continua, chega ao fim e para'. Mas onde é o princípio?”
Vilela: “Você também pode começar do fim e terminar no princípio, ou no meio”.
“Preciso da sua ajuda.”
“Diga como.”
“Eu preciso escrever um livro. Matos não lhe falou?”
“Disse que você queria falar com um escritor.”
“Quero ajuda para escrever um livro.”
“Quanto menos ajuda dos outros, melhor.”
Morel reflete por instantes.
“Estou muito arrasada.”
“É assim mesmo que se escreve.”
“Eu quero ter certeza de que vou ser publicado.”
“Essa certeza você não pode ter.”
Morel sentado na cama. Deita lentamente, com os braços cruzados sobre os olhos. Vilela pega um livro, sobre a mesa. Visão e invenção.
“Adianta escrever, se ninguém vai ler?”
“Adianta, sempre.”
“Passo as noites sonhando com a minha carreira literária”, a ironia na voz é forçada. “Você quer um biscoito?”
Uma lata de biscoitos debaixo da cama.
Comem bis “Onde você arranjou esse monte de livros?”
“São meus.”
“Quem traz?”
“O doutor Matos. Dei a ele a chave da minha casa. Eu peço os livros ele vai na minha estante e apanha. Às vezes ele me compra um livro, mas o gosto dele não combina muito com o meu.”
“Você já escreveu alguma coisa?”, pergunta Vilela. Coitos.
A PONTE
MARGARET ATWOOD
Em O ASSASSINO CEGO
A ponte
Dez dias após o final da guerra, minha irmã Laura despencou com o carro do alto de uma ponte. A ponte estava sendo consertada: ela passou direto pela placa de Perigo. O carro caiu de uma altura de 30 metros na ribanceira, batendo nas copas das árvores cheias de folhas novas, e então pegou fogo e rolou até o riacho lá no fundo. Pedaços da ponte caíram sobre ele. Não restou quase nada dela além de fragmentos carbonizados.
Eu fui informada do acidente por um policial: o carro era meu, e tinham verificado a placa. O tom dele foi respeitoso: sem dúvida ele reconheceu o nome de Richard. Ele disse que os pneus podiam ter ficado presos num trilho de bonde ou então o freio podia ter falhado, mas também sentiu-se no dever de me informar que duas testemunhas - um advogado aposentado e um caixa de banco, pessoas confiáveis - haviam afirmado ter visto tudo. Eles tinham dito que Laura havia dado uma guinada brusca e proposital no carro e que havia mergulhado da ponte com a mesma naturalidade com que se desce de um meio-fio. Eles haviam notado as mãos dela no volante por causa das luvas brancas que ela estava usando.
Não foi o freio, eu pensei. Ela tinha os seus motivos. Não que fossem os mesmos motivos de outra pessoa qualquer. Ela era totalmente implacável nesse aspecto.
-- Suponho que alguém precise identificá-la -- eu disse. -- Irei assim que puder. -- Eu ouvi a calma da minha própria voz, como que vindo de muito longe. Na verdade, eu mal consegui pronunciar as palavras; minha boca estava dormente, meu rosto estava rígido de dor. Eu tinha a sensação de ter ido ao dentista. Eu estava furiosa com Laura por ela ter feito o que fizera, mas também com o policial por dar a entender que ela o havia feito. Um vento quente soprava em volta da minha cabeça, e mechas do meu cabelo voavam e giravam como tinta derramada na água.
-- Creio que vai ser necessária uma investigação, Sra. Griffen -- ele disse.
-- Naturalmente -- eu respondi. -- Mas foi um acidente. Minha irmã nunca foi boa motorista.
Eu imaginei o rosto oval e delicado de Laura, seu coque bem feito, o vestido que ela estaria usando: um chemisier de gola redonda, numa cor sóbria - azul marinho ou cinza chumbo ou verde corredor de hospital. Cores penitentes - menos uma coisa que ela tivesse escolhido usar e mais algo em que ela estivesse presa. Seu meio-sorriso solene; o erguer espantado das sobrancelhas, como se ela estivesse admirando a vista.
As luvas brancas: um gesto de Pôncio Pilatus. Ela estava lavando as mãos de mim. De todos nós.
Em quê ela estaria pensando quando o carro projetou-se para fora da ponte, enquanto ficou suspenso no sol da tarde, brilhando como uma libélula por aquele breve instante de respiração presa antes da queda? Em Alex, em Richard, em má fé, no nosso pai e sua ruína; em Deus, talvez, e seu trato triangular, fatal. Na pilha de cadernos baratos que ela deve ter escondido nessa mesma manhã na gaveta da cômoda onde eu guardo as minhas meias, sabendo que seria eu a encontrá-los.
Depois que o policial se foi, eu subi para trocar de roupa. Para ir ao necrotério, eu ia precisar de luvas e de um chapéu com um véu. Algo para cobrir os olhos. Podia haver repórteres. Eu teria que chamar um táxi. E também precisava ligar para o escritório para avisar ao Richard: ele ia querer ter uma declaração de pesar pronta. Entrei no meu quarto de vestir: eu ia precisar de uma roupa preta, e de um lenço.
Abri a gaveta, vi os cadernos. Desatei o barbante que os prendia. Notei que meus dentes estavam batendo e que eu estava toda gelada. Eu devo estar em choque, pensei.
Então eu me lembrei de Reenie, de quando éramos pequenas. Era Reenie quem fazia os curativos de arranhões, cortes e outros machucados: mamãe podia estar descansando ou praticando boas ações em outro lugar, mas Reenie estava sempre lá. Ela nos erguia nos braços e nos sentava na mesa branca da cozinha, ao lado da massa de torta que estava preparando ou da galinha que estava cortando ou do peixe que estava limpando e nos dava um torrão de açúcar mascavo para nos fazer calar a boca. Diga-me onde está doendo, ela dizia. Pára de berrar. Fica calma e me mostra o lugar.
Mas algumas pessoas não conseguem dizer onde está doendo. Elas não conseguem ficar calmas. Elas não conseguem nunca parar de berrar.
The Toronto Star, 26 de maio, 1945
QUESTÕES LEVANTADAS SOBRE MORTE NA CIDADE
Especial para o Star
A investigação realizada acerca da fatalidade ocorrida na Avenida St. Clair na semana passada resultou num veredicto de morte acidental. A Srta. Laura Chase, de 25 anos, estava se dirigindo para oeste na tarde do dia 18 de maio quando o seu carro fez um desvio na direção de uma barreira de proteção de um conserto que estava sendo efetuado na ponte e rolou a ribanceira, pegando fogo. A Srta. Chase teve morte instantânea. Sua irmã, Sra. Richard E. Griffen, esposa do conhecido industrial, testemunhou dizendo que a Srta. Chase sofria de dores de cabeça muito fortes que afetavam sua visão. Em resposta a uma pergunta que lhe foi feita, ela negou qualquer possibilidade de embriaguês, uma vez que a Srta. Chase não bebia.
Segundo a polícia, uma das causas pode ter sido o pneu ter ficado preso num trilho exposto de bonde. Foram feitos alguns questionamentos quanto à adequação das medidas de segurança adotadas pela prefeitura, mas após o testemunho dado pelo engenheiro da prefeitura, Gordon Perkins, esses questionamentos foram abandonados.
O acidente ocasionou renovados protestos acerca do estado dos trilhos de bonde naquele trecho da estrada. O Sr. Herb T. Jolliffe, representante dos contribuintes, disse aos repórteres do Star que este não foi o primeiro acidente causado pelos trilhos abandonados. A Prefeitura devia tomar uma providência.
espelhos
L'amour réciproque, tel que je l'envisage, est un dispositif de miroirs qui me renvoient, sous les mille angles que peut prendre pour moi l'inconnu, l'image fidèle de celle que j'aime, toujours plus surprenante de divination de mon propre désir et plus dorée de vie.
—
André Breton, L'amour fou, 1937
sábado, 27 de março de 2021
O DEDO NA BOCA DA MENINA ADORMECIDA
Yasunari Kawabata
— Não faça nenhuma brincadeira de mau gosto, por favor. Não vá, por exemplo, enfiar o dedo na boca da menina adormecida — recomendara insistentemente a mulher da hospedaria ao velho Eguchi.
No andar superior só havia dois cômodos, uma sala de oito tatames onde Eguchi e a mulher conversavam e, ao lado, provavelmente um quarto de dormir. Até onde se podia perceber, no andar térreo, pouco espaçoso, também não havia quarto para hóspedes; assim, a casa não poderia ser chamada de hotel. Não havia nenhuma placa com letreiro anunciando uma hospedaria. Além do mais, os segredos daquela casa não permitiriam colocar tal anúncio. Não se ouvia ali nenhum ruído. Além da mulher que recebera o velho Eguchi no portão com cadeado e que continuava à sua frente a conversar, ele não vira nenhuma outra pessoa. Se ela era a proprietária ou uma empregada, Eguchi, que estava ali pela primeira vez, não podia precisar. De qualquer forma, seria mais sensato não fazer perguntas desnecessárias.
~ Em A casa das Belas Adormecidas
quinta-feira, 25 de março de 2021
MAGIA DO CAOS, SEGUNDO
A NOVEL (THE 1º) BY QUENTIN TARANTINO
E saiu a capa da novelização do filme de Tarantino, Era uma vez em Hollywood, feita por ele mesmo, e onde ele promete expandir a história. Não viu o filme ainda? Como assim? Veja AQUI.
O TÁXI O SANGUE
O Motorista de táxi (Taxi Driver), de Martin Scorsese, vai da paranoia ao massacre de maneira gradual, quase inevitável, sempre fascinante - quando o sangue esguicha na tela é a um tempo inesperado e esperado.
Um tour de force, como se diz, um filmaço da porra. Não viu ainda? Veja AQUI.
terça-feira, 23 de março de 2021
Eu não sou louco!
INVENTAR ALGO MELHOR
segunda-feira, 22 de março de 2021
I move on to fresh fields
“Without a second thought I leave behind a trail of friends betrayed, a dead policeman, a ruined hospital ward. But I slough off this burden with the furious joy of a slave shedding his shackles. Like Typhoid Mary trailing the plague in my wake, I move on to fresh fields.” – John Constantine.
From “Hellblazer” #8 by Jamie Delano and John Ridgway. Drawing by JWMCasavant.
Os 11 Mandamentos do cineasta Billy Wilder para roteiristas
1. O público é instável.
2. Agarre-o pela garganta e não o deixe fugir.
3. Crie uma clara linha de ação para o personagem principal.
4. Saiba aonde você está indo.
5. Quanto mais sutil e elegante for a forma pela qual você camufla seus pontos de desenvolvimento da trama, melhor escritor você será.2. Agarre-o pela garganta e não o deixe fugir.
3. Crie uma clara linha de ação para o personagem principal.
4. Saiba aonde você está indo.
5. Quanto mais sutil e elegante for a forma pela qual você camufla seus pontos de desenvolvimento da trama, melhor escritor você será.
6. Se você tem um problema com o terceiro ato, o problema verdadeiro está no primeiro ato.
7. Uma dica de Lubitsch: deixe o público somar dois mais dois. Vai amá-lo para sempre.
8. Em narrações em "off", tenha cuidado para não descrever o que o público já está vendo. Acrescente ao que ele está vendo.
9. O evento que acontece no fim do segundo ato desencadeia o fim do filme.
10. O terceiro ato deve ser construído, construído, construído em ritmo e ação até o último evento, e então...
11. ...É isso. Não vagabundeie.
Entrevista Anthony Burgess
- O senhor está de alguma forma aborrecido com as acusações de que é prolífico demais ou de que seus romances são muito alusivos?
Tornou-se pecado ser prolífico somente desde que o grupo de Bloomsbury - principalmente Forster - transformou em uma questão de boas maneiras produzir, por assim dizer, sovinamente. Tenho ficado menos aborrecido pelo fato de zombarem de minha alegada superprodução do que pela insinuação de que escrever muito significa escrever mal. Sempre escrevi com grande cuidado, e até com certa lentidão. Simplesmente dedico mais horas por dia a essa tarefa do que alguns escritores parecem ser capazes de dedicar. Quanto às alusões - significando, suponho, alusões literárias -, isso está, com certeza, dentro da tradição. Todo livro tem por trás de si todos os outros livros que já foram escritos. O autor está a par deles; o leitor devia estar a par, também.
- O senhor escreve primeiro as grandes cenas, como fazia Joyce Cary?
Começo no início, continuo até o fim, então paro.
- Faz o projeto completo de cada livro antes de começar?
A princípio planejo um pouco - lista de nomes, sinopse rudimentar dos capítulos etc. Mas não ouso planejar demais; tantas coisas são produzidas pelo simples ato de escrever.
- Depois que os médicos diagnosticaram um tumor cerebral após o colapso que sofreu em sala de aula, em Brunei, por que o senhor escolheu escrever durante aquele "ano terminal", em vez de, digamos, viajar? Ficou reduzido à condição de semi-invalidez?
Eu não era semi-inválido. Estava ativo e em boas condições físicas (o que me fazia duvidar da veracidade do diagnóstico). Mas para viajar pelo mundo é preciso dinheiro, e isso eu não tinha. Somente na ficção as pessoas no "último ano de vida" têm alguma coisa escondida. O fato é que minha mulher e eu precisávamos comer etc., e o único trabalho que eu podia fazer (quem me daria um emprego?) era escrever. Escrevia muito porque me pagavam pouco. Não tinha um grande desejo de deixar um nome na literatura.
- Seu estilo de algum modo mudou durante aquele ano, por se sentir condenado?
Acho que não. Já tinha idade bastante para ter estabelecido algum tipo de estilo narrativo; mas o problema de trabalhar o estilo surgiu mais tarde, é claro. Os romances escritos no chamado ano quase-terminal - ano pseudoterminal - não foram escritos, sabe, com pressa excessiva; era apenas uma questão de trabalhar com afinco todo dia - e o dia todo - inclusive à noite. Fui bastante cuidadoso com as obras, e o que as pessoas procuram no que parece uma quantidade excessiva de produção é alguma evidência de falta de cuidado. Pode ser que haja um pouco disso; mas não é devido à rapidez ou aparente rapidez, mas sim por minhas imperfeições. Não creio que seja possível dizer que um determinado trabalho foi obviamente escrito durante o ano terminal. Não creio que haja alguma diferença qualitativa entre os diversos romances; e, certamente, eu não estava consciente de nenhuma influência no estilo, na forma de escrever, causada por essa revelação.
- Usa algumas vezes formas musicais ao planejar seus romances?
Ah, sim, aprende-se bastante com formas musicais. Estou planejando um romance no estilo de uma sinfonia clássica - minueto e tudo. As motivações serão puramente formais, de modo que uma parte de desenvolvimento em que são representadas fantasias sexuais poderá seguir-se a uma exposição realista, sem explicação nem estratagema intermediário, voltando a ela (agora como recapitulação) com a mesma ausência de justificativa psicológica ou artifício formal.
- Os compositores lidam bastante com transições. Não é esse exato exemplo de composição literária por analogia musical um modelo de "artifício formal", entendido melhor pelo leitor que seja ao menos músico amador?
Creio que a música ensina a profissionais de outras artes estratagemas formais úteis; mas o leitor não precisa conhecer sua procedência. Eis um exemplo: um compositor modula de uma clave a outra com o uso do acorde "ambíguo", o sexto aumentado (ambíguo porque é também o sétimo dominante). Em um romance, pode-se mudar de uma cena para outra usando uma frase ou uma afirmação comum a ambas - isso é muito freqüente. Se a frase ou afirmação significa coisas diferentes nos diferentes contextos, fica mais musical ainda.
- Que me diz da técnica cinematográfica como influência em seus escritos?
Tenho sido muito mais influenciado pelo teatro do que pelo cinema. Escrevo cenas longas demais para serem representadas sem interrupção no cinema. Mas gosto de imaginar uma cena antes de escrevê-la, vendo tudo acontecer, ouvindo um pouco do diálogo. Já escrevi tanto para a televisão como para o cinema, mas não com muito sucesso. Era literário demais ou algo assim. Os produtores de filmes históricos me chamam para revisar os diálogos, mas eles acabam saindo na forma original.
- O senhor espera escrever outro romance sobre o futuro, como A clockwork orange ou The wanting seed?
Não tenho planos para um romance sobre o futuro, exceto uma história louca em que a Inglaterra se transforma em um simples parque de diversões administrado pelos Estados Unidos.
- O senhor mencionou que A clockwork orange tem um capítulo final na edição britânica que não consta das edições americanas. Isso o incomoda?
Sim, detesto ter duas versões diferentes do mesmo livro. A edição norte-americana tem um capítulo a menos e, por isso, o plano aritmológico fica atrapalhado. Além disso, a opinião implícita de que a violência juvenil é uma fase para se atravessar e depois superar está ausente da edição norte-americana; e isso reduz o livro a uma simples parábola, quando a intenção era que fosse um romance.
- Em A clockwork orange e em Enderby, principalmente, há um persistente tom de chacota para com a cultura da juventude e sua música. Existe alguma coisa de bom nela?
Desprezo tudo que é obviamente efêmero, e no entanto é tratado como se possuísse alguma espécie de valor supremo. Os Beatles, por exemplo. A maior parte da cultura da juventude, principalmente a música, é baseada no pouco conhecimento da tradição e, com frequência, eleva a ignorância à condição de virtude. Pense nos musicalmente ignorantes que se estabelecem como "arranjadores". E a juventude é tão conformista, tão pouco preocupada com valores dissidentes, tão orgulhosa de ser em vez de fazer, tão segura de que ela e somente ela sabe.
- As obras de arte seriam produzidas por forte libido?
Sim, acho que arte é libido sublimada. Não se pode ser um padre eunuco e não se pode ser um artista eunuco. Fiquei interessado em sífilis quando trabalhei algum tempo num hospital para doentes mentais repleto de casos de paralisia geral. Descobri que havia uma correlação entre o espiroqueta e o talento dos loucos. O tubérculo também produz uma tendência lírica. Keats tinha ambos.
- O estruturalismo representa um grande papel em MF. Como romancista de idéias, qual a importância que lhe dá?
O estruturalismo é a confirmação científica de uma certa convicção teológica - que a vida é binária, que isto é um dueto, e assim por diante. O que quero dizer é que a noção de oposição essencial - não Deus/Demônio, mas simplesmente x/y - é fundamental, e isso é uma espécie de visão puramente estruturalista. Acabamos achando a forma mais importante do que o conteúdo, que a linguagem e a arte são processos fáticos, que os grandes elementos imponderáveis são mera bazófia. Marshall McLuhan vem claudicando por esse caminho, independentemente de Lévi-Strauss. Como é maravilhoso que a bifurcação essencial que é o homem esteja expressa em calças que levam o nome de Lévi-Strauss.
- As versões cinematográficas ajudam ou atrapalham os romances?
Os filmes ajudam os romances em que se baseiam, pelo que fico ao mesmo tempo grato e ressentido. A edição de bolso de Clockwork orange vendeu mais de, um milhão de cópias nos Estados Unidos, graças ao caro Stanley. Mas não gosto de ser visto apenas como um mero criador de filmes. Desejo ser bem-sucedido por meio da literatura pura. Impossível, é claro.
o cordão umbilical de henry miller
- Durrell refere-se à necessidade que o escritor tem de uma ruptura em seus escritos, a fim de ouvir o som de sua própria voz. Na realidade, não é essa a sua própria expressão?
Henry Miller: Sim, creio que sim. Seja lá como for, isso me aconteceu com Trópico de câncer. Até aquela altura eu era, poder-se-se-ia dizer, um escritor inteiramente derivativo, influenciado por todos, adotando todos os tons e sombras de todos os outros escritores que eu amara. Eu era, poder-se-ia dizer, um literato. E tornei-me um homem não literato: cortei o cordão umbilical. Disse comigo mesmo: farei somente o que posso fazer, exprimirei o que sou ... Eis aí por que empreguei a primeira pessoa do singular, por que escrevi somente a respeito de mim mesmo. Resolvi escrever partindo de minha própria experiência, daquilo que eu sabia e sentia. E isso foi a minha salvação.
domingo, 21 de março de 2021
sábado, 20 de março de 2021
No Bar
Eita filme porreta! Uma gangue de vampiros. Muito sangue e um ar western. Quando chega a escuridão (1987) de Catherine Bigelow.