domingo, 9 de abril de 2023

MÚSICA PARA ABAFAR O FIM DO MUNDO

José Marcelo


Acabou assim. A luz piscava.
__ Eu quero.
__ Me mostra. Quero ver. Tira tudo.
__ Tá.
__ Agora abre. Devagar.
__ Gostou?
__ Claro. Gostei muito.
__ Mas não pode tocar.
__ Ah.
__ Não pode tocar. Foi o que combinamos. Sem toque.
__ Sem toque. Tá bom. Continua. Tira.
__ Vou tirar.
__ Poxa.
__ Tá gostando?
__ Olha como eu estou.
Ela sorri. Gosta de causar esse efeito. Dá para ver em seu olhar.
Lá fora, era o fim. O mundo se desfazia. Algo que era um vislumbre no canto do olho andava lá fora. De acordo com as profecias, era inevitável. Um quadro que escorria da tela.
Dentro do quarto, ele e ela. Olhando-se. Desejando.
__ Continue.
Começara a chover. Olhe: como a chuva escorre pela janela. Uma água escura com um odor forte. Ele fechou as cortinas. Ela ficou olhando-o  enquanto ele caminhava até a janela e voltava a sentar-se na cama.
__ Não pare. Por que você parou? Não pare.
__ Vem.
__ Você disse que eu não podia.
__ Eu quero que me toque. Quero sentir você me tocando.
Alguém gritou na rua. Parecia o lamento de uma banshe. Ele levantou-se e abraçou-a.
__ Eu queria que acabasse logo __ disse ela.
__ Não vai demorar.
O grito continuava.
Ele sentiu-a tremer e percebeu que também tremia.
__ Eu não sei seu nome __ disse ele.
__ Não, nem eu sei o seu. Quer saber? O meu nome?
__ Não, não quero. Vamos para a cama.
Mas o encanto se fora. Estava nos olhos dela. Na falta de jeito dele.
As pás de um helicóptero giravam ao longe. E música. Música pata abafar o fim do mundo, ele pensou.
Eles se deitaram e ele estava ciente da nudez e da respiração dela. Quase podia ouvir o coração. Ela abriu o zíper dele.
__ Quero que você goze na minha boca.
O helicóptero passou. A música foi sumindo aos poucos.
Ele viu a jaqueta de aviador largada sobre uma cadeira e viu o vestido dela no chão.
__ Na minha boca.
Os gritos voltaram. Depois uma tosse seca e contínua. E mais gritos. Tosse. E mais nada.
Ela o chupava com  os olhos fechados. Quando ele gozou, ela sorveu-o desesperadamente.
Então ele ajoelhou-se ao lado da cama e colocou-se entre as pernas dela. Ela tinha um cheiro bom ali e ele tocou-a com a língua.
Ela olhava as manchas no teto e nas paredes. O reflexo de ambos no espelho enorme e sujo do outro lado do quarto. Ela tapou os ouvidos com o travesseiro e fechou os olhos. Algo inominável arranhava a janela na chuva.
__ Me faça esquecer __ disse ela. __ Eu não quero lembrar.
Ele ergueu-se e enfiou-se dentro dela, gemendo. Ela puxou-o e apertou-o contra si.
__ Vai, vai.
Ela apertou-o mais. Ele apertou-a.
A janela partiu-se e entrou a chuva escura e entrou aquilo que arranhara o vidro.
__ Não olhe não olhe não olhe não olhe.
A luz piscava. Claro e escuro claro e escuro. A luz apagou-se.
A pintura escorria e sob a tinta nada restou.



3 comentários:

Anônimo disse...

voce que escreveu? muito boa a narraçao.

O Ancião disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
O Ancião disse...

Foi sim. Muito obrigado.