quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

O CHEIRO

Jean Genet

LEONOR FINI (56)

NOSSA SENHORA DAS FLORES

O cheiro da prisão é um cheiro de urina, formol e de pintura. Em todas as cadeias da Europa eu o reconheci e reconheci que este cheiro seria enfim o cheiro do meu destino. Em cada nova escorregada procuro nas paredes os traços das minhas prisões anteriores, isto é, dos meus desesperos anteriores, remorsos, desejos que um outro detento tenha gravado para mim. Exploro a superfície das paredes em busca do traço fraternal de um amigo. Pois se nunca soube o que poderia ser exatamente a amizade, que vibrações a amizade de dois homens constroem em seus corações e talvez nas suas peles, na prisão eu às vezes anseio por uma amizade fraternal, mas sempre com um homem — da minha idade — que seja bonito, que tivesse completa confiança em mim e que seria o cúmplice dos meus amores, dos meus roubos, dos meus desejos criminosos; embora isto não me elucide sobre tal amizade, sobre o cheiro, de um e de outro dos meus amigos, de sua intimidade secreta, porque para a ocasião eu me torno um macho que sabe que realmente não é. Espero a revelação na parede de qualquer segredo terrível: morte, sobretudo, mortes de homens, ou traição de amizade, ou profanação de Mortos e dos quais eu seria a tumba resplandecente. Porém não encontrei jamais senão algumas raras palavras gravadas sobre o gesso com um alfinete, fórmulas de amor e de ódio, geralmente de resignação: 'Jojo da Bastilha ama sua mulher até a morte.' 'A mamãe, meu coração, às putas, meu caralho, ao carrasco, minha cabeça.' (Págs. 119 e 120)

mundo de k.


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