sábado, 29 de outubro de 2011

IKIRU de kurosawa

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“Occasionally I think of my death … then I think, how could I ever bear to take a final breath; while living a life like this, how could I leave it? There is, I feel, so much more for me to do — I keep feeling I have lived so little yet. Then I become thoughtful, but not sad. It was from such a feeling that Ikiru arose.”

-Kurosawa, quoted in Akira Kurosawa: Interviews

Old Hollywood.

TRECHO o baú do raul

Raul Seixas

CLASSIFICADOS

Quarentão romântico. Situação financeira boa, artista de inteligência aguçada, magro, cabelos e barba ruivos (rala) pretendendo morar em Hollywood para dirigir filmes daqui a cinco ou seis anos.
Apaixonado, bem-dotado, procura uma companheira inteligente, careta, trabalhadora, sedutora, sem preconceitos, adulta intelectualmente e com vivência do mundo contemporâneo. Não importa que tenha filhos, pois serão meus também. Tenho de vez em quando uma cruz (+) na glicofita e saúde quase perfeita. Ansioso para nessa idade encontrar uma companheira para vivermos juntos e felizes.
Espero resposta pela Caixa Postal m. 743.

A BELA cybill shepherd

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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

BOM PARA A ALMA cute girl next door

CLÁSSICO a queda da casa de usher

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old hollywood.

PRATICAMENTE EU

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"Quando começo a fazer papel de bobo, pouca coisa pode me deter. Se soubesse o que ia dar, não teria nem começado - se estive com a cabeça no lugar. Mas quando a vi... quando a vi... eu já não estava com a cabeça no lugar fazia muito tempo."
- Michael O'Hara em A Dama de Shanghai (1948)

impressões cinéfilas.

BASTIDORES fahrenheit 451

Truffaut on the set of his 1966 film Fahrenheit 451

Do gênero futuro totalitário, este é o meu preferido.

TRECHO nêmesis

Philip Roth

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1. Newark Equatorial

O primeiro caso de poliomielite naquele verão foi registrado no começo de junho, logo depois do Memorial Day, feriado que marca o começo da estação, num bairro pobre de italianos do outro lado da cidade. Ali onde morávamos, numa área do sudoeste chamada Weequahic e ocupada por judeus, nada soubemos sobre isso nem sobre os outros doze casos espalhados por quase toda Newark e mais distantes da nossa vizinhança. Só por volta do feriado de Quatro de Julho, quando quarenta ocorrências já haviam sido registradas na cidade, apareceu na primeira página do jornal vespertino um artigo intitulado “Autoridade médica alerta os pais contra a poliomielite”, no qual o dr. William Kittell, superintendente do Conselho de Saúde, orientava os pais a observarem de perto seus filhos e a contatarem um médico se qualquer criança apresentasse sintomas tais como dor de cabeça, garganta inflamada, enjoo, pescoço enrijecido, dor nas articulações ou febre. Embora reconhecesse que quarenta casos eram mais que o dobro do número normalmente registrado nos primórdios da estação de pólio, o dr. Kittell fazia questão de deixar absolutamente claro que a cidade de 429 mil habitantes de forma nenhuma estava sofrendo de algo que pudesse ser caracterizado como uma epidemia da doença. Naquele verão, como em todos os outros, havia motivos de preocupação e era necessário tomar as precauções higiênicas de praxe, porém até o momento não se justificava o tipo de alarme, “perfeitamente compreensível”, que os pais haviam exibido vinte e oito anos antes, durante o maior surto da doença — a epidemia de pólio de 1916 no nordeste dos Estados Unidos, quando ocorreram mais de 27 mil casos e 6 mil mortes. Em Newark, haviam sido observados 1360 casos e 363 mortes.

No entanto, mesmo num ano em que o número de ocorrências se encontrava próximo à média e o risco de contrair a poliomielite era muito menor do que em 1916, uma doença capaz de causar paralisia, deixando uma criança aleijada para sempre ou incapaz de respirar fora de um cilindro de metal conhecido como pulmão de aço — isso quando a paralisia dos músculos respiratórios não levava à morte —, era causa de grande apreensão entre os pais em nossa vizinhança e prejudicava a paz de espírito das crianças que estavam livres da escola durante as férias de verão, podendo brincar do lado de fora o dia todo e aproveitar as longas horas do crepúsculo. A preocupação com as graves consequências de contrair uma forma séria da doença era ainda maior por não existir nenhuma droga capaz de combatê?la e nenhuma vacina que criasse imunidade contra ela. A poliomielite — ou paralisia infantil, como era chamada quando se pensava que atingia principalmente crianças bem pequenas — podia vitimar qualquer pessoa, sem nenhum motivo aparente. Embora as crianças e os jovens de até dezesseis anos fossem os mais vulneráveis, os adultos também podiam ser seriamente infectados, como aconteceu com o então presidente dos Estados Unidos.

Franklin Delano Roosevelt, a mais famosa vítima da poliomielite, era um homem vigoroso de trinta e nove anos quando contraiu a doença; posteriormente, precisava ser apoiado ao caminhar, além de usar pesados suportes de aço e couro, que iam dos tornozelos aos quadris, a fim de se manter de pé. A instituição de benemerência que Roosevelt criou enquanto ocupava a Casa Branca, a March of Dimes, tinha como objetivo angariar recursos para a pesquisa e ajuda financeira às famílias das vítimas; embora fosse possível a recuperação parcial ou até mesmo total, isso costumava exigir muitos meses ou anos de dispendiosas terapias hospitalares e exercícios de reabilitação. Durante as campanhas anuais de captação de fundos, os jovens americanos doavam moedas de dez centavos (dimes) nas escolas a fim de contribuir na luta contra a doença ou as depositavam em latas de coleta passadas pelos lanterninhas nos cinemas. Cartazes que anunciavam “Você também pode ajudar!” e “Ajude a combater a pólio!” eram vistos nas paredes das lojas e dos escritórios ou nos corredores das escolas de todo o país, assim como fotografias de crianças em cadeiras de rodas — uma menininha bonita usando suportes para as pernas e chupando o polegar com ar tímido, um garotinho de corpo bem?proporcionado com suportes nas pernas e rindo heroicamente numa demonstração de esperança —, cartazes que tornavam a possibilidade de contrair a doença parecer ainda mais assustadoramente real às crianças saudáveis.

Os verões eram muito quentes em Newark, situada numa área baixa. Como boa parte da cidade estava circundada por extensas regiões pantanosas — importante fonte de malária na época em que essa era, também, uma doença incurável —, havia mosquitos em profusão a serem enxotados ou esmagados com um tapa quando nos sentávamos à noite em cadeiras de praia nas ruelas e entradas de garagem buscando algum alívio fora dos apartamentos sufocantes onde só uma chuveirada fria e água gelada podiam mitigar o calor infernal. Antes da chegada do ar?condicionado domiciliar, um pequeno ventilador preto, posto sobre a mesa para refrescar minimamente a casa, de pouco servia quando a temperatura passava de trinta e cinco graus, como aconteceu naquele verão ao longo de semanas inteiras. Ao ar livre, as pessoas acendiam velas de citronela e aspergiam Flit para manter à distância os mosquitos e as moscas que eram sabidamente vetores de malária, febre amarela e febre tifoide — ou também da poliomielite, como muitos acreditavam (a começar pelo prefeito de Newark, Drummond, que lançou uma campanha cívica em prol da extinção das moscas). Quando uma mosca ou mosquito conseguia penetrar através das telas do apartamento ou entrava pela porta aberta, o inseto era obstinadamente perseguido com uma raquetinha mata?moscas ou uma lata de Flit devido ao receio de que, se aterrissasse com suas patinhas carregadas de germes numa das crianças que dormiam na casa, ela contrairia a poliomielite. Como naquele tempo ninguém conhecia a fonte do contágio, era possível suspeitar de quase tudo, inclusive dos esqueléticos gatos de rua que invadiam as latas de lixo nos quintais, dos vira?latas de aparência faminta que rondavam as casas e defecavam na rua e nas calçadas, e até mesmo dos pombos que arrulhavam nos telhados e emporcalhavam os degraus do alpendre com seus excrementos esbranquiçados. No primeiro mês do surto — antes que fosse reconhecido como uma epidemia pelo Conselho de Saúde —, o departamento de saúde pública se dedicou a exterminar sistematicamente a imensa população de gatos de rua da cidade, muito embora ninguém soubesse se eles tinham mais a ver com a poliomielite que os gatos domesticados.

O que todos sabiam é que a doença era altamente contagiosa e podia ser transmitida às pessoas saudáveis pela simples proximidade física com as já infectadas. Por isso, à medida que o número de casos foi aumentando na cidade — juntamente com o medo coletivo —, muitas crianças onde morávamos se viram proibidas pelos pais de usar a grande piscina pública do Parque Olímpico na vizinha Irvington, proibidas de frequentar os cinemas refrigerados nas redondezas e proibidas de tomar o ônibus para ir ao centro ou à avenida Wilson ver os Newark Bears, nosso time de beisebol da segunda divisão, jogar no Estádio Ruppert. Fomos advertidos a não utilizar banheiros ou bebedouros públicos, não tomar nem um gole da garrafa de refrigerante de algum amigo, não apanhar friagem, não brincar com estranhos, não pegar livros emprestados na biblioteca, não falar nos telefones pagos, não comprar comida de vendedores de rua ou comer antes de lavar as mãos cuidadosamente com água e sabonete. Precisávamos lavar todas as frutas e verduras antes de comê-las e devíamos ficar longe de quem parecesse doente ou se queixasse de qualquer dos sintomas típicos da poliomielite.
Considerava?se que uma criança estaria mais protegida da doença se escapasse inteiramente do calor da cidade ao ser mandada para uma colônia de férias no interior ou nas montanhas. Ou se passasse o verão a cem quilômetros de distância, na costa de Jersey. As famílias que podiam arcar com tais despesas alugavam um quarto com direito ao uso da cozinha numa pensão na praia Bradley, uma faixa de areia com um calçadão de tábuas à beira?mar e casas de veraneio, de um quilômetro e meio de extensão, que havia décadas atraía os judeus do norte de Jersey. Lá, mães e filhos iam à praia para respirar o ar fresco e revigorante do oceano durante toda a semana, com os pais se juntando a eles nos fins de semana e nas férias. Naturalmente, havia casos de pólio nos campos de verão e nas cidadezinhas litorâneas, mas, como ocorriam em número muito inferior aos verificados em Newark, generalizou-se a crença de que o ambiente urbano, com as calçadas sujas e o ar parado, facilitava o contágio, enquanto a melhor garantia de escapar à doença podia ser encontrada perto do mar, no campo ou nas montanhas.
Assim, uns poucos privilegiados bafejados pela sorte desapareceram da cidade durante o verão, enquanto o resto da turma ficou para trás a fim de fazer exatamente o que não devíamos, pois se suspeitava que o “esforço excessivo” era outra possível causa da poliomielite: jogávamos uma partida após a outra de beisebol no asfalto escaldante do pátio de recreio da escola, correndo o dia inteiro no calor abrasador, matando a sede com sofreguidão no bebedouro proibido, nos acotovelando num banco nos intervalos, segurando no colo as luvas gastas e encardidas com que no campo enxugávamos o suor da testa para impedir que ele caísse em nossos olhos — fazendo palhaçadas, gozando uns dos outros, envergando nossas camisas empapadas e os tênis malcheirosos, sem dar bola para o fato de que tal imprudência poderia condenar qualquer um de nós à prisão perpétua no pulmão de aço e transformar em realidade os medos mais terríveis do corpo.
Só uma dúzia de garotas frequentava o pátio, quase todas meninas de oito ou nove anos que costumavam ficar pulando corda numa ruela fechada ao trânsito que servia como limite para a parte central do campo de beisebol. Quando não estavam pulando corda, brincavam de amarelinha, corriam de um lado para o outro ou quicavam alegremente uma bola de borracha vermelha durante horas. Às vezes, quando eram usadas duas cordas, cada qual girando numa direção, um dos meninos corria sem ser chamado e, empurrando a garota que estava prestes a pular, se enroscava de propósito nas cordas imitando aos berros a cantoria com que elas acompanhavam os saltos. “H, meu nome é Hipopótamo!” “Para! Para!”, elas gritavam, pedindo a ajuda do fiscal do pátio, que só precisava berrar de onde estava para o bagunceiro (quase sempre o mesmo): “Pare com isso, Myron! Deixe as meninas em paz ou vou mandar você para casa!”. Dito isso, tudo se acalmava. Em breve, as cordas mais uma vez estalavam no ar, a cantoria recomeçava, e cada uma que saltava ia dizendo:
A, meu nome é Agnes
Meu marido é o Alfonso,
Nascemos no Alabama
E comemos ananás!
B, meu nome é Bev
Meu marido é o Bill,
Nascemos nas Bermudas
E comemos beterraba!
C, meu nome é...
Com suas vozes infantis, as garotas que faziam ponto na extremidade do pátio improvisavam variantes de A a Z, voltando ao início e começando outra vez, aliterando as palavras ao final de cada verso, em alguns casos com tiradas absurdas. Saltando e disparando para lá e para cá, sempre muito animadas — exceto quando Myron Kopferman e outros como ele as perturbavam de modo grosseiro —, elas exibiam uma energia fabulosa: caso não fossem chamadas pelo fiscal do pátio para irem se proteger do calor na sombra da escola, não arredavam pé da ruela desde a sexta?feira de junho em que terminava o período escolar da primavera até a terça?feira após o Dia do Trabalho, quando tinha início o outono e elas só podiam pular corda depois das aulas ou durante os recreios.
Naquele ano, o fiscal do pátio era Bucky Cantor. Muito míope, usava óculos de lentes grossas e, por isso, era um dos poucos jovens que não estavam lutando na guerra. Desde o último ano escolar, o sr. Cantor dava aulas de educação física na escola da avenida Chancellor e, portanto, conhecia muitos dos meninos que frequentavam o pátio, por já serem seus alunos de ginástica. Tinha então vinte e três anos, havendo estudado no South Side, um colégio ginasial de Newark que recebia alunos de várias raças e religiões, e na Universidade Panzer de Educação Física e Higiene, em East Orange. Media pouco menos de um metro e sessenta e cinco e, conquanto fosse um grande atleta e tivesse imensa garra, sua altura, combinada à miopia, o impedira de jogar futebol, beisebol ou basquete em nível universitário, limitando sua participação nos torneios intercolegiais ao arremesso de dardo e ao levantamento de peso. Encimando o corpo compacto, havia uma cabeça de bom tamanho, com elementos claramente enviesados: maçãs do rosto largas e salientes, testa quase a prumo, queixo angular e o nariz reto e comprido com uma protuberância na parte superior que dava a seu perfil a nitidez de uma dessas silhuetas gravadas em moedas. Os lábios grossos eram tão bem definidos quanto seus músculos e sua pele permanecia bronzeada o ano inteiro. Desde a adolescência usara o cabelo cortado à escovinha, no estilo militar. Esse corte destacava ainda mais suas orelhas, não por elas serem anormalmente grandes, o que não era o caso, nem por estarem tão coladas à cabeça, mas porque, vistas de lado, exibiam um formato muito semelhante ao do ás de espadas do baralho ou ao das asas nos pés das figuras mitológicas, com as partes superiores quase pontiagudas em vez de redondas como na maioria das orelhas. Antes que seu avô o apelidasse de Bucky, durante algum tempo chegou a ser chamado de Ás pelos amigos de rua, nem tanto por sua maestria precoce nos esportes, mas pela configuração incomum das orelhas.
Os planos enviesados de seu rosto tornavam ainda mais fundos, por trás das lentes, os olhos de um cinza esfumaçado — olhos compridos e estreitos como os de um asiático, que pareciam ocupar verdadeiras crateras em seu crânio. Surpreendentemente, a voz que emergia desse rosto delineado com tamanha precisão era bastante aguda, o que não reduzia, porém, a força de sua aparência. Ele tinha o rosto admiravelmente resoluto, fundido em ferro e resistente às intempéries, de um jovem robusto em quem se podia confiar.
Certa tarde, no começo de julho, dois carros cheios de italianos do ginásio East Side, rapazes entre quinze e dezoito anos, estacionaram no alto da rua residencial que contornava os fundos do pátio de recreio. O East Side ficava no bairro de Ironbound, uma área de fábricas e cortiços onde até então havia sido registrado o maior número de casos de pólio. Tão logo o sr. Cantor os viu, largou a luva no chão — ele defendia a terceira base numa de nossas peladas — e deu uma corridinha até o lugar onde se encontravam os dez estranhos saídos dos carros. Seu estilo atlético de correr, com os pés virados para dentro, era imitado por todos os garotos que frequentavam o pátio,
como também o modo decidido de elevar ligeiramente o corpo quando se movia quase na ponta dos pés e o leve balanço dos ombros musculosos ao andar. Toda a sua postura se tornara um modelo para alguns dos garotos tanto dentro quanto fora do campo de beisebol.
“O que é que vocês querem aqui?”, perguntou o sr. Cantor.
“Estamos espalhando pólio”, um dos italianos respondeu, o primeiro a sair do carro com ares de valentão. “Não é mesmo?”, disse, voltando-se num gesto de bazófia para os companheiros agrupados às suas costas, que, segundo a avaliação imediata do sr. Cantor, estavam loucos para começar uma briga.
“Acho que vocês estão querendo espalhar é confusão”, o sr. Cantor respondeu. “Por que não vão embora daqui?”
“Não, nada disso”, o tal italiano insistiu, “só depois de espalhar um pouco de pólio. Temos muito lá e vocês não têm nada aqui, por isso pensamos em vir espalhar um pouquinho.” Enquanto falava, se balançava para a frente e para trás a fim de mostrar como era durão. Os polegares enfiados atrevidamente nos passadores do cinto, assim como seu olhar, serviam para sinalizar o desprezo que sentia.
“Sou o fiscal do pátio de recreio”, disse o sr. Cantor, apontando por cima do ombro para nós. “Estou pedindo que vocês saiam de perto do pátio. Vocês não têm nada para fazer aqui e estou pedindo com toda a gentileza que saiam. Entendido?”
“E desde quando há uma lei contra espalhar pólio, senhor Fiscal do Pátio?”
“Olhe, a pólio não é nenhuma brincadeira. E há uma lei contra a perturbação da ordem pública. Não quero ser obrigado a chamar a polícia. Que tal irem saindo por conta própria antes que eu peça à polícia para levar vocês daqui?”
Em resposta, o líder do bando, que certamente tinha uns quinze centímetros a mais que o sr. Cantor, deu um passo à frente e cuspiu no chão. Deixou uma ostra de saliva viscosa a alguns centímetros de distância do tênis do sr. Cantor.
“O que você quer com isso?”, perguntou o sr. Cantor. Sua voz ainda era calma e, com os braços cruzados bem junto ao peito, ele se mantinha tão imóvel quanto uma estátua. Nenhum brigalhão de Ironbound ia levar a melhor contra ele ou chegar perto dos seus meninos.
“Já te falei. Estamos espalhando pólio. Não queremos que gente igual a vocês fique de fora.”
“Olhe, gente igual a nós é o cacete”, disse o sr. Cantor, dando um passo raivoso à frente e ficando cara a cara com o italiano. “Você tem dez segundos para dar meia?volta e se mandar daqui.”
O italiano sorriu. Na verdade, não havia parado de sorrir desde que saíra do carro. “E se a gente não sair?”
“Já disse. Vou chamar a polícia para levar vocês e fazer com que não voltem.”
Nesse momento, o italiano voltou a cuspir, agora bem juntinho a um dos tênis do sr. Cantor, que se dirigiu ao garoto que estava esperando para dar a tacada no jogo e, como todos nós, observava em silêncio enquanto ele enfrentava os dez italianos. “Jerry”, disse o sr. Cantor, “corra até o meu escritório. Telefone para a polícia. Diga que você está chamando porque eu pedi. Diga que eu preciso que eles venham aqui.”
“O que é que eles vão fazer, me prender?”, perguntou o chefe do grupo. “Vão me botar em cana porque cuspi na calçada aqui neste bairro maravilhoso? Você também é o dono da calçada, quatro-olhos?”
O sr. Cantor não respondeu, continuou plantado entre os meninos que haviam parado de jogar beisebol no campo asfaltado atrás dele e o monte de italianos que tinham descido dos dois carros. Ainda de pé na rua em frente ao pátio, cada um deles parecia prestes a jogar fora o cigarro que fumava e sacar uma arma. Mas quando Jerry voltou do escritório do sr. Cantor situado no porão — onde, como fora instruído, telefonara para a polícia —, os dois carros e seus agourentos ocupantes já haviam partido. Alguns minutos depois, o carro de patrulha chegou e o sr. Cantor deu aos policiais os números das duas placas que memorizara durante a confrontação. Só depois que a polícia foi embora os meninos, que haviam se mantido atrás da cerca, começaram a ridicularizar os italianos.
Havia saliva espalhada por toda a área da calçada onde os italianos tinham se congregado, uns dois metros quadrados de gosma úmida e nojenta que sem dúvida parecia ser um excelente caldo de cultura para a doença. O sr. Cantor pediu que dois meninos fossem até o porão da escola, trouxessem do quarto do zelador água quente e amônia e as derramasse na calçada até limpar toda a porcaria. O trabalho dos garotos fez com que o sr. Cantor se lembrasse de como precisara fazer uma limpeza semelhante após matar um rato nos fundos da mercearia do avô quando tinha dez anos de idade.
“Não há razão para se preocuparem”, disse o sr. Cantor aos meninos. “Eles não vão voltar. A vida é assim mesmo”, continuou, usando uma das frases prediletas do avô, “tem sempre alguma coisa esquisita acontecendo.” Dito isso, retornou ao campo e o jogo recomeçou. Os garotos, observando tudo por trás do alambrado de dois andares de altura que cercava o pátio, tinham ficado muito impressionados com o modo como o sr. Cantor confrontara os italianos. Seu jeito confiante e decidido, sua força de halterofilista, sua participação cotidiana e entusiástica em nossas partidas de beisebol — tudo isso já havia causado admiração na turma que comparecia regularmente ao pátio desde o dia em que ele se apresentou como fiscal. Mas após o incidente com os italianos ele se tornou um verdadeiro herói, idolatrado como um irmão mais velho e protetor, sobretudo para aqueles cujos próprios irmãos lutavam na guerra.
Alguns dias mais tarde, não apareceram para jogar dois dos meninos que estavam no pátio quando os italianos vieram. Pela manhã, ambos haviam acordado com febre alta e o pescoço enrijecido, e já na noite seguinte — tendo perdido gradualmente a força nos braços e pernas e respirando com dificuldade — foram levados às pressas de ambulância para o hospital. Um deles, Herbie Steinmark, era um aluno da oitava série gorducho, desajeitado e amigável que, devido a sua incompetência atlética, costumava jogar como jardineiro direito e bater por último; o outro, Alan Michaels, também da oitava série, era um dos dois ou três melhores atletas do pátio e o que criara a relação mais próxima com o sr. Cantor. Herbie e Alan foram as duas primeiras vítimas da doença na vizinhança. Nas quarenta e oito horas seguintes, foram registrados outros onze casos e, embora nenhum envolvesse meninos que haviam estado no pátio naquele dia, tornou-se voz corrente em Weequahic que a doença havia sido trazida pelos italianos. Uma vez que, até então, no bairro deles tinha ocorrido o maior número de casos, contra nenhum em nossas redondezas, firmou-se a convicção de que, tal como os próprios italianos haviam declarado, eles atravessaram a cidade naquela tarde com a intenção de infectar os judeus com a poliomielite — e haviam
obtido êxito.
Como a mãe de Bucky Cantor morrera no parto, ele foi criado pelos avós maternos numa casa de cômodos que abrigava doze famílias na rua Barclay, perpendicular à parte baixa da avenida Avon, numa das áreas mais pobres da cidade. Seu pai, do qual herdara a miopia, era guarda?livros de uma grande loja de departamentos no centro da cidade e exibia uma paixão incomum pelas apostas nas corridas de cavalo. Pouco após a morte de sua mulher e o nascimento do filho, foi condenado por roubar da firma a fim de cobrir as dívidas de jogo — tendo se verificado que ele vinha furtando desde o primeiro dia no trabalho. Passou dois anos na prisão e, depois de solto, nunca retornou a Newark. Em vez de ter um pai, o menino, que se chamava Eugene, aprendeu tudo que precisava para viver com o avô, que mais parecia um urso e dava duro de sol a sol na mercearia da avenida Avon, onde ele também trabalhava depois das aulas e aos sábados. Tinha cinco anos quando o pai, casado pela segunda vez, contratou um advogado para fazer com que o filho fosse viver com ele e a nova mulher em Perth Amboy, onde arranjara um emprego nos estaleiros. O avô, em vez de contratar seu próprio advogado, pegou o carro e foi até Perth Amboy, onde ocorreu uma confrontação durante a qual, ao que se dizia, ele ameaçara quebrar o pescoço do ex?genro caso ousasse tentar interferir de qualquer modo na vida do menino. Depois disso, nunca mais se ouviu falar do pai de Eugene.
Foi por carregar caixotes cheios de frutas e legumes na loja com o avô que ele começou a desenvolver a musculatura do peito e dos braços, enquanto o fato de subir e descer correndo inúmeras vezes por dia os três andares de escadas até o apartamento onde morava fortaleceu suas pernas. E foi com a intrepidez do avô que ele aprendeu a enfrentar qualquer obstáculo, inclusive ser filho de um homem que o avô nunca deixou de descrever como um “sujeito sem caráter”. Desde garoto quis ser fisicamente forte, tal qual o avô, e não ter de usar óculos de lentes grossas. Mas sua visão era tão ruim que, quando tirava os óculos à noite para se deitar, mal conseguia distinguir a forma dos poucos móveis em seu quarto. O avô, que jamais se importara com suas próprias deficiências, ensinou ao menino infeliz, quando ele pela primeira vez pôs os óculos aos oito anos, que seus olhos eram agora tão bons quanto os de qualquer outra pessoa. Depois disso, nunca mais foi necessário falar sobre o assunto.
Sua avó era uma mulherzinha carinhosa e de bom coração, um contrapeso positivo e seguro para o avô em termos de educação familiar. Enfrentava com bravura as adversidades, embora seus olhos ficassem marejados quando se mencionava a filha de vinte anos que morrera no parto. Os fregueses da mercearia gostavam muito dela e, em casa, onde suas mãos jamais estavam em repouso, ela seguia, sem dedicar atenção total, a novela radiofônica A vida pode ser bonita e outras do gênero, que a atraíam porque o ouvinte ficava sempre sobressaltado, sempre nervoso, à espera do próximo infortúnio. Nas poucas horas do dia em que não estava ajudando na mercearia, devotava?se por inteiro ao bem?estar de Eugene, cuidando dele quando teve sarampo, caxumba e catapora, certificando-se de que suas roupas estavam sempre limpas e sem rasgões, de que a lição de casa havia sido feita, de que seus boletins escolares tinham sido assinados, de que ia ao dentista com regularidade (o que acontecia com poucas crianças pobres naquela época), de que a comida que cozinhava para ele era saudável e em quantidade suficiente, de que estavam pagas as contribuições para a sinagoga aonde Eugene ia após as aulas a fim de estudar hebraico como parte da preparação do bar mitzvah. Exceto pelas três enfermidades infecciosas comuns a quase todas as crianças, o garoto exibia uma saúde perfeita, dentes fortes e regulares, uma sensação física de bem?estar que sem dúvida tinha a ver com a forma pela qual ela cuidara dele como uma mãe, tentando fazer tudo que, naqueles dias, se imaginava ser bom para uma criança em fase de crescimento. Ela e o marido raramente brigavam — cada qual sabia a função que lhe cabia e como melhor executá-la, fazendo isso com um entusiasmo cujo exemplo certamente não passou despercebido ao jovem Eugene.
O avô acompanhou o desenvolvimento da masculinidade do garoto, sempre pronto a eliminar qualquer fraqueza que pudesse ter sido herdada — juntamente com a miopia — do pai natural, ensinando?lhe que todos os atos de um homem devem estar imbuídos de responsabilidade. A dominação exercida pelo avô não era fácil de suportar o tempo todo, porém, quando Eugene correspondia às suas expectativas, também não faltavam elogios. Certa vez, quando tinha dez anos, deu de cara com um grande rato cinzento no sombrio depósito nos fundos da loja. Já escurecera do lado de fora quando viu o rato entrando e saindo de uma pilha de caixas de verduras que ele havia ajudado o avô a esvaziar. Naturalmente, seu primeiro impulso foi correr. Em vez disso, sabendo que o avô estava na parte da frente com um freguês, buscou num canto a pesada pá que vinha aprendendo a usar para cuidar da fornalha que aquecia a loja.
Prendendo a respiração, avançou na ponta dos pés até encurralar num canto o rato em pânico. Quando levantou a pá, o rato se ergueu sobre as patas traseiras e, rangendo os dentes, se preparou para saltar. No entanto, antes que pudesse sair do chão, o menino arriou velozmente a parte de baixo da pá, esfacelando o crânio do roedor. Sangue misturado a fragmentos de ossos e cérebro penetraram nas fissuras entre as tábuas do assoalho do depósito depois que, não tendo conseguido suprimir completamente uma súbita ânsia de vômito, ele usou a pá para recolher o animal morto. Era pesado, mais do que poderia ter imaginado, parecendo maior e mais comprido na lâmina da pá do que quando se erguera sobre as patas traseiras. Estranhamente, nada — nem mesmo a cauda sem vida e os quatro pés imóveis — dava a impressão de estar tão morto quanto os pares de bigodes, tão finos quanto agulhas e manchados de sangue. Ao brandir a arma, não notara os bigodes, só havia registrado as palavras “Mata ele!” como se formuladas em seu cérebro pelo avô. Esperou até que o freguês houvesse partido com seu saco de verduras e só então, segurando a pá bem à sua frente — e mantendo o rosto inexpressivo para mostrar como não se deixara perturbar —, atravessou a loja com o rato morto a fim de exibi?lo ao avô antes de sair porta afora. Na esquina, deixando a carcaça escorregar da pá, enfiou?a pelo bueiro de ferro para dentro do esgoto. Voltou à mercearia e, com uma escova, sabão de pedra, pedaços de pano e um balde de água, limpou seu próprio vômito e os restos do rato no chão e na lâmina da pá.
Foi após esse triunfo que seu avô começou a chamar de Bucky o menino de dez anos e óculos de lentes grossas, devido às conotações de tenacidade, coragem e espírito de iniciativa que o apelido sugeria.

domingo, 23 de outubro de 2011

CLÁSSICO pássaro sangrento

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É daqueles filmes que apenas os italianos sabiam fazer: sangrento, barroco, expressionista, bizarro, cafona e imperdível.

TOLO, EU ENLOUQUEÇO!

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"Eu farei coisas, não sei o que serão, mas hão de ser o horror da terra.

Esperais que eu chore?

Não, não hei de chorar:

Tenho razões para isso, mas o peito há de romper-se em cem mil estilhaços antes que eu chore.

Tolo, eu enlouqueço!"

Rei Lear. Cena IV, Ato II. William Shakespeare

TRECHO as esganadas

Jô Soares

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A gorda é a última freguesa a deixar o tradicional chá da tarde na confeitaria Colombo. Segue pela Gonçalves Dias em direção à rua do Ouvidor. Sua bata branca é amarelada pela infinita quantidade de molhos e caldos nela derramada. Farelos antiquíssimos apegam-se como náufragos desesperados aos babados da blusa. A gorda é bela. Bela e voraz. À porta da confeitaria, ainda segura meia fatia de torta de morango na mão esquerda, enquanto a direita envolve um enorme éclair de chocolate. A gorda gruda-se àquelas guloseimas como se delas dependesse sua vida. Ela é gorda, bela, voraz e gulosa.

Um dilema a aflige à medida que avança pela calçada estreita demais para ela: deveria terminar primeiro a torta ou, antes, abocanhar o éclair? Seus pequeninos olhos porcinos, indecisos, olham para os acepipes presos firmemente entre seus dedos roliços. Ela é gorda, bela, voraz, gulosa e indecisa.

Finalmente, trêmula e ofegante, numa antevisão gozosa dos prazeres que as ávidas papilas da sua língua sentiriam, a gorda atocha na boca o pedaço de torta. Mastiga e engole automaticamente, num movimento simultâneo aperfeiçoado por décadas de prática. Limpa a mão na saia cinza livrando-se dos restos do creme chantilly. As listas brancas sobre a saia formam a imagem grotesca de um quadro abstrato. Ela é gorda, bela, voraz, gulosa, indecisa e lambuzona.

A gorda chega à rua Primeiro de Março, agarrando o gigantesco éclair de chocolate com as duas mãos, como se fosse um imenso falo negro. Antes que desfira a primeira dentada na cobiçada iguaria, sua bisbilhotice é atiçada por um furgão branco fosco estacionado quase na esquina da rua. O que alerta a atenção da gorda são os diversos doces e bombons expostos numa grande prateleira que sai do veículo, e o cartaz empunhado por um homem ao lado onde se lê em letras garrafais:

DEGUSTAÇÃO GRÁTIS!
PROVE OS SABOROSOS PETISCOS DE PÂTISSERIE DOCES FINOS E AJUDE-NOS A ESCOLHER. NENHUMA EXPERIÊNCIA NECESSÁRIA.

Ela enfia na boca o éclair de uma só vez e se aproxima daquele Eldorado gastronômico sem saber que se avizinha da sua última tentação.

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O homem é magro. Mais do que magro. Esquálido, seco, macilento. Serviria perfeitamente de modelo para uma caricatura da Morte, porém sua ligação com Tânatos superava o traço de qualquer desenhista. Herdara do pai a funerária Estige, denominação do rio que separava os mortos dos vivos na mitologia grega. Sua mãe, Odília Barroso, possuidora de um senso de humor discutível, o batizara de Caronte, como o barqueiro encarregado da travessia das almas. O pai, Olavo Eusébio, concordara. Olavo sujeitava-se a todos os caprichos da mulher.

Localizada à rua Real Grandeza, perto do cemitério São João Batista, a Estige é, sem dúvida, a mais prestigiosa da cidade. Seus carros sofisticados e caixões de luxo conferem status a simples exéquias. As salas especiais para velórios rivalizam com os suntuosos salões de baile do Rio de Janeiro.

Caronte é alto, muito alto. Vestido de negro, com cabelos longos e ralos, ele parece ainda mais emaciado. De uma palidez cadavérica, sua pele fenecida confunde-se com a dos defuntos que costuma transportar. Lavara e vestira seu primeiro cadáver aos treze anos.

Quando Caronte completou dezessete, o pai, contrariando a esposa pela única vez na vida, o enviou à Alemanha. Durante um ano, ele estudou com Friedrich Berminghaus, professor do Colégio Real de Química e diretor do Departamento de Anatomia da Universidade de Munique. Lá, aprendeu tudo sobre tanatopraxia, a moderna técnica de embalsamamento que preserva a aparência natural do corpo, minimiza as alterações fisionômicas e permite que o velório se estenda além das tradicionais vinte e quatro horas.

Berminghaus fora discípulo de August von Hofmann, descobridor do formaldeído. Esse aprendizado teve seu preço. Na ânsia de aperfeiçoar-se, Caronte se descuidava no uso do formol. Trabalhava horas a fio, obsessivamente, manipulando sem a proteção necessária os frascos. Os produtos causavam-lhe feridas na pele e provocavam um prurido intermitente. Berminghaus o prevenira amiúde do perigo:

Vorsicht, Caronte! Das ist sehr gefährlich!

Kein Problem, Herr Doktor...

Como desde a infância Caronte tinha dentes, cabelos e unhas frágeis, e manchas pardas espalhadas pelo corpo, as quais ocultava com o uso de camisas de gola alta e mangas longas, ele não dava muita atenção às alterações causadas pela química. Depois de terminar o curso, Caronte voltou para o Rio. Trouxe com ele as mazelas que o acompanhariam para sempre: chagas no corpo, irritação nas mucosas e distúrbios no sistema nervoso. Não se importava. Para ele, a morte era um meio de vida.

A funerária Estige passara de pai para filho desde a Guerra do Paraguai. Seu bisavô enriquecera devido a um contrato feito com o governo, sem licitação, intermediado pela namorada de um funcionário ligado ao gabinete do Ministério da Guerra. Tal contrato cedia exclusividade para o funeral dos soldados não identificados mortos no conflito. O escândalo da negociata fora abafado quando a imprensa descobriu que havia um número maior de enterros do que de combatentes mortos.

Olavo Eusébio Barroso se enforcou no lustre da sala de jantar no dia em que completou cinquenta anos. Envergava a mesma sobrecasaca antiga das cerimônias fúnebres. Não deixou carta ou bilhete, mas Caronte sabia que o suicídio era o resultado de anos sofrendo passivamente o domínio autoritário da mulher.

Caronte queria se livrar da funerária e ingressar no recém-fundado Conservatório Brasileiro de Música. Antes de ser obrigado a participar dos negócios da família, seu sonho de infância era ser maestro. Aprendeu a tocar piano de ouvido numa velha pianola encostada no porão de casa e sabia de cor a obra dos grandes clássicos. Na Alemanha, assistia a todos os concertos da Münchner Philharmoniker e adorava as óperas de Wagner no Festival de Bayreuth, cidade próxima a Munique. Quando participou sua intenção à mãe, Odília olhou-o com desprezo e respondeu lacônica: “Nem pensar. Gastamos muito dinheiro na sua educação”.

Caronte odiava a mãe. Destilava por ela um ódio figadal desde a sua festa de aniversário de dez anos, quando, em vez do bolo, ela pôs na sua frente um prato com meio mamão enfeitado com as velas. O menino famélico soprou e odiou. Ao contrário dele, Odília era gorda. Muito gorda. Imensa. Parou de se pesar quando sua compleição obesa, de um metro e setenta de altura, acusou cento e quarenta quilos numa balança de armazém. Seu rosto era lindo, de uma beleza clássica. Começara a engordar depois da gravidez do único filho. Não fosse o excesso de peso, seu corpo suscitaria a inveja das antigas amigas do liceu. A mãe tinha medo de que seu filho engordasse. Um pânico desnecessário, porque Caronte herdara as características físicas do pai, magro como ele. O metabolismo acelerado do menino queimava as tortas e pastéis deglutidos às escondidas antes mesmo que ele terminasse de ingeri-los. Apesar dos apelos inúteis do pai, nada convencia Odília. Ela mantinha o filho sob dieta rigorosa. Cada prato minguado de legumes que a tirana lhe empurrava goela abaixo açulava o ódio que ele nutria pela mãe obesa. O que agravava essa tortura eram os cardápios portugueses que ela mesma planejava com esmero, usando receitas originais de sua avó natural da região do Minho. Odília costumava dizer ao prepará-los: “É o meu passatempo favorito. Melhor que fazê-los, só comê-los!”, e desfechava uma gargalhada assustadora, sacudindo seu triplo queixo em cascata.

Foi num desses dias, ao ver a mãe aprontando uma bacia de Ovos Moles d’Aveiro, que Caronte decidiu matá-la.

A morte de Odília foi considerada acidental. Na verdade, o “acidente” havia sido provocado por um empurrão do filho. O corpo fora encontrado no chão liso da cozinha como se ela tivesse escorregado e batido com a base do crânio na quina do forno, quando preparava um imenso Pudim Abade de Priscos. Antes de chamar a polícia, Caronte debruçou-se sobre o fogão e sorveu avidamente a calda caramelada do pudim mesclada ao sangue da mãe. Um espasmo sacudiu todo o seu corpo e a nódoa escura que se alargava na frente das suas calças revelava o fruto de um orgasmo incontrolável.

Um dia, Caronte vê uma gorda na rua lambendo um cone de sorvete. O rosto lindo lembra-lhe a mãe. Servindo-se da ponta da língua como um lagarto, a gorda desempenha movimentos ágeis e lascivos em torno da bola gelada. Com perícia, ela evita que as gotas escorram pelos dedos gorduchos. É quando Caronte percebe que jamais se livrará da mãe, a não ser que a mate sempre, sempre. Resolve assassiná-la novamente em cada gorda que encontrar. A partir de então, ele só vive para vê-la morrer. Começa a temporada de caça às gordas.

Caronte é agora rico e independente. Pode fazer o que quiser do seu tempo. Descobre que é dotado de ouvido absoluto, a capacidade de identificar cada uma das notas da escala cromática. Estuda música e aprende a tocar, com facilidade, todos os instrumentos de corda. O piano é o seu predileto. Para que a chacina das vítimas relembrasse de forma indelével a morte de Odília, atrairia cada uma delas com as receitas portuguesas da mãe. Pratica intensamente, em segredo, até se transformar num confeiteiro e mestre-cuca melhor que muitos profissionais do ramo. Pela primeira vez na vida, come.

Um dos carros funerários exclusivos da sua agência é de 1931 e tem uma característica original. Caronte é o único no Brasil a ter esse modelo. A inovação consiste numa larga porta dupla lateral para a entrada do caixão, a qual não se dá mais pela porta traseira. Uma prancha móvel sobre trilhos gira para fora, fazendo uma curva em direção à calçada, o que facilita a colocação do ataúde sem expor os carregadores ao trânsito. É sobre essa prancha que Caronte dispõe as iscas irresistíveis.

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Seu nome é Cordélia e não Gordélia, como a chamavam as coleguinhas do primário. Fartavam-se de rir do trocadilho com a crueldade inocente típica das crianças.

Cordélia Casari tem trinta e cinco anos e é gulosa desde menina. Sua avó italiana costumava dizer durante as refeições, quando ela se empapuçava de nhoque: “Não seja esganada, menina! Che pecatto, così bella e così ghiottona...”. Cordélia vem correndo com a rapidez que seus passos curtos permitem. As coxas roliças roçam uma na outra prenunciando uma assadura incômoda. Ela não liga. Não é a primeira vez que isso acontece. Depois, em casa, tratará com unguento sua pele em carne viva.

O rosto habitualmente sisudo de Caronte se abre num largo sorriso. Parece o riso morto das máscaras de Carnaval. A boca se rasga de orelha a orelha, deixando à mostra dentes perfeitos e de uma alvura excessiva, características peculiares às falsas dentições. Sua voz é sedutora e aveludada quando ele convida:

— Será que a senhorita nos daria a honra de submeter os nossos doces ao seu delicado paladar? É grátis, sirva-se à vontade...

A gorda, tomada por um fervor quase religioso, se acerca da prateleira de doces. Chega-se aos pulos, como um passarinho seduzido pela serpente. Sua indecisão se manifesta de novo:

— São tantos, meu Deus, e tão lindos!

Ela se inclina para cheirá-los, as narinas pulsando de prazer. A rua está deserta, não há por que se acanhar. Cordélia lambe o chantilly que cobre uma torteleta de morango. É nesse instante que Caronte a derruba sobre a prateleira esmigalhando os doces. Antes que ela se dê conta, ele tapa seu nariz repleto de creme com o lenço empapado em clorofórmio. Em segundos, ele cobre o corpo inerme com a mortalha que traz dobrada no banco da frente, guarda o cartaz na bolsa do carro e empurra a presa desmaiada para dentro do furgão. A carga gira nos trilhos como os bondes nos terminais. Ele senta-se ao volante e acelera a limusine mortuária, sinistro como o Caronte mitológico, singrando com sua carga pelo sombrio rio Estige.

sábado, 22 de outubro de 2011

A BELA Catherine Deneuve

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You finish off as an orgasm!

In my next life I want to live my life backwards. You start out dead and get that out of the way. Then you wake up in an old people’s home feeling better every day. You get kicked out for being too healthy, go collect your pension, and then when you start work, you get a gold watch and a party on your first day. You work for 40 years until you’re young enough to enjoy your retirement. You party, drink alcohol, and are generally promiscuous, then you are ready for high school. You then go to primary school, you become a kid, you play. You have no responsibilities, you become a baby until you are born. And then you spend your last 9 months floating in luxurious spa-like conditions with central heating and room service on tap, larger quarters every day and then Voila! You finish off as an orgasm!

- woody allen

o bebê de rosemary

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Mia Farrow e Roman Polanski durante a filmagem de um dos melhores filmes sobre satanismo já feitos!

A BELA Mary Elizabeth Winstead

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A BELA pam grier

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VOYAGE VOYAGE

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

TRECHO A Viúva Grávida

Martin Amis

Scheherazade veio se decantando através dos três níveis do declive em patamares e agora se deslocava através de um conjunto formado por um caramanchão e uma estufa de plantas, enquanto se aproximava da água, descalça, mas em trajes de jogar tênis – saiote xadrez verde-claro e uma camiseta amarela. Com um rodopio, desfez-se da parte inferior da roupa (ele pensou numa maçã sendo descascada) e escapuliu de dentro da parte superior; e depois dobrou os cotovelos dos braços compridos para trás, como se fossem asas, e desafivelou a parte superior do biquíni (e lá se foi aquela parte – com um simples meneio do corpo, ela se foi), dizendo:

‘Outra coisa chata, isto aqui.’

Claro, aquilo também não era chato. Por outro lado, seria deploravelmente imaturo e burguês (e caído) dar o menor sinal de estar prestando atenção ao que agora estava exposto; portanto Keith tinha a difícil tarefa de olhar para Lily (de roupão folgado, sandálias de dedo e ainda na sombra), enquanto simultaneamente comungava com uma imagem que estava destinada, a partir de agora, a permanecer no mais solitário ermo de sua visão periférica. Depois de trinta segundos, mais ou menos, para sossegar os nervos em seu pescoço meio tolhido, Keith olhava para o alto e para longe – para as encostas douradas do maciço, que ecoavam o azul-claro. Lily bocejou e disse:

‘E qual é a outra coisa chata?’

‘Bem, eu acabo de ser informada…’

‘Não, eu quero saber qual é a outra coisa chata.’

Lily estava olhando para Scheherazade. Então Keith fez isso também… E esta foi a ideia, esta foi a pergunta que eles despertaram em Keith, eles, os peitos de Scheherazade (as circunferências geminadas, adjacentes, permutáveis): Onde está a polícia? Onde é que estava a polícia? Era uma pergunta que ele se fazia muitas vezes naqueles tempos incertos. Onde é que eles estavam, a polícia?

 

TRAILER o demônio interior

OS SIMPSONS

Abertura à moda com atores. Velho, eu sei. Mas muito legal.

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terça-feira, 11 de outubro de 2011

Monsieur Pain

Roberto Bolaño

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Um trecho

Na quarta-feira 6 de abril, ao entardecer, quando eu ia saindo de casa recebi um telegrama da minha jovem amiga madame Reynaud solicitando minha presença em caráter urgente naquela mesma tarde no Café Bordeaux, localizado na rue de Rivoli, não muito longe da minha residência e a uma hora em que eu ainda, se me apressasse, podia chegar com pontualidade.
O primeiro sintoma da singularidade da história em que eu acabava de embarcar se apresentou logo em seguida, quando desci a escada e cruzei, na altura do terceiro andar, com dois homens. Falavam espanhol, um idioma que não entendo, e usavam gabardines escuras e chapéus de aba larga que, por estarem eles num nível inferior ao meu, velavam seus rostos. Pela meia penumbra comumente reinante na escada e devido também à
minha maneira silenciosa de me movimentar, não se deram conta da minha presença até ficarem frente a frente comigo, distantes tão só três degraus; então pararam de falar e, em vez de se afastarem para que eu pudesse continuar descendo (a escada é  larga o bastante para duas pessoas, não para três), olharam?se um ao outro durante uns instantes que me pareceram fixos em algo como um simulacro de eternidade (devo insistir que eu estava alguns degraus acima) e depois pousaram, com extrema lentidão, seus olhos em mim. Policiais, pensei, só eles conservam essa forma de olhar, herança de caçadores e de bosques umbrosos; depois me lembrei de que falavam espanhol, portanto não podiam ser policiais, pelo menos não policiais franceses. Pensei que se dispunham a falar comigo, o inevitável francês capenga dos estrangeiros perdidos, mas em vez disso o que estava diante de mim se pôs de lado, do pior modo imaginável, contra o ombro do seu companheiro, numa posição que certamente incomodaria os dois, e pude, depois de um breve cumprimento que não foi
correspondido, continuar a descida. Por curiosidade, ao chegar ao primeiro patamar me virei e observei: continuavam ali, juraria que nos mesmos degraus, debilmente iluminados por uma lâmpada do patamar superior e, o que é de fato surpreendente, na mesma posição que adotaram para que eu pudesse passar. Como se o tempo houvesse parado, pensei. Ao chegar à rua, a chuva fez com que eu me esquecesse desse incidente.
Madame Reynaud estava sentada no fundo do restaurante, junto da parede, as costas como de costume bem retas. Parecia impaciente, mas ao me avistar seu rosto se tranquilizou, como se uma repentina lassidão fosse a maneira indicada para demonstrar que tinha me reconhecido e que me aguardava.
- Quero que vá ver o marido de uma amiga — foi a primeira coisa que disse mal tomei assento em frente a ela, de cara para um enorme espelho de parede do qual podia dominar a quase totalidade do restaurante.
Lembrei?me, sabe?se lá por que contorta analogia, do rosto de seu jovem marido, falecido pouco tempo antes.
— Pierre — repetiu reforçando cada palavra —, é urgente que veja, profissionalmente, o marido da minha amiga.
Creio que pedi uma taça de menta antes de perguntar de que doença padecia o senhor...
— Vallejo — disse madame Reynaud, e acrescentou, igualmente sucinta: — Soluço.
Não sei por que as imagens desconexas de um rosto que podia ser o do falecido monsieur Reynaud se sobrepuseram aos corpos que bebiam e conversavam a uma ou duas mesas de distância.
— Soluço? — perguntei com um triste sorriso que queria ser respeitoso.
— Está morrendo — afirmou com veemência minha interlocutora —, ninguém sabe de quê, não é brincadeira, o senhor tem de salvar a vida dele.
— Temo — sussurrei enquanto ela espiava nervosamente através das vidraças o fluir dos passantes da rue de Rivoli — que, se a senhora não for mais explícita...
— Não sou médica, Pierre, não entendo quase nada dessas coisas, bem sabe que minha desgraça foi essa, sempre quis ser enfermeira. — Seus olhos azuis brilharam enfurecidos. Madame Reynaud, de fato, não havia feito estudos superiores (na verdade não havia feito estudos de nenhum tipo), o que não era empecilho
para que eu a considerasse uma mulher de viva inteligência.
Com um ligeiro muxoxo, baixando as pestanas, acrescentou com a entonação de quem recita algo aprendido de cor:
— Desde fins de março monsieur Vallejo está hospitalizado. Os médicos ainda não sabem o que ele tem, mas o certo é que está morrendo. Ontem começou a ter soluço... — Deteve?se um momento, passeou o olhar pela clientela, como se tentasse localizar alguém. — Quer dizer, começou ontem a soluçar constantemente sem que ninguém pudesse fazer nada para aliviar. O senhor sabe, o soluço pode chegar a matar uma pessoa. Como se isso não bastasse, a febre não baixa a menos de quarenta. Madame Vallejo, que conheço há anos, me ligou esta manhã. Está sozinha, não tem ninguém salvo os amigos do marido, quase todos sul?americanos. Ao me explicar sua situação pensei no senhor, mas é claro que não prometi nada a ela.
— Sua confiança é uma honra — consegui suspirar.
— Tenho fé no senhor — replicou de imediato.
Pensei que a fé era o primeiro requisito para amar. Ela me pareceu frágil. Seus olhos estavam secos (por que não estariam?) e pareciam estudar com morosidade as ombreiras do meu paletó.
— O que os médicos não conseguiram, o senhor pode fazer com acupuntura.
Pôs a mão em cima da minha; senti um ligeiro calafrio; os dedos de madame Reynaud, por um instante, me pareceram transparentes.
— Creia?me, o senhor é a única pessoa que pode salvar o marido da minha amiga, mas devemos nos apressar, se aceitar terá de ir ver Vallejo amanhã mesmo.
— Não posso me negar, é claro — disse sem me atrever a encará-la.
Sua exclamação atraiu a atenção de algumas mesas vizinhas:
— Eu sabia! Oh, Pierre, confio no senhor, confio tanto!
— Qual a primeira coisa que devo fazer? — atalhei?a, enquanto via no espelho meu rosto ruborizado, talvez feliz, e a figura do garçom falando com dois indivíduos vestidos de preto, altos e magros, de rosto descarnado, ao lado do caixa, como se estivessem pagando a conta ou fazendo uma confidência.
— Não sei, meu amigo, tenho de falar com Georgette, com madame Vallejo — precisou —, e marcar um encontro para amanhã cedo.
— Ótimo. Quanto antes eu tiver uma ideia do estado em que se encontra o marido da sua amiga, melhor — asseverei.
O garçom e os dois homens de preto se viraram para nos observar. Os desconhecidos, extremamente pálidos, moveram a cabeça, em uníssono, como que assentindo. Tive uma sensação estranha: nesse momento me pareceram, ambos, uma das encarnações possíveis da piedade. Perguntei?me se madame Reynaud não os conhecia.
— Estão nos observando.
— Quem?
— Ali, junto do caixa, dissimule, dois homens vestidos de preto. Para mim parecem um par de anjos, não acredita?
— Não diga bobagem, eu lhe suplico, os anjos são jovens e têm a pele rosada. Esses pobres homens parecem recém?saídos da prisão.
— Ou de um porão.
— Mas provavelmente são apenas empregados de escritório cansados, talvez doentes.
— É verdade. A senhora os conhece?
— Não, claro que não — respondeu, os olhos fixos no prendedor da minha gravata.
Parecia ter ficado menor.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

LO-LI-TA

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Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta.

Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita.

- Vladimir Nabokov

sábado, 8 de outubro de 2011

The Human Centipede II (Full Sequence)

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Puta cartaz para um filme que promete ser mais BIZARRO e NOJENTO que o original.

Fuck yeah movie posters.

O REI MACACO

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Uma das maiores e mais trágicas histórias de AMOR do cinema, KING KONG é daqueles filmes que ultrapassam a definição de clássico para alcançar as alturas do MITO.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

EIS ALEJANDRO JODOROWSKY!

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“A maior parte dos cineastas fazem filmes com os olhos. Eu faço filmes com os colhões.”

Cinema ex-machina.

DELICIOSAMENTE

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RASPADINHA.

PSICÓTICOS

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“Censores tendem a fazer aquilo que somente psicóticos fazem: Eles confundem realidade com ilusão”- David Cronenberg.

DELEITE-SE

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Porque o sexo e a violência são viciantes, seja na beleza das curvas, seja no frio da lâmina ou no calor da bala. Não há como não gostar dos filmes 1970’s feitos no japão. Aquela mistura de cenários bregas e carros enormes e violência extrema e música perfeita que no cinema muito frequentemente eu chamo de DELEITE.


SE AVENTURA TEM UM NOME

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Werner Herzog, mais que um CINEASTA, um verdadeiro AVENTUREIRO.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

domingo, 2 de outubro de 2011

EL HUMOR DE MACANUDO

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Autoliniers.

A MORTE E A MORTE DE ZÉ GALINHA

Fausto Salvadori

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Poucas histórias foram tão bizarras quanto a do Zé Galinha de Itapevi, o que foi assassinado duas vezes. O ódio que despertou em vida foi tão grande que uma morte não foi o bastante para seus inimigos. Eles tiveram de matá-lo pela segunda vez, arrancar sua cabeça e arrastá-la pelas ruas.
Não que a razão de tanto ódio fosse um mistério:
- O Zé Galinha? - o policial se lembrava. - O Zé Galinha era um pé de pato.
- Mas isso já tá virando uma granja...
"Pé de pato" é o apelido dos matadores de bandidos, categoria profissional que ganha até dos estupradores e X-9 (cagüetas) na lista dos mais detestados pela malandragem.
A primeira morte de Zé Galinha foi em sua casa, com cinco tiros. Já estava enterrado há dez dias quando dois homens invadiram o cemitério armados e fizeram cinco reféns. Os bandidos apontaram o revólver para a cabeça de uma servente, encarregada de preparar os cafezinhos dos velórios, e ameaçaram matá-la se não fosse obedecidos. Os outros quatro (um guarda municipal, um coveiro, um motorista e seu ajudante) resolveram entregar o que os bandidos queriam.
- Viemos buscar a cabeça de um pilantra - disseram. - Ele matou um amigo nosso.
O grupo passou pelo pórtico com a inscrição O que hoje sou amanhã serás e chegou ao jazigo da família Rodrigues, onde Zé Galinha estava sepultado. Com a mão no gatilho, um dos bandidos disse aos homens que arrebentassem as paredes do túmulo. Ainda havia flores sobre ele.
Dez dias. Por este tempo, segundo a medicina, o cadáver entra no período gasoso: a mancha verde que nasce no abdômen já se espalhou por outras partes e os gases da decomposição tomam conta de todo o corpo. É quando rosto, pescoço, barriga e órgãos genitais incham a níveis absurdos, olhos e língua saltam, o cu se abre e libera uma porção do intestino.
Era assim que Zé Galinha se mostrava. Depois de retirá-lo do túmulo, o guarda e os três funcionários foram obrigados a decepá-lo. Tentaram primeiro com uma pá, sem sucesso. Com facão e serrote, o grupo conseguiu remover a cabeça e entregá-la aos bandidos. Toda a ação levou cerca de duas horas. Os bandidos foram embora e largaram o troféu numa rua a um quilômetro do cemitério.
Os carrascos involuntários da segunda morte de Zé Galinha continuavam pálidos e de mãos trêmulas na delegacia, horas depois de abandonarem o cemitério. A cabeça já estava no rabecão, aguardando para ser periciada e depois novamente sepultada.
- Parece uma daquelas máscaras de filme de terror - comentou um PM, abrindo as portas do rabecão para dar uma "espiadinha básica". E para mim: - E aí, quer ver também?
- Não, obrigado.
Na época, eu tinha vergonha de assumir minha morbidez. Hoje, me arrependo de ter perdido a oportunidade de conhecer o rosto de Zé Galinha na sua segunda morte.

Longa jornada noite adentro.

O GRANDE LEBOWISKI cuss words

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