José Marcelo
É dos olhos que me lembro. Castanhos. Sonolentos. Nus. É, nus. Nada se escondia naqueles olhos. Todos os sentimentos. Todos os relances. Nada se ocultava. A alegria neles em uma tarde quente, nós dois deitados na grama sob a sombra de uma árvore enorme. A tristeza em uma noite em que brigamos, com ela sentada encolhida na cama. A maneira como eles brilhavam quando ela atingia o orgasmo. Um momento puro e curto, porém profundo. Trêmulo e perfeito. É. Aqueles olhos. Acho que eram os olhos que me faziam amá-la.
E então eles fecharam-se. Um acidente estúpido. Um carro despedaçado contra um poste estreito e duro. Perdi minhas pernas. Ela morreu. Os vidros estilhaçaram seu rosto, mas, divina providência!, deixaram seus olhos intactos.
É por isso, meu amigo, que eu os quero de volta.
__ Eu não vou fazer isso. Você ficou maluco? disse o homem da funerária. Ele protestou, disse que era imoral e tudo o mais. Mas no fim cedeu. Um homem com um preço. Estou acostumado com isso.
Na mesma noite, deitei ambos ao meu lado na cama, castanhos e arregalados sobre o travesseiro. Beijei aqueles olhos. Senti o gosto deles na minha lingua.
Depois os coloquei dentro da boca. Com extremo cuidado. Eram delicados. Eram como eu imaginava. Saborosos.
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