quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

Richard Matheson

emalgumlugardois

Um trecho:

Não sei dizer quando ela primeiro tomou consciência de mim. Minha única certeza é de que parou quando me viu, imóvel junto da água, com a silhueta destacada contra as últimas e pálidas fulgurâncias do sol que se punha. Seus olhos pousaram em mim, eu podia dizer, embora sem vê-los e sem ver sua face ou imaginar com que
emoções ela via a minha aproximação. Sentiria medo? Eu não previra que Elise pudesse acolher minha chegada com receio. Nosso encontro havia sido tão inevitável, que nunca considerei essa possibilidade. Sopesei-a agora. O que fazer, se ela corresse em fuga ou gritasse por socorro?
Depois de muito tempo, parei diante dela, silencioso, e nos entreolhamos. Ela
era mais baixa do que eu imaginara. Quase precisava tombar a cabeça para trás, a fim de olhar-me no rosto. Eu não conseguia ver bem o dela, porque Elise tinha as costas contra o sol que se punha. Por que estava tão quieta, tão estática? Senti algum alívio, por ela não pedir socorro nem dar-me as costas e fugir. Entretanto, por que a falta absoluta de reação? Seria possível que o medo a deixara muda, tolhera-lhe os movimentos? Tal idéia deixou-me nervoso.
O que eu sentira, quando me aproximava dela, nada era em comparação ao que
sentia agora. Meu corpo e mente pareciam paralisados. Não me moveria nem falaria,
se minha vida dependesse disso. Um pensamento penetrou-me no cerebro. Por que
também ela estava ali, parada e muda, olhando para mim? De certa forma, percebia
que não era por causa de nenhum terror paralisante, mas, além disso, era impossível avaliar seu comportamento ou reagir a ele.
Então, abrupta e inesperadamente, ela falou, e o som de sua voz me sobressaltou.
— É você? — perguntou.
Se eu houvesse compilado uma lista de todas as frases de abertura que ela
poderia dirigir-me, aquela estaria no fim ou talvez nem mesmo fizesse parte dela. Fiteia, incrédulo. Teria acontecido algum encantamento, inteiramente além de minhas visões, para permitir-lhe já saber a meu respeito? Era difícil de crer. Entretanto, um instante depois que ela falou, senti que me vinha ao encontro a miraculosa oportunidade de ultrapassar o que poderiam constituir horas em persuadi-la a aceitar-me.
— Sou, Elise — ouvi-me respondendo.
Ela começou a tremer e estendi o braço rapidamente para ampará-la. E como
descrever, após todos os meus sonhos com ela, a constatação de que aqueles sonhos adquiririam carne, a mesma que sentia sob meus dedos? Ela ficou tensa ao contato, mas não a soltei.

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