Lawrence Durrell
Trechos:
__ Quanto mais conhecemos sobre o homem, menos podemos tolerar a situação humana submetida ao Príncipe.
Um medonho ato de duplicidade tinha invertido a ordem racional do universo—era isso o que ele queria dizer, como depois percebi. O intruso, que tinha substituído o monarca original, lançara a confusão no funcionamento da lei cósmica. Desde que ele, o Príncipe Negro, chegara, tudo teve de ser reordenado, reaprendido, reformulado, toda a realidade, portanto (…) Só muito mais tarde compreendi o que ele queria dizer—aceitar essa crença era permanecer fiel ao desespero fundamental da realidade, compreender de forma final e total que não havia esperança, a não ser que o deus usurpador fosse destronado, e não parecia haver meios de consegui-lo.
Ocorreu uma mudança radical de ênfase, tão marcada quanto qualquer momento histórico, como Copérnico ou a queda de Constantinopla,que transferiu o equilíbrio do domínio do espírito para o da matéria. Indícios disso podem ser identificados nas velhas mitologias. Todo o eixo da sensibilidade humana foi modificado—como se em algum lugar, longe da vista, uma calota polar Sr tivesse derretido. A vegetação antiga deu lugar à nossa nova vegetação de aço, florescendo em bronze, depois ferro, depois aço—um progressivo endurecimento das artérias. A tábua das essências foi substituída pela tábua dos elementos. A Pedra Filosofal, o Santo Graal da consciência antiga, deu lugar aos valores usurpantes da barra de ouro—a nova regente da alma. Agora o escravo, considerando-se livre, passou a medir sua potência pela moeda, pelo valor do capital, o elemento totalmente saturnino de sua natureza. Nasceu a obscura e doce auréola da usura. E a liberdade, que é simplesmente a capacidade de despender—seu protótipo, o orgasmo—foi acorrentada na mente, e mais tarde no corpo. A faculdade de acumulação, a usura, embutiu-se no próprio saco de esperma do homem, que começou a fundar culturas baseadas em repressões-chaves—a faculdade de armazenar, de reter, de acumular (…) a dualidade tornou-se a chave não só do pensamento filosófico, como da própria linguagem, cujo tijolo básico, a palavra, encerra dicotomia central. Com tudo mudando de escala e relação dessa forma, a morte tornou-se obrigatória, mandatória, em lugar de ser uma escolha, arbitrária, e sob escolha da psique…
A ordem das coisas era ancestral, tradicional, a história era o presente, e não passava pela cabeça de ninguém qualquer alteração das coisas, mas simplesmente a afirmação do lugar tradicional que ocupavam na vida e na natureza. Seria o mesmo que tentar mudar o curso dos planetas.
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