Marçal Aquino
O AMOR É SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEL
Não adianta explicar. Você não vai entender.
Às vezes, como num sonho, vejo o dia da minha morte. É uma coisa meio espírita, um flash. E, embora a mulher não apareça, sei que é por causa dela que estão me matando. E tenho tempo de saber que não me deixa infeliz o desfecho da nossa história. Terá valido a pena.
Hoje, a Lua está transitando por sua casa astrológica favorita. Câncer. Uma criança nascida neste dia terá personalidade calma e cordata. Gente boa, portanto. Sofrerá num lugar como este.
Sopra uma brisa vinda do rio e a noite está silenciosa e com um cheiro de dama-da-noite tão intenso que chega a ser enjoativo. Faz calor ainda. À tarde, vi pássaros voando em formação rumo ao norte. Não demora e teremos frio. Menos aqui, claro.
O homem que sai na varanda da pensão é calvo e barrigudo, e usa camiseta, bermuda listrada e chinelos. Ele diz um boa-noite torcendo a boca – derrame? – e senta-se na cadeira de palhinha. Abre o jornal com suas mãos micóticas e passa a grunhir a cada notícia que lê. Tosse, bufa. O mais próximo que um ser humano pode chegar de um bovino.
Um garoto da redondeza vem sentar-se nos degraus da escada, como já aconteceu em outras noites. Não gosta de conversar, mas fica ali, ouvindo a prosa alheia. As roupas dele são ordinárias, porém limpas. O garoto tem altivez no olhar, uma espécie de confiança em estar no mundo. Algo secreto na cabeça dele, que não consegue se exprimir ainda, mas que o informa: você é melhor do que essa gente ao seu redor. É só uma questão de tempo para que todos saibam disso.
Dona Jane aparece com a garrafa térmica numa bandeja. O café costuma ser infernalmente adocicado.
Vai chover, dona Jane.
Isso quem diz é o careca, sem tirar os olhos do jornal. Uma notícia se destaca na página que consigo enxergar: estão liberando o rio para mineração outra vez. A cidade à beira de um novo surto de prosperidade. É só ver como aumentou o número de putas que circulam pelo centro e pelos lados da rodoviária. Noite e dia. São as primeiras a farejar o ouro.
Ainda demora pra chover, seu Altino.
Dona Jane também fala sem olhar para o careca. Ela coloca a bandeja sobre a mesinha e me presenteia com um sorriso que mistura afeto e apreensão.
Minhas juntas estão doendo, o careca diz.
É só o reumatismo, seu Altino.
Mas à tardinha eu vi relâmpagos na serra.
Dona Jane espia a noite na lateral da varanda. Uma enorme casa de marimbondos dependura-se do forro verde-água. Está abandonada.
Não vai chover, já mudou a lua.
Dona Jane apóia as mãos nas cadeiras. Veste uma blusa de mangas compridas, apesar do calor. Para esconder o nome de um homem que tem gravado no antebraço esquerdo. Nunca mostra a ninguém. Pecados de juventude.
O segredo, dizia Chang, o china da loja, não é descobrir o que as pessoas escondem, e sim entender o que elas mostram. Mas Chang está morto. Existe algo mais íntimo para exibir ao mundo do que as entranhas? Existe algo tão obsceno?
O careca grunhe e farfalha as folhas do jornal, como se quisesse derrubar as notícias que o desagradam. Dona Jane volta para dentro e sua passagem desprende uma lufada agradável. Lavanda. O menino me observa de forma direta. Tem traços bonitos, cabelos escorridos e a pele bem escura. Chang teria gostado dele.
Pensar no china faz com que eu me lembre da mulher, nesta noite escura como breu em que Urano, o deus cordial, atravessa o grande corcel de fogo. Além de mim, era a única ali que acreditava nessas coisas.
Foi na loja de Chang. Enquanto esperava que ele embalasse os filmes que havia comprado, distraí os olhos nas fotos da vitrine. O rosto de uma mulher num porta-retrato capturou minha atenção. Era jovem ainda, e muito bonita. Tinha os olhos grandes e escuros e sorria como se estivesse vendo, atrás de quem a fotografava, algo que a deixava imensamente feliz. Só vi mulheres sorrindo daquela maneira quando olhavam para gatos ou crianças.
Que rosto maravilhoso, eu disse.
E ouvi uma voz às minhas costas:
Muito obrigada.
Eu me virei e dei de cara com ela, a mulher do porta-retrato. Os cabelos estavam mais compridos e sorria de um jeito bem diferente do sorriso da foto. Um rosto com uma luz extraordinária. Cravou em mim um par de olhos cor de lodo de bauxita. Perdi o rebolado.
Desculpe, eu disse.
Ela balançou a cabeça, sem tirar os olhos dos meus.
Que pena. Tanto tempo sem receber um elogio e, quando recebo, logo depois pedem desculpas.
Senti um espasmo elétrico me percorrer abaixo da cintura. Com o canto do olho, vi que Chang me observava.
Nesse caso, mantenho o elogio, eu disse.
Que bom, fico feliz.
E continuou feliz ao encostar-se no balcão para entregar a Chang um canhoto de revelação de filmes. Usava uma camiseta que deixava à mostra, em seus ombros, meia dúzia de sardas e as alças de um sutiã preto.
O professor Benjamim Schianberg escreveu sobre as tentações em seu livro O que vemos no mundo. Segundo ele, alguns homens sublimam seus desejos, projetando-os num plano apenas mental, e isso é suficiente para satisfazê-los. Outros, diz Schianberg, apesar de resistirem com diferentes graus de esforço, acabam por ceder às tentações. São o que ele chama de “homens de sangue quente”.
Ela abriu o envelope e espalhou as fotos sobre o balcão de vidro. Um arco-íris; o número de metal enferrujado na fachada de uma casa antiga; raízes de uma árvore que pareciam um casal num embate amoroso de muitas pernas e braços; a chaminé de uma olaria; uma bicicleta caída na chuva. Nenhuma pessoa ou animal. Apesar disso, fotos boas, feitas por alguém com olho e senso.
Ela notou meu interesse.
Gostou?
Esta aqui é muito boa.
Indiquei uma das imagens: fachos de sol entrando pelas falhas no telhado de uma casa em ruínas.
Poesia e precisão.
Falei isso, vê se pode. Ela me olhou, intrigada. Daí, riu.
Você é fotógrafo?
Já fui, eu disse. Hoje em dia só fotografo pra consumo próprio.
E o que você fotografa?
Um pouco de tudo.
Que nem eu.
Peguei a foto e a examinei de perto.
Você não fotografa gente.
Não gosto.
Porra, pensei, a foto que eu tinha nas mãos não era só boa, era formidável. Um dos fachos de sol incidia, em segundo plano, sobre uma boneca de pano jogada num monte de entulho. Parecia um spot iluminando uma bailarina caída num palco.
A boneca já estava lá?
Claro.
Chang empurrou o pacote de filmes em minha direção. E ela já estava guardando as fotos no envelope, quando falei:
Eu adoraria ter uma cópia.
Ela congelou o gesto de colocar as fotos no envelope, virou o rosto e me estudou, como se avaliasse se eu tinha mérito suficiente para receber o que pedia. Sustentar aquele olhar escuro foi uma experiência difícil. Fez com que eu me sentisse desamparado. Fiquei com a impressão de estar sendo visto de verdade pela primeira vez na vida. E também de estar vendo algo que o mundo não tinha me mostrado até então.
De acordo com o professor Schianberg (op. cit.), não é possível determinar o momento exato em que uma pessoa se apaixona. Se fosse, ele afirma, bastaria um termômetro para comprovar sua teoria de que, nesse instante, a temperatura corporal se eleva vários graus. Uma febre, nossa única seqüela divina. Schianberg diz mais: ao se apaixonar, um “homem de sangue quente” experimenta o desamparo de sentir-se vulnerável. Ele não caçou; foi caçado.
A idéia surgiu na hora em que ela sorriu, como se tivesse me aprovado no exame a que me submetera, e separou a foto para me presentear. Nem parei para refletir, apenas coloquei a idéia em prática. Sangue quente.
Não é essa a foto que eu quero, eu disse.
E apontei o porta-retrato na vitrine. Aquilo a desarmou. Ouvi sua respiração se alterar. Chang abriu a boca, mostrando seus dentinhos de rato, e fez o que qualquer bom comerciante faria: puxou o vidro da vitrine e entregou o produto para o cliente examinar de perto. O rosto era mesmo excepcional: anguloso, estranho. Os olhos tinham antigüidade e abismos.
Queremos o que não podemos ter, diz o professor Schianberg, o mais obscuro dos filósofos do amor. É normal, saudável. O que diferencia uma pessoa de outra, ele acrescenta, é oquanto cada um quer o que não pode ter. Nossa ração de poeira das estrelas.
Ela baixou a cabeça, tocou o canto dos lábios com a foto. E pensou no assunto por um segundo e meio. Então compreendeu o jogo. E o aceitou.
Vamos fazer um negócio mais justo, disse. Eu troco esse porta-retrato por uma das suas fotos, o que você me diz?
Chang riu. Seu ouvido antecipara o ruído da gaveta da registradora. Eu avancei uma casa:
Já aviso que você vai sair perdendo, eu nunca fotografei nada tão bonito.
Aquele rosto extraordinário corou um pouco. Só um pouco. Eu pulei várias casas e estendi o cartão para ela.
Passe qualquer dia no meu estúdio.
Ela leu e fez a pergunta que ouço há mais de quarenta anos.
Cauby? Igual ao cantor?
Na adolescência, isso me incomodava. Eu não gostava do cantor. Com o tempo, passou. Relaxei. Não ligava mais. Cheguei a ver um show do meu xará num bar em São Paulo. E se alguém me fazia essa pergunta, eu me limitava a responder:
É.
Ela me ofereceu a mão.
Prazer, Lavínia.
A mão era grande, maciça; o aperto, delicado. Os imensos olhos escuros me espreitaram – sorriam por ela. Eu pagaria para fotografar aquele rosto. Uma vez, no interior da Espanha, uma mulher na rua cobrou para deixar que eu a fotografasse. Paguei. Valia.
Ela entregou o dinheiro a Chang e não disse nada enquanto esperava pelo troco. Aproveitei que ela estava de sandálias para observar seus pés magros, ossudos, quase masculinos. Embora o formato não me agradasse, achei que ficavam bem nela. Um conjunto harmônico. Ela percebeu que eu olhava, mas isso não a incomodou. Gente à vontade no mundo.
Chang colocou o troco no balcão, dispondo nota sobre nota. Ela guardou o dinheiro na bolsa e então me encarou. Ouvi uma sereia ao longe.
Passo lá uma hora dessas. Telefono antes.
Quando você quiser, eu disse.
Ela se despediu e saiu para o sol da tarde. Um choque de luminosidades. Eu me encostei na porta para vê-la se afastando. Chang apareceu do meu lado.
Sabe quem é?
Não, eu disse.
Quer saber?
Não, repeti, sem desgrudar os olhos dela.
Chang juntou as mãos, estalou os dedos.
Você que sabe, ele disse.
Prefiro descobrir aos poucos, pensei. Saborear o mistério. Na quadra seguinte, ela atravessou a rua e sumiu no meio da gente miúda que andava pelo centro. Colorida em meio ao cinzento que predominava ao redor. Olhei para o rosto no porta-retrato: tinha uma luz particular, só dela, e um ar de quem poderia ser o que quisesse na vida.
Dona Jane reaparece com uma bomba de pulverizar e borrifa várias vezes em direção à casa de marimbondos. Ela faz isso quase todas as noites. O cheiro do inseticida viaja no ar até arder em minhas narinas. O careca fecha o jornal e chia.
Pra que isso, dona Jane? Não tem mais nenhuma abelha aí, elas foram embora.
Ela circula a massa de barro endurecido, inclina a cabeça para olhar, atenta ao mínimo movimento.
Elas voltam, seu Altino.
Voltam nada. Esse troço aí faz mal pra saúde.
O careca se vira para mim atrás de apoio para sua queixa, mas eu baixo o olho para o livro. Estou relendo o trecho em que o professor Schianberg se ocupa da separação dos amantes. As transitórias e as irremediáveis. Ele menciona um maluco norueguês que afundou um navio como oferenda pela volta da amada. O problema é que o navio não era dele, e deu cadeia. Eu afundaria todos os navios nesta noite, Lavínia. Incendiaria o porto. Só para ver o brilho das chamas refletido nos seus olhos escuros.
A senhora vai acabar envenenando a gente, o careca diz.
Dona Jane arranca uma folha amarelada da samambaia, que se derrama majestosa de um xaxim preso no teto da varanda.
O senhor está ficando implicante, seu Altino. Olha a velhice chegando.
O careca sacode a cabeça, desanimado. E reabre o jornal. Pequenas veias azuladas se ramificam por suas pernas pálidas. A atenção de dona Jane se detém no menino sentado no degrau. Ele sabe que é examinado, mas evita olhar para ela. Como se a temesse.
Uma noite, logo que voltei para cá, eu estava na cozinha limpando uma de minhas câmeras, a única que sobrou. Uma Pentax. Minha favorita. Era tarde já. Teve uma hora em que levantei a cabeça e dei com dona Jane me observando.
Acordei com um barulho, ela disse. Desci pra ver se está tudo bem.
Está.
Dona Jane continuou me olhando sem dizer nada, com cara de sonada. Como se estivesse ali só pelo prazer de ouvir a torneira pingando na pia de metal. O cabelo revirado fazia com que parecesse mais velha. Vestia uma camisola azul que chegava até os joelhos. Transparente. Dava para ver a circunferência escura dos mamilos. Preferi olhar o nome gravado em seu antebraço esquerdo. Antonio. Um aventureiro que andou pela cidade há alguns anos, com quem ela fugiu. Um vigarista. Parece que foi abandonada sem dinheiro no Rio. Dona Jane passou às minhas costas e apertou a torneira.
Não sei por que nunca fecham direito, ela disse.
Depois, parou ao lado da mesa e, ao notar que eu estava de olho na tatuagem, cruzou os braços. Não teve o mesmo pudor com os seios, que continuaram à mostra. Volumosos e semiflácidos e, ainda assim, atraentes.
Uma coisa, seu Cauby: quanto o senhor cobraria para fazer meu retrato?
Soprei um cisco da lente da Pentax. Eu tinha uma dívida com dona Jane.
Nada.
E o senhor faria?
Ajustei a lente na máquina e girei. Dona Jane descruzou os braços, mexeu no cabelo, mostrando os pêlos que despontavam nas axilas. Meu nariz capturou a fragrância de lavanda de seu corpo.
Faria.
Mas então o senhor tem que pôr um preço nisso…
Encarei-a. Ela sustentou meu olhar.
Faço de graça, eu disse, se a senhora me deixar fotografar a tatuagem.
Dona Jane cruzou os braços outra vez, apertou-os contra o corpo. Como se tivesse sentido uma dor.
É uma lembrança ruim.
Na varanda, o menino, que ainda é alvo da atenção de dona Jane, coça a orelha, incomodado. Rói a unha do polegar – ou melhor: finge roer. É tímido. Ela me diz:
Vou ver a novela. O senhor precisa de alguma coisa?
Eu digo que está tudo bem, que não preciso de nada. Estou mentindo. Preciso de muita coisa, em especial numa noite como esta, em que Urano desliza mansamente pelo céu escuro. Poderia fazer uma lista. Nenhuma delas, contudo, dona Jane pode me dar. É uma pena.
Tome um copo de leite antes de dormir, seu Altino, ela diz. É bom contra o veneno.
Absorto na leitura de uma notícia, o careca não reage à frase. Dona Jane insiste:
Ouviu, seu Altino?
Ouvi, o careca resmunga com irritação, sem interromper a leitura.
O homem surge de repente na escada, vindo do beco. Não o conheço, nunca o vi antes por aqui. O menino encolhe as pernas, liberando o espaço nos degraus para que ele passe.
O homem é gordo, usa paletó e gravata e carrega a tiracolo uma bolsa com o logotipo de uma agência de viagens. Está ofegante e sua muito. Sou o primeiro que ele cumprimenta com um movimento de cabeça. Ele afasta as abas do paletó e, num flash que me atordoa, prevejo o que vai acontecer.
Ferido na cabeça, o careca tombará para a frente e o impacto de seu corpo destruirá o tampo de vidro da mesinha. Dona Jane ficará estendida de bruços, com metade do corpo no interior da casa. O menino talvez escape. Não, o homem não permitirá – esse tipo de gente nunca deixa testemunhas. Ele perseguirá o menino pelo beco, se for preciso. Tudo dependerá da ordem que escolher antes de atirar. O certo é que serei o primeiro.
O flash cessa. A eletricidade em minha coluna diminui, pouco a pouco. O homem afastou as abas do paletó apenas para pegar um pedaço de papel no bolso da camisa, que entrega a dona Jane. Ele pega também um lenço para remover o suor da testa e do pescoço.
Estou derretendo, diz.
Sua voz é grossa, empostada. Deve ser um dos advogados da mineradora. Eles sabem que a guerra com os garimpeiros pode recomeçar a qualquer momento e já chamam seus soldados para a trincheira.
Hoje vem chuva, o careca fala.
Tomara.
Gosto da voz do homem: soa firme, com um halo de autoridade, mesmo nos comentários triviais. Um advogado, sem dúvida. Quem mais usaria paletó e gravata num lugar quente como aquele, onde até o padre andava para cima e para baixo de camiseta e bermuda?
O homem se interessa por mim. Tento ler em seu rosto que tipo de impressão causo nele. Não consigo, o rosto é impenetrável. Um profissional. Dona Jane termina de ler o bilhete e examina o homem da cabeça aos sapatos empoeirados. Ele diz algo que ela já sabe:
O hotel tá lotado.
Natural. O exército de sanguessugas chegou. Gente de todo canto do Brasil. Sabem que não demora e as tetas da cidade estarão inchadas outra vez. De certa maneira, já fui um deles.
Tenho uma vaga, dona Jane diz, mas o senhor vai ter que dividir o quarto com outra pessoa.
O homem não gosta de ouvir essa informação, mas finge que não se importa. Sorri. Talvez esteja acostumado com hotéis finos. O careca se intromete:
É isso ou um quarto na zona.
Só o menino ri. O homem repreende o careca com um olhar severo. Depois se volta para dona Jane, com cara de “um cavalheiro não diz essas coisas perto de uma mulher” – mesmo um cavalheiro com sapatos empoeirados. Como se pedisse desculpas pelo careca, que nem se incomoda, firme no jornal.
Tá ótimo, o homem diz. Eu só quero um banho e uma cama.
Dona Jane o conduz para o interior da casa. Ele me examina uma última vez antes de entrar. Um olhar neutro. Não tem como saber que estou um pouco frustrado. A luz na varanda pisca uma, duas vezes. Alguém ligou o chuveiro. O careca resmunga:
Êêêê…
O trecho está grifado no livro. Nele, o professor Schianberg dá voz a Nietzsche – “Há sempre um pouco de loucura no amor, mas há sempre um pouco de razão na loucura” -, para depois contestá-lo, lembrando que na loucura dos amores contrariados não há espaço nenhum para a razão, apenas para mais loucura.
O menino volta a esticar as pernas na escada. Ouvimos o apito de um barco no rio, um som melancólico. Como um pio de mau agouro. Mas não tenho por que sentir medo agora. Sou um homem sem medo, o que é bem raro aqui neste lugar.
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