Lawrence Durrell
Um trecho:
Justine
Não era nada desprezível o sucesso que vinha obtendo com seus coquetéis cautelosamente graduados — nos quais ocasionalmente incluía convidados saídos das esferas mais humildes da vida, como a prostituição e as artes. Seus gastos e o tédio das festas, porém, eram excruciantes, e lembro que certa vez ele me explicou, em tom de lamento, a origem desses eventos: "Coquetéis foram inventados por cães. Não passam do velho costume de farejar o traseiro alheio elevado à categoria de cerimônia formal." Ainda assim, levou os coquetéis adiante e foi recompensado com a boa vontade de seu cônsul-geral, que, apesar de todo o desprezo, ainda lhe inspirava certa admiração infantil. Chegou mesmo a convencer Justine, depois de muita insistência cômica, a aparecer num desses eventos para avançar seus planos de condecoração. Isso nos forneceu uma chance de analisar Pordre e o pequeno círculo diplomático de Alexandria — em sua maior parte, pessoas que davam a impressão de ter sido pintadas com aerógrafo, de tão pálidas e difusas que suas personalidades oficiais me pareciam.
O próprio Pordre era marcadamente excêntrico. Nascera para fazer a alegria dos caricaturistas. Tinha um rosto comprido e pálido, arruinado, enfatizado por uma magnífica cabeleira prateada que exibia com orgulho. Possuía, contudo, o semblante de um lacaio. A falsidade de seus gestos (sua solicitude exagerada, a intimidade que demonstrava com meros conhecidos) era terrívelmente incômoda e permitiu que eu compreendesse tanto o lema que meu amigo compôs para o Ministério das Relações Exteriores francês quanto o epitáfio que, sugeriu, deveria ser gravado na lápide de seu chefe ("Sua mediocridade foi sua salvação"). De fato, sua personalidade era tão delgada quanto uma folha de ouro — escondia-se por trás do verniz de cultura que os diplomatas, mais do que ninguém, têm condições de adquirir.
Depois do sucesso da festa, um convite de Nessim para jantar inspirou no diplomata arroubos de satisfação que nada tinham de fingidos. Todos sabiam que o rei era um convidado freqüente à mesa de Nessim, e o velho já começava a redigir mentalmente um relatório que começava com as seguintes palavras: "Na última semana, jantando com o rei, coloquei em pauta o assunto... Então o rei disse... Ao que respondi..." Seus lábios começaram a mover-se, seus olhos a perder o foco. Entrava num de seus notórios transes públicos, dos quais despertava de repente, com um sorriso constrangido, para espanto de seus interlocutores.
De minha parte, achei estranho voltar ao minúsculo apartamento onde passara quase dois anos de minha vida; lembrar que tinha sido ali, naquela mesma sala, que conhecera Melissa. O apartamento sofrera uma grande transformação nas mãos da última amante de Pombal. Sua insistência resultou em painéis de madeira de um branco quase cinzento e frisos marrons. As velhas poltronas, cujo estofamento costumava escapar do tecido rasgado, haviam sido reformadas com um material grosso, lustroso e decorado com um padrão de flor-de-lis. Os três sofás antigos haviam desaparecido, para aumentar o espaço. Sem dúvida tinham sido vendidos ou destruídos. "Em algum lugar", pensei, citando um poema do velho poeta, "em algum lugar seguem vivendo aquelas velharias". Como a memória é rancorosa, como se agarra de forma amarga à matéria-prima de seu trabalho cotidiano.
Outrora espartano, o quarto de dormir de Pombal tornara-se vagamente fin de siécle e brilhava de tão limpo. Oscar Wilde seria capaz de escolhê-lo como cenário para o primeiro ato de alguma de suas peças. Meu quartinho voltara a ser um pequeno depósito, mas a cama continuava no mesmo lugar, encostada na parede ao lado da pia de ferro. Naturalmente, a cortina amarela desaparecera e fora substituída por um tecido branco e sem graça. Coloquei a mão na cabeceira enferrujada de minha velha cama e senti uma pontada no coração ao lembrar dos olhos cândidos de Melissa encarando-me na meia-luz daquele cubículo. Fiquei envergonhado e surpreso com meu pesar. E quando, às minhas costas, Justine entrou no quarto, fechei a porta com um pontapé e na mesma hora comecei a beijar seu lábios, seus cabelos e sua fronte, apertando-a em meus braços até quase roubar-lhe o fôlego, para que não percebesse as lágrimas em meus olhos.
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