terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

DE PROFUNDIS

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OSCAR WILDE

É preciso que eu diga a mim mesmo que fui o único responsável pela minha ruína e que ninguém, seja ele grande ou pequeno, pode ser arruinado exceto pelas próprias mãos. Estou pronto a afirmá-lo. Tento fazê-lo, embora eles possam não concordar comigo neste momento. Esta impiedosa acusação eu a faço sem piedade contra mim mesmo. Terrível foi sem dúvida o que o mundo fez comigo, mais terrível ainda foi o que eu fiz contra mim mesmo.

Fui um homem que se colocou em relação simbólica para com a arte e a cultura do seu tempo. Concebi essa idéia desde a mais tenra juventude e mais tarde obriguei meus contemporâneos a aceitá-la. Poucos homens conseguem atingir tal posição enquanto ainda vivos e fazer com que os outros a reconheçam. Geralmente ela só é percebida pelo historiador – quando isso acontece – muito tempo depois, quando tanto o homem quanto a sua época já desapareceram. Comigo foi diferente: eu percebi por mim mesmo e fiz com que os outros o percebessem. Byron também foi uma figura simbólica, mas suas relações eram com a paixão da sua época e o cansaço e o tédio que essa paixão inspirava. As minhas relações eram com algo bem mais nobre, permanente, vital e abrangente.

Os deuses me concederam quase tudo: eu possuía o gênio, um nome, posição, agudeza intelectual, talento. Fiz da arte uma filosofia e da filosofia uma arte, não havia nada que dissesse ou fizesse que não provocasse a admiração das pessoas. Peguei o drama, a mais objetiva das formas da arte que se conhece, e transformei-o numa forma de expressão tão pessoal quanto o poema lírico ou o soneto, ao mesmo tempo que ampliava o seu alcance e enriquecia as suas características. Drama, novela, poema em prosa ou verso, diálogos fantásticos ou sutis, o que quer que eu tocasse tornava belo, com um novo tipo de beleza; atribuí à própria verdade, como sua legítima jurisdição, tanto o que é falso quanto o que é verdadeiro e demonstrei que o falso e o verdadeiro são apenas formas de vida intelectual. Tratei a arte como a suprema realidade e a vida como uma mera ficção. Despertei a imaginação do século em que vivi, para que criasse um mito e uma lenda em torno da minha pessoa. Resumi todos os sistemas numa única frase e toda a existência numa epígrafe.
Além de todas essas coisas eu ainda tinha algo diferente. Mas me deixei atrair por longos períodos de ócio sensual e insensato. Divertia-me ser um flâneur, um dândi, um homem da moda. Cerquei-me de naturezas menores e de inteligências medíocres. Dissipar o meu próprio gênio e desbaratar uma juventude que me parecia eterna provocava em mim uma estranha alegria. Cansado das alturas, desci voluntariamente às profundezas em busca de novas sensações. O que o paradoxo significava para mim no âmbito do pensamento, a depravação passou a significar no âmbito das paixões. No fim o desejo era como uma doença, uma loucura, ou ambas.
Deixei de pensar nos outros, desfrutava o prazer onde quer que o encontrasse e seguia adiante. Esqueci que cada pequena ação cotidiana pode fazer ou desfazer um caráter e que tudo aquilo que fazemos no segredo da alcova teremos que confessá-lo um dia, gritando do alto dos telhados. Deixei de ser senhor de mim mesmo.
Já não era mais o comandante da minha alma e não sabia. Permiti que o prazer me dominasse e acabei caindo em terrível desgraça. Agora só uma coisa me resta: a mais absoluta humildade.

Via Poesias, frases e textos.



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