Um dia ideal para os peixes-banana e livros e cinema e gibis e nus e ataxia espinocerebelar e 𓋹
segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016
terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016
CONTO: Uma história radicalmente condensada da vida pós-industrial
DAVID FOSTER WALLACE
Quando foram apresentados, ele fez uma piada, esperando ser apreciado. Ela riu extremamente forte, esperando ser apreciada. Depois, cada um voltou para casa sozinho em seu carro, olhando direto para frente, com a mesma contração no rosto.
O homem que apresentou os dois não gostava muito de nenhum deles, embora agisse como se gostasse, ansioso como estava para conservar boas relações a todo momento. Nunca se sabe, afinal, não é mesmo não é mesmo não é mesmo.
THE IDIOT
“She is passion embodied, a flower of melodrama in eternal bloom.”
—
Fyodor Dostoyevsky, The Idiot
O PORRA LOUCA
domingo, 21 de fevereiro de 2016
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016
DEVEMOS
devemos trazer
nossa própria luz
à
escuridão.
ninguém fará
isso
por nós.
enquanto os moleques
deslizam
ladeira
abaixo
enquanto o chapista
recebe seu último
pagamento
enquanto um cão persegue
outro cão
enquanto o mestre enxadrista
perde mais do que
o jogo
devemos trazer
nossa própria luz
à
escuridão.
ninguém fará
isso
por nós,
enquanto o solitário
telefona
para ninguém
em lugar nenhum
enquanto a grande fera
treme
em pesadelos
enquanto a última temporada
busca encontrar o
foco
ninguém
fará isso
por nós.
—
Charles Bukowski, “devemos” em Miscelânea Septuagenária.
LAMENTAR SOBRE A MORTE
Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouvi-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer.
—
Charles Bukowski.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016
terça-feira, 16 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
domingo, 14 de fevereiro de 2016
sábado, 13 de fevereiro de 2016
TRECHO: O LIVRO DO CEMITÉRIO
NEIL GAIMAN
CAPÍTULO UM
De como ninguém ia ao cemitério
A MÃO ESTAVA NO escuro e segurava uma faca.
A faca tinha um cabo de osso preto e lustroso, e uma lâmina mais fina e mais afiada do que qualquer navalha. Se ela cortasse você, não daria para saber que foi cortado, não de imediato. A faca tinha feito quase tudo o que fora fazer naquela casa, e ambos, lâmina e cabo, estavam úmidos. A porta da rua ainda estava aberta, só um pouco, onde a faca e o homem que a segurava se esgueiraram para dentro, e fiapos da neblina noturna deslizavam e se enroscavam para dentro da casa pela porta aberta. O homem chamado Jack parou no patamar da escada. Com a mão esquerda, pegou um grande lenço branco no bolso do casaco preto e com ele limpou a faca e a mão direita enluvada que a segurava; depois guardou o lenço. A caçada estava quase chegando ao fim. Tinha deixado a mulher na cama, o homem no chão do quarto, o filho mais velho em seu quarto de cores vivas, cercado de brinquedos e modelos inacabados. Então só restava o menor, um bebê que nem completara dois anos, para cuidar. Mais um e a tarefa estaria terminada. Ele flexionou os dedos. O homem chamado Jack era, acima de tudo, um profissional, ou assim ele dizia a si mesmo, e não se permitiria sorrir antes de concluir seu trabalho.
Seus cabelos eram escuros, os olhos eram escuros, e ele usava luvas pretas da mais fina pele de cordeiro. O quarto do bebê ficava na parte mais alta da casa. O homem chamado Jack subiu a escada, os pés abafados pelo carpete. Depois empurrou a porta do sótão e entrou. Seus sapatos eram de couro preto e engraxados com tal brilho que pareciam espelhos escuros: dava para ver a lua refletida neles, uma meia-lua fina.
A lua de verdade brilhava pela janela de caixilho. Sua luz não era forte, a neblina a deixava difusa, mas o homem chamado Jack não precisava de muita luz. O luar era suficiente. Teria de ser. Ele podia distinguir a forma da criança no berço, a cabeça, os membros e o tronco. O berço tinha laterais altas e ripadas para evitar que a criança saísse. Jack se curvou, ergueu a mão direita, a que segurava a faca, mirou no peito... e, em seguida, baixou a mão. A forma no berço era um ursinho de pelúcia. Não havia criança alguma.
Os olhos do homem chamado Jack estavam acostumados ao luar fraco, por isso não quis acender a luz. E, afinal, a luz não era importante. Ele tinha outras habilidades. O homem chamado Jack cheirou o ar. Ignorou os odores que tinham entrado no quarto com ele, desprezou os cheiros que podia ignorar com segurança, aprumou o nariz para o cheiro da coisa que viera encontrar. Sentia o cheiro da criança: um cheiro leitoso, de biscoito de chocolate, com o toque azedo de uma fralda descartável molhada. Ele podia sentir o cheiro do xampu do bebê e de algo pequeno, de bor racha - um brinquedo, pensou ele; não, alguma coisa para chupar -, que a criança carregava. A criança estivera ali. Não estava mais. O homem chamado Jack seguiu o que o nariz lhe dizia escada abaixo da casa alta e estreita. Examinou o banheiro, a cozinha, o armário de roupa de cama e, por fim, o corredor do primeiro andar, em que não havia nada para ver, a não ser as bicicletas da família, uma pilha de sacolas de compras vazias, uma fralda caída e as gavinhas errantes de névoa que se insinuavam para o corredor pela porta da rua aberta.
O homem chamado Jack fez um barulhinho, um grunhido que continha ao mesmo tempo frustração e satisfação. Deslizou a faca por sua bainha no bolso interno do casaco comprido e foi para a rua. Havia luar e os postes de rua, mas a neblina a tudo sufocava, obscurecia a luz e abafava os sons, tornando a noite sombria e traiçoeira. Ele desceu a ladeira para a luz das lojas fechadas, depois subiu a rua, onde as últimas casas altas encimavam a ladeira a caminho da escuridão do antigo cemitério. O homem chamado Jack farejou o ar. Depois, sem pressa, começou a subir a ladeira.