terça-feira, 1 de março de 2011

SEARA VERMELHA

Dashiel Hammet

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Um trecho:

Acordei na manhã seguinte com uma idéia na cabeça. Per sonville tinha apenas uns quarenta mil hahitantes. Não devia ser difícil espalhar uma notícia. Às dez horas, lá estava eu dando um jeito de fazê-la circular.

Fiz o boato correr nos salões de bilhar, tabacarias, botecos clandestinos, biroscas que vendiam refrescos e nas esquinas – onde quer que eu encontrasse dois homens vadiando. Minha técnica foi mais ou menos o seguinte:

– Tem fogo?... Obrigado... Vai assistir às lutas de boxe hoje à noite?... Ouvi dizer que o Ike Bush vai simular um nocaute no sexto round... Não deve ser papo-furado, não: foi o próprio Garganta que me falou... É, eles não prestam mesmo...

As pessoas gostam de ficar sabendo de boatos quentes e, em Personville, qualquer boato associado ao nome de Thaler era quentíssimo. A notícia se espalhou bem. Metade dos sujeitos com quem conversei trabalhou com empenho quase tão diligente quanto o meu, só para mostrar que estava por dentro das coisas.

Quando soltei a notícia na rua, pagavam-se sete por quatro em caso de vitória de Ike Bush, e dois por três se a vitória fosse por nocaute. Às duas da tarde, nenhuma das espeluncas que estavam aceitando apostas pagava mais que um por um, e às três e meia Kid Cooper era o favorito, pagando dois por um.

Minha última parada foi no balcão de um bar, onde disparei a notícia para o garçom e alguns clientes enquanto comia um sanduíche de carne.

Ao sair, dei com um homem na porta esperando por mim. Tinha pernas arqueadas e seu maxilar inferior era comprido e pronunciado como o de um porco. Acenou com a cabeça e se pôs a caminhar ao meu lado na rua, mascando um palito de dente e olhando de soslaio para o meu rosto. Ao chegarmos a esquina ele disse:

– Você está por fora.

– Por fora de quê? – Perguntei.

– Essa história de que o Ike Bush vai deixar o outro bater nele é a maior besteira que já ouvi na vida.

– Então você não tinha que esquentar com isso. Mas quem sabe das coisas está apostando dois por um no Cooper, e ele nao é tão bom assim, não. a menos que o Bush facilite as coisas para ele.

O queixo de porco cuspiu fora o palito destroçado e arreganhou os dentes amarelos para mim.

– Eu ouvi da boca dele ontem à noite, ele mesmo disse que a luta vai ser uma barbada, e ele não faria uma coisa dessas... não comigo.

– É amigo seu?

– Não exatamente, mas o sujeito me conhece... Escuta aqui, o garganta falou isso mesmo, no duro?

– No duro.

Praguejou violentamente. – E eu que torrei meus úItimos trinta e cinco mangos na conversa fiada daquele rato! Como ele foi fazer isso justo comigo!? Eu podia despachar ele daqui pelo que... – Interrompeu-se e olhou para rua.

– Despacharia ele daqui pelo quê? Perguntei.

– Muita coisa – disse. – Nada.

Eu tinha uma sugestão:

– Se você tem alguma coisa contra ele, talvez pudéssemos conversar sobre isso. Não me importo nem um pouco que o Bush ganhe. Se o quê voçê sabe é chumbo grosso, qual o problema de usar isso para colocá-lo na parede?

Olhou para mim, para a calçada, fuçou o bolso do colete atrás de outro palito, colocou-o na boca e resmungou:

– Ouem é você?

Dei-lhe um nome qualquer, algo como Hunter, Hunt ou Huntington e perguntei o dele. Disse que se chamava MacSwain, e que eu poderia perguntar a qualquer um na cidade se não era isso mesmo.

Falei que acreditava nele e indaguei:

– Então, o que me diz? Vamos dar uma prensa no Bush? Luzinhas cruéis acenderam-se em seus olhos e depois se apagaram .

– Não dá – engoliu em seco. – Não sirvo para essas coisas. Eu nunca...

– Nunca o quê? Ficou sempre aí parado, deixando que levassem você no bico? Olhe aqui, MacSwain, você não precisa falar com ele. Me conte essa história direitinho e eu mesmo dou um jeito na coisa... Quer dizer, se é que é chumbo grosso mesmo.

Refletiu sobre a proposta passando a língua pelos lábios, deixando que o palito de dente caísse e se dependurasse no paletó.

– Garante que não vai deixar ele saber que eu estou metido nisso? - indagou. - Eu sou daqui, e se essa coisa vazar estoufrito. E você não pode usar isso para cagüetar ele certo? É só para fazer ele lutar, certo?

– Certo.

Pegou nervosamente na minha mão e exigiu:

– Jura por Deus?

– Juro.

– O nome verdadeiro dele é Al Kennedy. Ele participou daquele assalto ao Keystone Trust na Filadélfia, dois anos atrás, quando o bando do Haggerty Tesoura apagou dois mensageiros. O Al não teve nada a ver com as mortes, mas estava na parada. Vivia se metendo em rolo lá na Filadélfia. O resto foi em cana, mas ele conseguiu escapar. É por isso que continua na moita por aqui. É por isso que não deixa de jeito nenhum a cara dele sair nos jornais e nos cartazes. É por isso que luta como estreante, mesmo sendo bom que nem os melhores. Entendeu? Ele estava metido...

– Entendi, entendi, sim – interrompi o circunlóquio. – O próximo passo é falar com esse camarada. Onde a gente encontra ele?

– A toca dele é lá no Maxwell, na Union Street. Acho que talvez esteja por lá agora, descansando para a luta.

– Descansando por quê? Ele pensa que não vai ter que lutar. Mas quem sabe a gente faz o sujeito mudar de idéia.

– A gente? A gente uma ova! Que história é essa? Você falou... você jurou que ia me deixar fora disso.

– Puxa vida! – eu disse. – Tinha me esquecido. Como ele é?

– É um rapaz novo, cheio de cravos no rosto, meio magro, surdo de um ouvido e as sombrancelhas dele atravessam a testade ponta a ponta. Não sei se com isso você vai conseguir saber quem ele é.

– Deixe isso por minha conta. Onde encontro você depois?

– Vou estar lá no Murry's. Cuidado para não me cumprimentar. Você prometeu.

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