terça-feira, 29 de março de 2011

CONSELHOS PARA QUEM QUER ESCREVER

por Bernard Cornwell

Bernard Cornwell

O primeiro obstáculo para qualquer novo escritor (além de escrever o livro, é claro) é conseguir colocar o manuscrito na escrivaninha de uma pessoa real, em vez de uma pilha de lama (a pilha de lama é a imensa quantidade de manuscritos não solicitados, que aparecem em todos os escritórios dos editores e que eles raramente conseguem ler), e meu conselho sempre foi encontrar um agente - mas como você encontra um agente? Vá a sua livraria local e consulte o Livro do Ano de Artistas e Escritores (ou seu equivalente no EUA). Ou escreva para a Publisher's Weekly ou para os vendedores de livros ou colunistas da área - ou escreva para um autor que você gosta e peça uma recomendação. Mas tenha certeza de que escolheu o agente certo. Não há sentido em enviar uma ficção para um agente que trabalha apenas com não-ficção. Também me objeto a agentes que cobram para ler o livro. Eu sei que muitos agentes detestam ter que ler vários livros, mas é o trabalho deles, maldição, é cobrar por isso é ridículo.
Você pode, é claro, se aproximar diretamente de um editor. Nenhum editor respeitável irá enganá-lo, mas você não vai fazer um negócio tão bom se não tiver a ajuda de um agente. O contrato de edição é complicado, e se você não entende as minúcias dos direitos dos estrangeiros, livros com desconto, blá blá blá, então você vai estar em uma posição ruim. Agentes entendem essas coisas, e os agentes também sabem que os editores estão procurando por determinados livros e, melhor ainda, muitas vezes eles têm mais tempo para consolidar um novo escritor do que um editor possa ter.
Mesmo escrevendo um bom livro você terá problemas para encontrar um agente. Mas, afinal, o que é um bom livro? A Historical Novel Society recentemente entrevistou diversos agentes da área e recebeu todo tipo de resposta inúteis - "livros que vendam", ou "originalidade" tudo bem, mas o que são essas coisas? Para um escritor de primeira viagem, sentado em sua mesa escrevendo para o vazio terrível, essa é uma questão importante, e é melhor eu adiantar que não há uma resposta para isso. Pense em quantos editores recusaram O Dia do Chacal? Ou mais recentemente, o livro Longitude de Dava Sobel. Ou, o mais famoso, o vasto número de rejeições de Harry Potter! Nós podemos produzir o mais brilhante e original livro e ainda assim sermos recusados(felizmente para alguns de nós o contrário também é verdadeiro).
Mas há algumas pistas escondidas dentro das resposta dos editores para a Historical Novel Society. "Uma voz original" disse um deles enquanto outro falou em entusiasmo, e se você não está entusiasmado pelo livro, então ele não será bom. Escrever não deve ser um trabalho, mas uma alegria. Eu não falo aqui da literatura, da qual eu não sei nada, mas do negócio de escrever livros que sejam bons de ler, e até onde eu sei, ninguém é forçado a escrever. Nós fazemos isso porque achamos que isso é melhor do que trabalhar, e porque é divertido, e embora a produção de um primeiro (ou segundo, ou vigésimo) manuscrito pode ser algo trabalhoso, isso não deve aparecer quando o livro estiver pronto. Escrever é divertido, de verdade!
O que significa que é necessário passar a fase em que você não se diverte, que é usualmente a causada por falta de confiança. Será que o material que estou produzindo é bom? O estilo está bom? Estilo parece ser uma pedra de tropeço para muitos romancistas em primeiro lugar, e o único conselho que posso oferecer é lhe dizer como eu superei isso. O que não significa que tenho um estilo bom, apenas que já não me preocupo com isso. Mas quando eu estava escrevendo Sharpe's Eagle passei horas lendo e relendo o texto datilografado, e cada vez eu ficava mais deprimido pensando que não estava bom o bastante porque o estilo era tão desajeitado, e assim, finalmente, eu tentei uma experiência. Eu digitei as três páginas de um romance de Hornblower, substituindo o nome de Hornblower pelo de Sharpe, e então eu coloquei as páginas em uma gaveta. Depois de três dias eu li as três páginas (e parecia que eu próprio havia transcrito aquilo) e, para meu alívio, descobri que eu era tão crítico do estilo Forester como eu era do meu. Mas Forester foi publicado. A além disso foi bem-sucedido, o que provou que eu estava sendo crítico demais. A experiência me libertou dessa preocupação. Tente você mesmo reproduzir três páginas de um romance de Sharpe em sua própria máquina de escrever ou computador, em seguida, volte a ela e veja só que lixo pode ter publicado!
Mais tarde, quando já havia escrito dois ou três livros, aprendi que estilo é algo que pode ser aplicado nas fases posteriores da escrita. A coisa mais importante, no entanto, é fazer com que a história funcione. Escrever, reescrever, reescrever de novo, e não se preocupe com nada, exceto história. É história, história, história. Esse é o seu negócio. Seu trabalho não é educar os leitores sobre os melhores pontos da diplomacia elisabetana ou a guerra napoleônica ou as terríveis conspirações terroristas, seu trabalho é divertir e entreter as pessoas que tiveram um dia difícil no trabalho. O que você publicará? Não será estilo, não será pesquisa, e sim história. Uma vez que ela funcione, o resto vem sozinho. O trabalho duro é conseguir uma história. Uma vez escrevi 12 mil palavras de história para o Edição de Natal do Daily Mail. Eu levei oito dias para conseguir que a história funcionasse e três horas para reescrever todo o texto, e essa reescrita incluía um vilão totalmente novo. Mas uma vez que a história funcione porque haver diversos problemas que mesmo assim a história será forte o bastante para suportá-los.
Kurt Vonnegut uma vez deu um excelente conselho. Toda boa história, segundo ele, começa com uma pergunta. Harry se encontra com Anne e quer casar com ela. Há a questão já está aí. Ele vai conseguir? Mas Harry já está casado com Catarina, aí está o seu enredo. Simples, não é? E se a sua pergunta inicial estiver certo, então, a busca da resposta vai impulsionar o leitor através do livro. E mais importante, ela irá impulsionar o escritor através do livro. Eu sei que há diferenças de opinião aqui, mas eu só posso falar por mim e eu raramente sei como um livro que estou escrevendo vai acabar quando eu começo, e mesmo quando eu acho que eu sei, eu costumo vir a estar errado. Como você pode saber? Cada história é nova, e se é incalculável, como você sabe o final? Você escreve para descobrir o que vai acontecer, e é a emoção dessa descoberta deve dar ao manuscrito seu entusiasmo.
E uma vez que você tiver sua história, você deve mantê-la em movimento. Se eu pudesse voltar no tempo eu iria reescrever o primeiro terço do Rei de Inverno para comprimir a história, porque quando eu escrevi eu estava muito ocupado criando um mundo quando eu deveria ter mantido os personagens ocupados.Mas como você sabe quando você está perdendo o ritmo? Como você sabe se uma cena é muito longa, ou se uma explicação discursiva é apropriada em um capítulo particular? Com o tempo isso se torna instintivo, mas um romancista de primeira viagem pode muito bem não ter esses instintos. Neste caso só há uma coisa a fazer, algo que eu muitos escritores profissionais fizeram quando começaram, e algo que raramente parece ser recomendável.
Suponha que você decida construir uma ratoeira melhor. Você começaria, certamente, desmontando a ratoeiras existente para ver como eles funcionavam. Você deve fazer o mesmo com os livros. Quando eu escrevi A Águia de Sharpe, sem nunca ter escrito um livro antes, comecei por desmontar três outros livros. Dois foram de Hornblowers, e não lembro qual foi o terceiro, mas eu gostava de todos eles. Então eu li eles novamente, mas desta vez eu fiz enormes gráficos coloridos que mostravam o que estava acontecendo parágrafo por parágrafo, através dos três livros. Quanto teve de ação? E onde estava a ação no plano geral do livro? Quanto diálogo? Quanto romance? Quanto flashback (eu odeio flashback)? Quanta informação de fundo? Onde o escritor a colocava? Eu já sabia o que eu gostava nos livros, e eu estava determinado a ter as mesmas qualidades no meu livro, e eu sabia o que eu não gostava, e queria usar menos disso, mas os três grandes gráficos (infelizmente eu os perdi) eram meus planos. Não foi plágio, mas foi imitação. Eu aprendi a começar com uma cena bastante frenética, e manter esse ritmo antes de eu diminuir o ritmo para fornecer as informações necessárias. Eu aprendi, se você preferir, a estrutura de um best-seller, e então eu impus essa estrutura no que eu estava escrevendo. Atualmente eu não penso mais nisso (eu devia ter feito isso com O Rei do Inverno), mas nos primeiros três ou quatro anos, as análises foram inestimáveis.
Seu livro deve ter uma voz original. Mas vai, não vai? Porque há apenas um de você, e a não ser que você seja um gênio da literatura de alta classe, você estará produzindo um livro que está dentro de um gênero reconhecível, e você vai melhorar muito suas chances de sucesso se você reservar um tempo para estudar trabalhos bem sucedidos do mesmo gênero. Porque não aprender com os autores de sucesso? Desmonte os seus livros, em seguida, faça melhor. Se você se preocupa que a longa cena em seu capítulo quatro é muito longa, então veja como outros escritores abordaram cenas semelhantes em um estágio comparável de seu livro. As respostas a muitas perguntas já estão nas suas prateleiras, mas você tem que cavar.
Pesquisa, o quanto é necessário? A resposta é irritantemente contraditória - o máximo que você puder fazer e o mínimo necessário. Com isso quero dizer que você nunca sabe o suficiente sobre o período escolhido, e assim toda a sua vida torna-se um projeto de investigação sobre o século 16 ou 18 ou qualquer século que você está escrevendo, mas quando se trata de um livro específico realmente não há pesquisa demais. Porque pesquisar sobre o mobiliário do século 18, se o livro não falará disso? Faça uma pesquisa enquanto você se sentir confortável fazendo, escreva o livro e veja onde estão as lacunas, e depois vá pesquisar essas lacunas. Mas não fique preso em investigação - algumas pessoas não fazem nada além de pesquisa e nunca mais se voltam para escrever o livro.
Nada, suponho, pode garantir o sucesso. Parece-me que há uma grande dose de sorte em todo o processo. Tive sorte em conhecer o meu agente (suas primeiras palavras para mim foram: "Deve ser um maldito de um livro!"), tive sorte em encontrar um editor que entendeu que primeiros livros raramente se tornam best-sellers (alguns sim), mas que se insistirmos na série ela pode se tornar um sucesso, e tive sorte em ter uma esposa que estava disposta a manter o lobo fora da porta enquanto eu escrevia os primeiros livros. E eu também sou extremamente sortudo por - vinte anos depois ainda ter o mesmo agente, editor e esposa. Então sorte é importante e o setor editorial é caprichoso, e o mundo é injusto, mas se você entender que seu trabalho não é ser um historiador, mas ser um contador de histórias, e se você der ao trabalho de descobrir como as histórias são contadas, você pode melhorar sua sorte.
No final, você tem que escrever o livro. Escreva, lembre-se que todos os escritores começaram assim como você, sentado a uma mesa e, secretamente, duvidando que pudessem terminar a tarefa. Mas insista. Uma página por dia e em um ano você tem um livro escrito! E divirta-se! Escrever, como muitos de nós temos descoberto, é muito melhor do que trabalhar.

Traduzido por Michael Hasfel

bernardcornwellbr.

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