sábado, 12 de setembro de 2009

O Corte

Eu jamais matara alguém de verdade antes, nunca havia assassinado  outra pessoa, dado cabo de um ser humano. Estranho, mas de cstage-fright-4erto modo gostaria de poder conversar com meu pai a respeito, uma vez que ele tinha experiência, possuía o que chamávamos no meio empresarial de conhecimento daquele setor específico, tendo sido soldado de infantaria na Segunda Guerra Mundial e participado dos combates na marcha final através da França para invadir a Alemanha entre 1944 e 1945, atirando e certamente ferindo, e muito provavelmente matando, um número indeterminado de sujeitos de farda escura de lã cinza, sendo capaz de manter a maior calma ao contar a história mais tarde. Como alguém sabe de antemão ser capaz disso? Eis a questão.

Bem, claro que eu não podia perguntar nada a meu pai, discutir o problema com ele, mesmo que ainda estivesse vivo, o que não era o caso, cigarro e câncer no pulmão o pegaram aos sessenta e três anos, derrubando-o com a eficácia de um tiro no distante inimigo de farda escura de lã cinza, embora não tão depressa.

A questão, de todo modo, se responderá sozinha, certo? Quero dizer, esse é o ponto-chave. Ou consigo fazer ou não consigo. Se não for capaz, então todas as preparações, todo o planejamento, os dossiês montados, os gastos indispensáveis (que eu não poderia fazer de jeito nenhum) terão sido em vão. Nesse caso, melhor jogar tudo fora, suspender os anúncios, parar os projetos e simplesmente retornar à boiada que ruma distraída para o imenso galpão escuro onde cessam para sempre os mugidos.

O dia de hoje será decisivo. Há três dias, na segunda-feira, falei a Marjorie que teria outra entrevista, desta vez numa indústria pequena em Harrisburg, na Pensilvânia. Precisava estar lá na sexta de manhã, por isso pretendia seguir de carro até Albany na quinta, pegar o vôo para Harrisburg no final da tarde, dormir num hotel, seguir de táxi até a fábrica na sexta pela manhã e voltar a Albany à tarde. Traindo certa preocupação, ela disse: "Isso quer dizer que precisaremos ir embora? Nos mudar para a Pensilvânia?".

"Se esse for nosso maior problema", falei, "ficarei contente."

Depois de todo esse tempo, Marjorie ainda não entende a gravidade da nossa situação. Claro, fiz o possível para ocultar-lhe o tamanho da tragédia e não posso culpar Marjorie se obtive sucesso na tentativa de mantê-la distante dos problemas. Mesmo assim, por vezes sinto solidão.

Isso tem de dar certo. Preciso sair do atoleiro, e logo. Portanto, acho bom ser capaz de matar.

Donald E. Westlake

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