sábado, 14 de maio de 2011

FUMAÇA HUMANA

Nicholson Baker

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Um trecho:

ALFRED NOBEL, o fabricante de explosivos, conversava com a amiga baronesa Bertha von Suttner, autora de Lay Down Your Arms [Deponham as armas]. Cofundadora do movimento pacifista europeu, ela acabava de participar da Conferência Mundial da Paz em Berna. Era agosto de 1892.
'Talvez as minhas fábricas acabem com a guerra antes dos seus congressos', disse Nobel. 'No dia em que dois exércitos forem capazes de se aniquilar mutuamente em um segundo, é provável que todas as nações civilizadas recuem com horror e desmobilizem suas tropas.'
STEFAN ZWEIG, o jovem escritor de Viena, estava num cinema em Tours, na França, assistindo ao noticiário. Era o verão de 1914. A imagem do imperador Guilherme II da Alemanha apareceu fugazmente na tela. No mesmo instante, a audiência explodiu num grande alarido. 'Todos se puseram a vaiar e assobiar, homens, mulheres e crianças, como se tivessem sido insultados pessoalmente', escreveu ele. 'O povo afável de Tours, que só sabia do mundo e da política pelo que lia nos jornais, enlouqueceu por um instante.'
Zweig ficou assustado. 'Tudo durou apenas um segundo, mas um segundo que me mostrou a facilidade com que as pessoas se enfurecem numa época de crise, em qualquer lugar, apesar de todas as tentativas de compreensão do outro.'
WINSTON CHURCHILL, primeiro lorde do Almirantado da Inglaterra, instituiu o bloqueio naval da Alemanha. 'O bloqueio britânico', escreveu ele posteriormente, 'ameaçava toda a Alemanha como se fosse uma fortaleza sitiada e, confessadamente, procurava impor a fome ao conjunto da população --homens, mulheres e crianças, velhos e jovens, feridos e sãos-- até que eles cedessem.' Isso em 1914.
STEFAN ZWEIG estava no front oriental, colhendo proclamações de guerra russas para os arquivos austríacos. Era a primavera de 1915.
Ele subiu no vagão de carga de um trem-hospital. 'Dei com uma fileira de macas toscas', escreveu, 'todas ocupadas por homens mortalmente pálidos que gemiam, suavam e arfavam na densa atmosfera de excremento e iodofórmio.' Havia vários mortos entre os vivos. Desesperado, o médico lhe pediu que arranjasse água. Não tinha morfina nem ataduras limpas, e eles ainda estavam a 24 horas de Budapeste.
De regresso a Viena, Zweig iniciou uma peça teatral pacifista, Jeremiah. E escreveu:
Eu reconheci o inimigo que devia combater: o falso heroísmo que prefere mandar os outros para o sofrimento e a morte, o otimismo barato dos profetas sem consciência política nem militar que, prometendo audaciosamente a vitória, prolongam a guerra, e, atrás deles, o vendido coro de 'apregoadores da guerra', como os chamou Werfel, com reprovação, em seu belo poema.
JEANNETTE RANKIN, de Montana, a primeira mulher eleita deputada, votou contra a declaração de guerra à Alemanha. Foi no dia 6 abril de 1917.
'Eu me debrucei na balaustrada da galeria e a observei', disse sua amiga Harriet Laidlaw, do Woman Suffrage Party [Partido do Sufrágio Feminino]. 'Ela estava sob a mais terrível pressão.' Quase todas as suas companheiras sufragistas, inclusive Laidlaw, queriam que ela votasse pelo sim.
Fez-se silêncio quando a chamaram. 'Eu quero ser leal ao meu país', disse Rankin. 'Mas não posso votar a favor da guerra. Voto pelo não.' Outros cinquenta membros da Câmara acompanharam seu voto; 374 preferiram o sim. 'Eu senti', disse ela depois, 'que, na primeira vez em que uma mulher tivesse oportunidade de dizer não à guerra, o seu dever era fazê-lo.'
Um jornal de seu estado, o Independent de Helena, chamou-a de 'otária do Kaiser, membro de um exército huno nos Estados Unidos e uma normalista chorona'.

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