sexta-feira, 3 de junho de 2016

CONTO BALA DE PRATA OU OS PEDAÇOS AZEDOS DE DOCES MORTOS

José Marcelo da Silva
Robin (larissa louise)
O tempo é nada mais que aqui. Agora. O lugar é uma cidadezinha açoitada por uma poeira vermelha e por ondas escuras de um mar poluído e fétido. É o lugar que, como um elefante velho e exausto, escolhi para morrer. É uma droga de lugar mas desconfio que eu acharia uma droga qualquer lugar em que estivesse.
Ontem sentei na praia e fiquei olhando as nuvens, deitado na areia úmida e desagradável à pele, mastigando doces vencidos que achei por aí. As nuvens eram disformes e pesadas. Abafavam o calor sufocante entre a terra e o céu. Ocasionalmente o sol que espiava entre essas nuvens era como um olho ferido de onde escorria sangue amarelo e quente. Era como pus.
O meu estado de espírito ultimamente tem sido como se eu estivesse terrivelmente doente. Provavelmente porque eu realmente estou. Doente. Morrendo.
Sinto muito, dissera a médica na semana anterior. Não há muito a se fazer.
Eu realmente não ouvi tudo o que ela disse, embora concordasse educadamente a cada vez que ela pausava. Ela parecia nervosa. Acho que nunca dera uma notícia tão terrível a alguém. Atrás dela havia uma pintura de uma garotinha sorrindo e segurando o fio de uma balão vermelho. A garotinha fora pintada de modo incrivelmente detalhado e realista, mas o balão e a rua ao seu fundo eram borrados como se tudo não passasse de imaginação. Um sonho que se esvanecia, embora a garotinha não se desse conta disso.
Quanto tempo?
Não muito. Algumas semanas. Talvez menos. Dias, talvez.
Entendo.
Sinto muito.
Depois que saí do consultório, pensei em ir a um bar qualquer e encher a cara até desmaiar, mas estava sem grana. No entanto, fui assim mesmo.
Bebi demais, sozinho, pateticamente, até que uma puta acabada chegou e disse, me paga uma dose?
Claro. Beba o que quiser. Depois você me dá uma chupada, uma grande chupada, e ficamos quites.
Ela sorriu, vai precisar me pagar mais que uma dose para isso.
Por mim tudo bem.
Depois da segunda dose, ela me disse, vem comigo, vou te dar aquela chupada agora, mas só porque gostei de você.
Então tá.
Ela me levou ao banheiro, um lugar feio e sujo, empapado pelo cheiro forte de urina, e ajoelhou-se e colocou meu pau para fora e chupou com um ânimo que eu não via a muito tempo. Eu acariciava os cabelos dela, eram macios e muito bonitos, e olhava meu rosto no espelho carcomido sobre a pia. Eu tentava sorrir, mas tudo o que consegui foram caretas horríveis. Quando gozei, ela engoliu tudo, claro, realmente era muito boa no que fazia.
Você tem um gosto bom, ela disse.
Obrigado.
Tenho que ir. Ela levantou-se e lavou a boca na pia e deu uma boa olhada em si mesma no espelho. Aparentemente gostou do que viu. A gente se vê.
Até lá então.
Da próxima vez, vou fazer serviço completo. Saiu e me deixou com o pau murchando fora da calça.
Nunca mais a vi.
Voltei para a mesa. A cerveja era amarela, gelada, amarga. Na hora de pagar o porre, sorri e disse que não tinha dinheiro. O cara do bar ficou puto, acho que pensou em me bater, chegou mesmo a me puxar pela camisa, mas desistiu. Não era um homem violento. Disse suma daqui. Não sei por que não chamou a polícia. Deve ter percebido que havia algo errado comigo. Não sei e não me importei.
Realmente não sei como cheguei em casa.
Agora eu me sento na cama e corto os braços. São cortes longos que vão do cotovelo ao pulso. Eu o faço calmamente, como se não doesse. Minha cama logo fica empapada de sangue. Eu largo a faca, deito na cama e fecho os olhos.
Minha última lembrança é a memória de uma criança correndo e girando e uivando como um lobo. Eu queria ser um lobisomem quando criança.
Agora sou apenas um velho morrendo sozinho por aí, mais um, e nem preciso de uma bala de prata para isso.

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