terça-feira, 31 de julho de 2012

him or her

"Because one believes in oneself, one doesn’t try to convince others. Because one is content with oneself, one doesn’t need others’ approval. Because one accepts oneself, the whole world accepts him or her."

- Lao Tzu

SESSÃO DUPLA

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filmes baratos divertidos cruéis sangrentos. adoráveis.

TRAILER 007 SKIFALL

james bond voltará em skifall.

TRECHO Roteiro de Um Dia de Cão

roteiro de Frank Pierson

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SONNY

Mom.  Mom.  There are some things a

mother shouldn’t say in front of

her son.

VI

If she comes down here, so help me

I’m gonna mash her brains in.

Everything in your life was sunlight

and roses until you met her.

Since then, forget it.

SONNY

She doesn’t have anything to do with it!

You understand that? Mother?  This is me!

VI

I know you wouldn’t need Leon if

Heidi was treating you right.  The

thing I don’t understand is why you

come out and sleep with Heidi

anyway?  You got two kids on

welfare now.  What’re you goin’ to

bed with her, you don’t have enough

with one wife and two kids on

welfare, you want a wife and three kids on welfare?

SONNY

(this is old stuff)

Not now, Mom, please.

VI

What’ll you do?  Come out.

SONNY

(patiently – I told you

a hundred times)

I can’t, Mom.  If I come out Sal

will kill them.

VI

Oh.

(she thinks for a moment)

Run.

SONNY

What the hell for? Twenty-five

years in the pen?

VI

Maybe…

SONNY

Maybe!  Aw Christ, what dreams you

live on!  Maybe what?

She stares at him.He talks slowly and carefully to her.

SONNY

I’m a fuckup and an outcast.  There

isn’t one single person in my life

I haven’t hurt through my love.

You understand that?  I’m the most

dangerous person in the world,

because if I love you, watch out,

you’re gonna get fucked, fucked

over and fucked out!

ana maria bahiana blog.

TRECHO RUA DAS LOJINHAS

Patrick Modiano

Waldo Blunt, o primeiro marido de Gay Orlow, me dissera que ela se matara por temer a velhice. Suponho que ela freqüentemente olhava as corridas do hipódromo da sua janela. Todos os dias, e muitas vezes numa só tarde, uma dezena de cavalos se atira, percorre o cumprimento da pista, e vêm se quebrar contra os obstáculos. E aqueles que os ultrapassam serão vistos ainda por alguns meses e desaparecerão como os outros. São necessários, constantemente, novos cavalos, que são substituídos pouco a pouco. E, a cada vez, o mesmo impulso acaba se estilhaçando. Tal espetáculo só pode provocar melancolia e desânimo, e talvez tenha sido nos limites do hipódromo que Gay Orlow… Tinha vontade de perguntar a André Wildmer o que ele achava disso. Ele devia compreender. Fora jóquei.

Monte de leituras.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

PÁGINA fraction

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as melhores histórias de horror não se contentam apenas em serem assustadoras, mas principalmente perturbadoras.

FRAMES bedevilled

bede

um filme forte e chocante, violento e instigante. Adoro essa palavra: instigante. E este filme não é menos que isso.

FRAMES battle royale

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POSTER elementar

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sei não, mas sei lá. uma chance, nada mais.

FRAMES old boy

old boy

movies in frames.

O SOMBRA

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no traço fantástico de FRANCESCO FRANCAVILLA.

FILME POV~呪われたフィルム~

Mirai Shida e Haruna Kawaguchi estão no set de filmagem de um programa especial sobre fenômenos psíquicos. De-repente a tela do monitor começa a mostrar algo totalmente diferente. Aterrorizante.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

de resto

"Nunca tive sorte com as mulheres, suporto com resignação uma penosa corcunda, meus parentes mais próximos estão todos mortos, sou um pobre solitário que trabalha em um escritório pavoroso. De resto, sou feliz."

Enrique Vila-Matas, Bartleby & companhia

TRAILER A VIDA DE PI

COSPLAY coringas

Just a Couple of Jokers

FRAMES Rebecca

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um Hitchcock é sempre uma dádiva.

TRECHO a vida de pi

yann martel

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O navio afundou. Fez um som que parecia um monstruoso arroto metálico. As coisas ficaram borbulhando na água e, depois, desapareceram. Tudo gritava: o mar, o vento, o meu coração. Do bote salva-vidas, vi algo na água.

–Richard Parker, é você?—gritei.—Está tão difícil enxergar. Ah, se essa chuva parasse… Richard Parker? Richard Parker? É você mesmo!

   Só dava para ver a cabeça dele, que lutava para se manter na superfície.

__ Jesus, Maria, Maomé e Vishnu, que bom ver você, Richard Parker! Não desista, por favor. Venha para o bote. Está ouvindo esse apito? Triiiiii! Triiiiii! Triiiiii! É isso mesmo. Nade, nade! Você é um ótimo nadador. Não são nem trinta metros.

   Ele tinha me visto. Parecia em pânico. Começou a nadar na minha direção. Ao meu redor, a água se movia furiosamente. Ali, ele parecia pequeno e indefeso.

__ Dá para acreditar no que nos aconteceu, Richard Parker? Diga que é um pesadelo. Diga que não é verdade. Diga que ainda estou na minha cabine no Tsimtsum, me virando e me debatendo, e que logo vou acordar desse pesadelo. Diga que continuo a ser feliz (…) Que Vishnu me preserve, que Allah me proteja, que Cristo me salve, não aguento isso! (…) Todas as coisas de que eu gostava na vida foram destruídas. E não mereço uma explicação? Vou ter de sofrer o diabo sem que o céu me dê qualquer justificativa? Nesse caso, de que serve a razão, Richard Parker? Ela só vale para brilhar com relação a coisas práticas: conseguir comida, roupas e um abrigo? Por que a razão não é capaz de dar respostas maiores? Por que não podemos lançar uma pergunta mais longe do que podemos alcançar uma resposta? Por que uma rede tão grande se há tão pouco peixe para pescar?

encarando a dança com dragões

faccia-78

recensioni facciali.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

terça-feira, 24 de julho de 2012

COSPLAY YOKO LITTNER ヨーコ・リットナ

YOKO LITTNER1YOKO LITTNER

TRECHO Roubo, uma História de Amor

Peter Carey

careyp

Não sei se minha história é grandiosa a ponto de ser uma tragédia, embora tenha acontecido um monte de merda. É, sem dúvida, uma história de amor, mas que não começou senão na metade do monte de merda, quando eu havia perdido não apenas meu filho de oito anos, mas também minha casa e meu estúdio em Sidney onde um dia fui tão famoso quanto um pintor pode ser famoso em sua própria terra. Foi no ano em que eu devia ter recebido a Ordem da Austrália — por que não! —, olhem só para quem eles dão a ordem. Em vez disso, meu filho foi roubado de mim e eu fui estripado por advogados de divórcio e preso por tentar recuperar o melhor de minha obra que havia sido declarada Bens Matrimoniais.

Ao emergir da prisão Long Bay na desolada primavera de 1980, descobri que seria levado às pressas para o norte de Nova Gales do Sul, onde, embora quase sem nenhum dinheiro para gastar comigo, achei que poderia, se ao menos conseguisse reduzir a bebida, pintar quadros pequenos e cuidar de Hugh, meu irmão excepcional que pesava cem quilos. Meus advogados, marchands, colecionadores, todos se juntaram para me salvar. Foram tão bons, tão generosos. Eu não podia nem admitir que estava de saco cheio de cuidar de Hugh, que não queria sair de Sidney, nem cortar a bebida. Como não tinha caráter para falar a verdade, eu me permiti tomar o rumo que eles haviam escolhido para mim. A trezentos quilômetros ao norte de Sidney, em Tarre, comecei a cuspir sangue numa pia de hotel. Graças a Deus, pensei, não podem me forçar a fazer isso agora.

POSTER BREAKING BAD

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segundo a arte foda de Francesco Francavilla.

FILME 13 assassinos

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Na Era Shogun, um lorde estupra e mata, protegido pela imunidade por ser irmão do Shogun. Treze Assassinos pretendem dar um fim ao frenesi sangrento do nobre. Mas eles não sabiam que estavam em desvantagem de 4 contra 1 em relação à guarda do lorde. As ruas ficarão vermelhas. Mais um filmaço de Takashi Miike. Para ver, clique na imagem.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

japonesas lindas nuas

a (9)a (10)a (11)

POSTER a tumba de ligeia

ligeia

ABERTURA SAILOR MOON

FRAMES nosferatu por werner herzog

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Trecho Trópico de Câncer

Henry Miller

cancer

Estou vivendo na Villa Borghese. Não há um resquício de sujeira em parte alguma, nem uma cadeira fora do lugar. Estamos completamente sozinhos aqui e estamos mortos.
Ontem à noite, Bóris descobriu que estava com chatos. Tive de raspar-lhe as axilas e mesmo depois disso a coceira não passou. Como pode alguém adquirir chatos num lugar bonito como este? Mas isso não tem importância. Talvez nunca nos tivéssemos conhecido tão intimamente, Bóris e eu, se não fossem os chatos.
Bóris acaba de oferecer-me uma síntese de suas idéias. É um profeta meteorológico. O tempo continuará ruim, diz ele. Haverá mais calamidades, mais morte, mais desespero. Não há a menor indicação de mudança em parte alguma. O câncer do tempo está-nos comendo. Nossos heróis mataram-se ou estão se matando. O herói, então, não é o Tempo, mas a Ausência de Tempo. Precisamos acertar o passo, em ritmo acelerado, em direção à prisão da morte. O tempo não vai mudar.
Estamos no outono do meu segundo ano em Paris. Mandaram-me para cá por uma razão que ainda não consegui compreender.
Não tenho dinheiro, nem recursos, nem esperanças. Sou o mais feliz dos homens vivos. Há um ano, há seis meses, eu pensava ser um artista. Não penso mais nisso. Eu sou. Tudo quanto era literatura se desprendeu de mim. Não há mais livros a escrever, graças a Deus.
E isto então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza.... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu cadáver sujo...
Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção. Eu estou cantando.
É para você, Tânia, que estou cantando. Desejaria poder cantar melhor, mais melodiosamente, mas então talvez você jamais consentisse em ouvir-me. Você já ouviu outros cantarem e permaneceu fria. Cantavam bonito demais ou não cantavam suficientemente bonito.
Estamos em vinte e tantos de outubro. Não acompanho mais as datas. Que diz você? Meu sonho de 14 de novembro do ano passado? Há intervalos, mas ficam entre sonhos e deles não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está se dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita. Você, Tânia, é o meu caos. É por isso que canto. Não sou nem eu, é o mundo morrendo, deixando cair a pele do tempo. Eu ainda estou vivo, dando pontapés em seu útero, uma realidade sobre a qual escrever.
Adormecendo. A fisiologia do amor. A baleia com seu pênis de um metro e oitenta, em repouso. O morcego - penis libre. Animais com um osso no pênis. Daí, um osso espetado... "Felizmente", diz Gourmont, "a estrutura óssea está perdida no homem". Felizmente? Sim, felizmente. Imagine-se a espécie humana andando de um lado para outro com um osso espetado. O canguru tem pênis duplo: um para os dias úteis e outro para os feriados.
Adormecendo. Uma carta de fêmea perguntando se encontrei um título para meu livro. Título? Certamente: "Adoráveis Lésbias".
Sua vida anedótica! Uma frase do Sr. Borowski. É nas quartas-feiras que almoço com Borowski. Sua esposa, que é uma vaca seca, preside. Ela agora está estudando inglês e sua palavra favorita é "filthy". Isso permite ver imediatamente como são chatos os Borowski. Mas espere...
Borowski usa ternos de tecido aveludado e toca harmônica. Combinação insuperável, especialmente se considerarmos que ele não é mau artista. Faz-se passar por polonês, mas naturalmente não é. É judeu, esse Borowski, e seu pai era um filatelista. Na verdade, quase todo Montparnasse é judeu ou meio-judeu, o que é ainda pior. Há Carl e Paula, Cronstadt e Bóris, Tânia e Sylvester, e Moldorf e Lucille. Todos, com exceção de Fillmore.
Henry Jordan Oswald também acabou revelando-se judeu. Louis Nichols é judeu. Até mesmo Van Norden e Chérie são judeus. Frances Blake é judeu ou judia. Titus é judeu. Os judeus estão caindo sobre mim como neve. Estou escrevendo isto para meu amigo Carl, cujo pai é judeu. É importante compreender tudo isto.
De todos os judeus, a mais adorável é Tânia, e por ela eu também ficaria judeu. Por que não? Já falo como um judeu. E sou feio como um judeu. Além disso, quem odeia os judeus mais do que o judeu?
Hora do crepúsculo. Azul indiano, água de vidro, árvores reluzentes e liquescentes. Os trilhos desaparecem no canal em Jaurés. A comprida lagarta com os lados esmaltados mergulha qual montanha-russa. Não é Paris. Não é Coney Island. É uma mistura crepuscular de todas as cidades da Europa e América Central. Os pátios ferroviários embaixo de mim, os trilhos pretos e trançados, não ordenados pelo engenheiro, mas de desenho cataclísmico, como aquelas sombrias fendas no gelo polar que a câmara registra em tons de preto.
Comida é uma das coisas de que gosto tremendamente. E nesta bela Villa Borghese raramente há indícios de comida. É positivamente pavoroso às vezes. Repetidamente pedi a Bóris que encomendasse pão para o desjejum, mas ele sempre se esquece. Parece que faz seu desjejum fora. E quando volta está palitando os dentes e há um pouco de ovo pendurado em seu cavanhaque. Come no restaurante, por consideração a mim. Diz que lhe dói comer uma grande refeição enquanto olho.
Gosto de Van Norden, mas não partilho de sua opinião a respeito de si próprio. Não concordo, por exemplo, em que ele seja um filósofo ou pensador. É obcecado por fêmeas, nada mais. E nunca será um escritor. Sylvester também jamais será um escritor, embora seu nome cintile em lâmpadas vermelhas de 50 000 velas. Os únicos escritores ao meu redor pelos quais tenho algum respeito, atualmente, são Carl e Bóris. São possessos. Brilham por dentro com uma chama branca. Estão mortos e surdos aos tons musicais. São sofredores.
Por outro lado, Moldorf, que também sofre à sua maneira, não é louco. Tem a embriaguez da palavra. Não tem veias ou vasos sangüíneos, nem coração ou rins. É um armário portátil com inúmeras gavetas e nas gavetas há etiquetas escritas com tinta branca, marrom, vermelha, azul, escarlate, cor de açafrão, cor de malva, castanho-avermelhado, damasco, turquesa, ônix, Anjou, arenque, Corona, verdigris, gorgonzola...
Mudei a máquina de escrever para o aposento ao lado onde posso ver-me no espelho enquanto escrevo.
Tânia é como Irene. Espera cartas gordas. Mas existe outra Tânia, uma Tânia semelhante a uma grande semente, que espalha pólen por toda parte -_ou, digamos, um pouco de Tolstói, uma cena de estábulo na qual o feto é desenterrado. Tânia é uma febre também-- les voies urinaires, Café de la Liberté, Place des Vosges, gravatas brilhantes no Boulevard de Montparnasse, banheiros escuros, Porto Sec, cigarros Abdullah, sonata patética em adágio, amplificadores auditivos, sessões de anedotas, peitos castanho-avermelhados queimados, ligas pesadas, que horas são, faisões dourados recheados com castanhas, dedos de tafetá, crepúsculos vaporosos transformando-se em azinheiras, acromegalia, câncer e delírio, véus quentes, fichas de pôquer, tapetes de sangue e coxas macias. Tânia diz para que todos ouçam: "Eu o amo!" E, enquanto Bóris se queima com uísque, ela diz: "Sente-se aqui! Ó Bóris... Rússia... que farei? Estou estourando!"
À noite, quando olho o cavanhaque de Bóris estendido sobre o travesseiro, fico histérico.
Ó Tânia, onde estão agora aquela sua boceta quente, aquelas ligas gordas e pesadas, aquelas coxas macias e arredondadas? Em meu membro há um osso de quinze centímetros de comprimento. Tânia, alisarei todas as pregas de sua vulva, cheia de semente. Mandá-la-ei de volta para seu Sylvester com a barriga doendo e o útero virado. Seu Sylvester! Sim, ele sabe acender um fogo, mas eu sei inflamar uma vagina. Enfiarei pregos quentes em você, Tânia. Deixarei seus ovários incandescentes. Seu Sylvester agora está um pouco ciumento? Ele sente alguma coisa, não sente? Sente os remanescentes de meu grande membro. Deixei as margens um pouco mais largas. Alisei as pregas. Depois de mim, você pode receber garanhões, touros, carneiros, cisnes e São Bernardos. Pode enfiar pelo reto sapos, morcegos, lagartos. Você pode defecar arpejos ou amarrar uma cítara sobre o umbigo. Eu estou fodendo, Tânia, para que você fique fornicada. E se tem medo de ser fornicada em público, eu fornicarei privativamente. Arrancarei alguns pêlos de sua vulva e os grudarei no queixo de Bóris. Morderei seu clitóris e cuspirei moedas de dois francos...
Céu de anil limpo de onde foram varridas as nuvens felpudas, árvores magras infinitamente estendidas, com seus galhos pretos a gesticular como um sonâmbulo. Árvores sombrias e espectrais, de troncos pálidos como cinza de charuto. Silêncio supremo e absolutamente europeu. Venezianas cerradas, lojas fechadas. Um brilho vermelho aqui e acolá para marcar encontro. Fachadas bruscas, quase proibitivas; imaculadas, não fossem as manchas de sombra que as árvores lançam. Passando pela Orangerie, lembrei-me de outra Paris, a Paris de Maugham, de Gauguin, a Paris de George Moore. Penso naquele terrível espanhol que então espantava o mundo com seus saltos acrobáticos de um estilo para outro. Penso em Spengler e seus terríveis pronunciamentos e pergunto se o estilo, o estilo à grande maneira, morreu.
Digo que meu espírito está ocupado com esses pensamentos, mas não é verdade; somente mais tarde, depois de ter atravessado o Sena, depois de ter deixado para trás o carnaval de luzes, é que permito a meu espírito brincar com essas idéias. No momento, não posso pensar em nada - exceto em que sou um ser senciente ferido pelo milagre destas águas que refletem um mundo esquecido. Ao longo de toda a extensão das margens, as árvores curvam-se pesadamente sobre o espelho embaçado; quando o vento se ergue e as enche de um murmúrio farfalhante, elas derramam algumas lágrimas e estremecem sobre a água rodopiante que passa. Estou sufocado por isto. Ninguém a quem possa comunicar sequer uma fração de meus sentimentos...
O mal de Irene é ter uma valise em lugar de vulva. Quer cartas gordas para enfiar na valise. Imensa, avec des choses inouïes. Agora, Llona tem uma boceta. Sei disso porque ela nos mandou alguns pêlos arrancados bem do fundo. Llona --uma égua selvagem cheirando prazer no vento. Em todo monte alto ela fez o papel de puta-- e às vezes também em cabinas telefônicas e lavatórios. Ela comprou uma cama para o Rei Carol e um púcaro para sabão de barba com as iniciais dele. Deitava-se em Tottenham Court Road com o vestido levantado e fazia com os próprios dedos. Usava velas, velas romanas, e trincos de porta. Não havia na terra membro tão grande que lhe servisse... nenhum. Homens entravam nela e fraquejavam.
Ela os queria com extensão, foguetes explosivos, óleo fervente feito de cera e creosoto.
Cortaria o seu e o conservaria dentro dela, se você lhe desse permissão. Uma boceta como não se encontra em um milhão, Llona! Uma vagina de laboratório, sem papel de tornassol que pudesse tomar-lhe a cor. Era uma mentirosa também, essa Llona. Jamais comprou uma cama para o seu Rei Carol. Coroou-o com uma garrafa de uísque e sua língua estava cheia de chatos e amanhãs. Pobre Carol, dentro dela ele só poderia fraquejar e morrer. Uma chupada, e ele caiu para fora --qual morta lesma.
Cartas enormes e gordas, avec des choses inouïes. Uma valise sem alças. Um buraco sem chave. Ela tinha boca alemã, orelhas francesas, bunda russa. Vagina internacional. Quando hasteava a bandeira, era vermelha em toda a extensão até a garganta. Você entrava no Boulevard Jules-Ferry e saía na Porte de la Villette. Você jogava seu pâncreas em carrinhos de mão - carrinhos de mão vermelhos, com duas rodas, naturalmente. Na confluência do Ourca e Marne, onde a água escorre através dos diques e pára como vidro sob as pontes. Llona lá jaz agora e o canal está cheio de vidro e de lascas; as mimosas choram e há sobre as vidraças um peido úmido e nevoento. Uma vulva como não se encontra em um milhão, era Llona! Só vulva, e um traseiro de vidro no qual se podia ler a história da Idade Média.
É a caricatura de um homem o que Moldorf apresenta a princípio. Olhos de tireóide. Lábios Michelin. Voz como sopa de ervilha. Por baixo do colete, leva uma pequena pêra. Todavia, olhando-o, a gente sempre vê o mesmo panorama: caixinha de rapé enfeitada, cabo de marfim, peça de xadrez, leque, motivo de igreja. Já fermentou durante tanto tempo, que é amorfo. Fermento privado de suas vitaminas. Vaso sem a sua planta de borracha.
As fêmeas eram cobertas duas vezes no século IX e também durante a Renascença. Ele foi levado durante as grandes dispersões sob barrigas amarelas e brancas. Muito tempo antes do Êxodo, um tártaro cuspiu-lhe no sangue.
Seu dilema é o de um anão. Com o olho pineal enxerga em silhueta projetada sobre tela de incomensurável tamanho. Sua voz, sincronizada com a sombra de uma cabeça de alfinete, intoxica-o. Ele ouve um rugido onde outros ouvem apenas um rangido.
Há sua mente. E um anfiteatro onde o ator tem atuação protéica. Moldorf, multiforme e impecável, vai através de seus papéis - palhaço, prestidigitador, contorcionista, padre, devasso, saltimbanco. O anfiteatro é excessivamente pequeno. Ele põe-lhe dinamite no interior. A platéia está entorpecida. Ele machuca-a.
Estou tentando inutilmente aproximar-me de Moldorf. É o mesmo que tentar aproximar-me de Deus, pois Moldorf é Deus - nunca foi outra coisa. Estou simplesmente registrando palavras...
Tive sobre ele opiniões que abandonei; tive outras, que estou reexaminando. Fixei-o apenas para descobrir que não era um besouro de esterco que tinha nas mãos, mas uma libélula. Ele me ofendeu com sua brutalidade e depois me dominou com sua delicadeza. Mostrou-se volúvel até a sufocação e depois calmo como o Jordão.
Quando o vejo avançando a trote para cumprimentar-me, patinhas estendidas, olhos transpirando, sinto que estou encontrando... Não, esta não é maneira de tratar o caso!
"Comme un oeuf dansant sur un jet d'eau"
Ele tem apenas uma bengala, uma bengala medíocre. Em seu bolso há pedaços de papel com receitas para Weltschmerz. Agora está curado e a mocinha alemã que lhe lavava os pés está desolada. Ê como o Sr. Nulidade, folheando seu dicionário Gujurati em toda parte.
"Inevitável para todos" - querendo dizer, sem dúvida, indispensável. Borowski acharia isto tudo incompreensível.
Borowski tem uma bengala diferente para cada dia da semana, e outra para a Páscoa.
Temos tantos pontos em comum que é como se eu visse minha própria imagem em um espelho rachado.
Estive olhando meus manuscritos, páginas rabiscadas com correções. Páginas de literatura.
Isto me assusta um pouco. É tão parecido com Moldorf! Só que sou um gentio e os gentios têm modo diferente de sofrer. Sofrem sem neuroses e, como diz Sylvester, um homem que nunca foi afligido por neurose não sabe o que significa sofrer.
Recordo-me distintamente de como eu sentia prazer com meu sofrimento. Era como levar um filhote de fera para a cama com a gente. De vez em quando ele arranha --e então se fica realmente assustado. Normalmente, não se tem medo-- podemos soltá-lo a qualquer momento ou cortar-lhe a cabeça.
Há pessoas que não podem resistir ao desejo de entrar em uma jaula contendo animais ferozes e ser lanhadas. Entram mesmo sem revólver ou chicote. O medo torna-as destemidas... Para o judeu o mundo é uma jaula cheia de animais ferozes. A porta está trancada e ele ali está sem chicote ou revólver. Sua coragem é tão grande que nem sequer sente o cheiro do estrume no canto. Os espectadores aplaudem, mas ele não ouve. O drama, pensa, está se desenvolvendo dentro da jaula. A jaula, pensa, é o mundo. Ali em pé, sozinho e indefeso, porta trancada, ele descobre que os leões não compreendem sua língua.
Nenhum leão até hoje ouviu falar em Spinoza. Spinoza? Mas os leões não podem sequer fincar os dentes nele. "Dê-nos carne!" rugem os leões, enquanto ele ali permanece petrificado, com as idéias congeladas, com seu Weltanschauung como um trapézio fora do alcance. Uma simples patada do leão e sua cosmogonia estará esmagada.
Os leões também estão decepcionados. Esperavam sangue, ossos, cartilagem, nervos. Mastigam e mastigam, mas as palavras são chicle, e chicle é indigerível. Chicle é uma base sobre a qual se polvilha açúcar, pepsina, tomilho, alcaçuz. O chicle, quando colhido por chicleros, é muito bom. Os chicleros apareceram na orla de um continente afundado.
Trouxeram consigo uma linguagem algébrica. No deserto do Arizona encontraram-se com os mongóis do Norte, vidrados como berinjela. Pouco tempo depois de a Terra ter assumido sua inclinação giroscópica --quando o Gulf Stream se estava separando da corrente japonesa. No coração do solo eles encontraram tufo calcário. Enfeitaram as próprias entranhas da Terra com sua linguagem. Comeram as vísceras uns aos outros e a floresta fechou-se sobre eles, sobre seus ossos e crânios, sobre seu tufo rendado. Sua língua perdeu-se. Aqui e acolá ainda se encontram os remanescentes de uma coleção de feras, uma placa de cérebro coberta de números.
Que tem isto tudo a ver com você, Moldorf? A palavra em sua boca é anarquia. Diga-o, Moldorf, estou esperando. Ninguém sabe, quando apertamos as mãos, os rios que correm através de nosso suor. Enquanto você está articulando suas palavras, com os lábios entreabertos, a saliva borbulhando na boca, salto através de metade da Ásia. Se eu tivesse apanhado sua bengala, apesar de medíocre, e aberto com ela um pequeno buraco em seu lado, poderia ter colhido material suficiente para encher o Museu Britânico. Ficamos em pé cinco minutos e devoramos séculos. Você é o crivo através do qual minha anarquia se filtra, converte-se em palavras. Por trás da palavra há o caos. Cada palavra é uma listra, um traço, mas não há e nunca haverá traços suficientes para fazer a trama.
Em minha ausência, colocaram as cortinas na janela. Tem aparência de toalhas de mesa tirolesas, molhadas em lisol. O quarto resplandece. Sento-me na cama atordoado, pensando no homem antes de seu nascimento. De repente, sinos começam a dobrar, música fantástica, sobrenatural, como se eu tivesse sido transportado para as estepes da Ásia Central. Alguns retinem num ritmo longo e demorado, outros ressoam bebedamente, chorosamente. Agora tudo está quieto de novo, a não ser por uma última nota que mal corta o silêncio da noite --apenas uma fraca e aguda batida abafada como uma chama.
Fiz comigo mesmo um pacto silencioso de não alterar uma linha do que escrevo. Não estou interessado em aperfeiçoar meus pensamentos, nem minhas ações. Ao lado da perfeição de Turgeniev coloco a de Dostoiévski (Existe algo mais perfeito que "O Eterno Marido"?).
Aqui, portanto, no mesmo meio, temos duas espécies de perfeição. Nas cartas de Van Gogh, porém, existe uma perfeição que vai além dessas duas. É a vitória do indivíduo sobre a arte.
Uma única coisa interessa-me vitalmente agora, e é registrar tudo quanto está omitido nos livros. Ninguém, pelo que posso ver, fez uso daqueles elementos, existentes no ar, que dão direção e motivação a nossas vidas. Somente os assassinos parecem extrair da vida certa medida satisfatória daquilo que nela põem. A época exige violência, mas estamos tendo apenas explosões abortivas. As revoluções são abafadas no nascedouro ou ocorrem muito depressa. A paixão esgota-se rapidamente. Os homens voltam a idéias, comme d'habitude.
Nada se propõe que possa durar mais do que vinte e quatro horas. Estamos vivendo um milhão de vidas no espaço de uma geração. No estudo da entomologia, da vida no fundo do mar ou da atividade celular, conseguimos mais...
O telefone interrompe este pensamento que eu nunca teria sido capaz de completar. Alguém vem vindo para alugar o apartamento...
Parece que isto está acabado, a minha vida na Villa Borghese. Bem, apanharei estas páginas e mudar-me-ei. Acontecerão coisas em outros lugares. Sempre estão acontecendo coisas.
Parece que onde quer que eu vá existe drama. As pessoas são como chatos --penetram na pele da gente e enterram-se lá. A gente coça e coça até sair sangue, mas não pode livrar-se permanentemente dos chatos. Em toda parte onde vou, as pessoas estão fazendo uma trapalhada em suas vidas. - Todos têm sua tragédia particular. Está no sangue agora --infortúnio, tédio, aflição, suicídio. A atmosfera está saturada de desastre, frustração, futilidade. Coça-se e coça-se --até não restar mais pele. Todavia, o efeito sobre mim é estimulante. Em vez de ficar desencorajado ou deprimido, divirto-me. Estou clamando por mais e mais desastres, maiores calamidades, malogros piores. Quero que todo o mundo se desmantele, quero que todos se cocem até morrer.
Sou agora forçado a viver tão rápida e furiosamente que mal há tempo para escrever até mesmo estas notas fragmentárias. Depois do telefonema, chegaram um cavalheiro e sua esposa. Subi para deitar-me enquanto durasse a transação. Fiquei deitado pensando qual seria meu movimento seguinte. Certamente não seria voltar para a cama do veado e virar a noite inteira de um lado para outro afastando migalhas de pão com a ponta dos pés. Aquele nojento bastardinho! Se há algo pior do que ser veado, é ser sovina. Um patifezinho tímido e covarde que vivia no constante temor de ficar sem dinheiro um dia --talvez em 18 de março ou precisamente em 25 de maio. Café sem leite ou açúcar. Pão sem manteiga. Carne sem molho ou nada de carne. Sem isto e sem aquilo! O pequeno e sujo sovina! Um dia abri a gaveta do armário e encontrei dinheiro escondido em uma meia.
Mais de dois mil francos --e cheques que ele nem sequer havia descontado. Nem isso me teria aborrecido tanto se não fosse haver sempre borra de café em minha boina e lixo no chão, para não mencionar os potes de creme, as toalhas engorduradas e o ralo sempre entupido. Ainda mais, o pequeno bastardo cheirava mal --exceto quando se ensopava com água-de-colônia. Suas orelhas eram sujas, os olhos eram sujos, a bunda era suja. Ele era molóide, asmático, piolhento, desprezível, mórbido. Poderia ter-lhe perdoado tudo se pelo menos me tivesse dado um desjejum decente! Mas um homem que tem dois mil francos escondidos numa meia suja e se recusa a usar camisa limpa ou passar um pouco de manteiga em seu pão não é apenas um veado, não é nem mesmo apenas uma sovina --é um imbecil! Mas isso do veado não quer dizer nada. Estou com os ouvidos voltados para o que acontece lá embaixo. Um Sr. Wren e sua esposa vieram ver o apartamento.
Estão falando em ficar com ele. Só falando, graças a Deus. A Sra. Wren tem uma risada solta --complicações à vista. Agora o Senhor Wren está falando. Sua voz é rouca, rangente, retumbante, como uma arma pesada e sem corte que abre caminho através de carne, osso e cartilagem.
Bóris chamou-me para ser apresentado. Esfrega as mãos, como um agiota. Estão falando sobre uma história que o Sr. Wren escreveu, uma história a respeito de um cavalo doente.
"Mas eu pensei que o Sr. Wren fosse pintor!"
"Claro", diz Bóris, com um brilho nos olhos - "mas no inverno ele escreve. E escreve bem... notavelmente bem."
Procuro induzir o Sr. Wren a falar, a dizer alguma coisa, qualquer coisa, a falar sobre o cavalo doente, se necessário. Mas o Sr. Wren é quase inarticulado. Quando tenta falar sobre aqueles sombrios meses que passou com a pena na mão, torna-se ininteligível. Leva meses e meses para pôr uma palavra no papel. (E há apenas três meses de inverno!) De que cogita ele durante todos aqueles meses e meses de inverno? Valha-me Deus, mas não posso ver neste sujeito um escritor. Todavia, a Sra. Wren diz que, quando ele se senta para escrever, a coisa jorra sozinha.
A conversa desenvolve-se sem rumo. É difícil acompanhar a mente do Sr. Wren porque ele nada diz. Ele pensa à medida que avança - é como fala a Sra. Wren, que coloca sob luz encantadora tudo quanto se refere ao Sr. Wren. "Ele pensa à medida que avança" - muito encantador, realmente encantador, como diria Borowski, mas na verdade muito penoso, particularmente quando o pensador não é senão um cavalo doente.
Bóris dá-me dinheiro para comprar bebida. Só de buscar a bebida, já estou embriagado. Sei exatamente como começarei quando voltar para casa. Descendo a rua, a coisa começa, o grandioso discurso, borbulhando dentro de mim como a risada solta da Sra. Wren. Parece-me que ela já está um pouco excitada. Ouve maravilhosamente quando bêbeda. Saindo da loja de vinhos, ouço o urinol borbulhar. Tudo está solto e esparramado. Quero que a Sra. Wren ouça...
Bóris esfrega as mãos de novo. O Sr. Wren ainda está balbuciando e gaguejando. Tenho uma garrafa entre as pernas e estou enfiando o saca-rolhas. A Sra. Wren está com a boca aberta, expectantemente. O vinho derrama-se entre minhas pernas, o sol derrama-se através da janela e dentro de minhas veias borbulham e esparramam-se milhares de coisas loucas, que começam agora a jorrar para fora de mim em confusão. Estou dizendo a eles tudo quanto me vem à cabeça, tudo quanto estava fechado dentro de mim e que a risada solta da Sra. Wren libertou de uma maneira qualquer. A garrafa entre as pernas, e o sol derramando-se através da janela, experimento mais uma vez o esplendor daqueles dias miseráveis em que cheguei a Paris, indivíduo desorientado e ferido pela pobreza, a rondar pelas ruas como fantasma num banquete. Tudo me volta num jato: os lavatórios que não funcionavam, o príncipe que engraxou meus sapatos, o Cinema Splendid onde dormi sobre o capote do "patron", as grades na janela, a sensação de sufocação, as baratas gordas, as bebedeiras que aconteciam de tempos a tempos, Rose Cannaque e Nápoles morrendo sob o sol. Dançando nas ruas com a barriga vazia e de vez em quando procurando pessoas estranhas --Madame Delorme, por exemplo.
Como cheguei até Madame Delorme, não consigo mais imaginar. Mas cheguei lá, entrei de um jeito qualquer, passei pelo mordomo, passei pela criada de aventalzinho branco, cheguei bem dentro do palácio, com minhas calças aveludadas e minha jaqueta de caça --e sem um botão na braguilha. Ainda agora posso sentir novamente o gosto do ambiente dourado daquela sala onde Madame Delorme ficava sentada num trono em seus trajes masculinos, os peixes dourados nos aquários, os mapas do mundo antigo e os livros belamente encadernados; posso sentir-lhe de novo a mão pesada descansando sobre meu ombro, assustando-me um pouco com seu forte ar lésbico. Mais confortável lá embaixo com aquele grosso cozido derramando-se para dentro da Gare St. Lazare, as putas nas portas, garrafas de "seltzer" em todas as mesas; espessa onda de sêmen inundando as sarjetas.
Nada melhor, entre as cinco e as sete, do que ser empurrado de um lado para outro no meio daquela multidão, seguindo uma perna ou um busto bonito, avançando com a maré, e com tudo girando na cabeça. Uma espécie fantástica de contentamento naqueles dias. Nenhum encontro marcado, nenhum convite para jantar, nenhum programa, nenhum dinheiro. O período dourado, quando eu não tinha um único amigo. Toda manhã a sombria caminhada até o American Express e toda manhã a inevitável resposta do funcionário.
Correndo de um lado para outro como um percevejo, apanhando tocos de cigarro de vez em quando, às vezes furtivamente, outras vezes descaradamente; sentando num banco e apertando a barriga para que parasse de roer, ou caminhando através do Jardin des Tuileries e tendo uma ereção ao olhar para as estátuas mudas. Ou vagueando ao longo do Sena à noite, vagueando e vagueando, enlouquecendo com a beleza do rio, as árvores inclinadas sobre ele, as imagens quebradas na água, o sussurrar da corrente sob as luzes sangrentas das pontes, as mulheres dormindo em vãos de porta, dormindo sobre jornais, dormindo sob a chuva; por toda parte, os pórticos embolorados das catedrais, mendigos, piolhos e velhas megeras com dança de São Vito; carrocinhas amontoadas como barris de vinho nas ruas transversais, o cheiro de frutas no mercado e a velha igreja cercada de hortaliças e lâmpadas azuis, as sarjetas que o lixo tornava escorregadias, e mulheres de sapatos de cetim cambaleando no meio da sujeira e da gentalha ao fim de uma farra que durou a noite inteira.
A Place St. Sulpice, tão quieta e deserta, onde toda noite, lá pela meia-noite, surge a mulher com a sombrinha quebrada e o véu maluco; toda noite ela dorme lá num banco, embaixo de sua sombrinha rasgada; as varetas penduradas, o vestido ficando verde, os dedos ossudos e o cheiro de podridão desprendendo-se de seu corpo; e, de manhã, eu estava sentado lá, tirando uma sossegada soneca sob o sol, praguejando contra os malditos pombos que recolhem migalhas por toda parte. St. Sulpice! Os gordos campanários, os avisos berrantes na porta, as velas ardendo lá dentro. A praça tão querida de Anatole France, com o zunzum e o zumbido do altar, o jorro de água da fonte, os pombos arrulando, as migalhas desaparecendo como mágica e apenas um surdo ronco no oco da barriga. Ali eu me sentava dia após dia, pensando em Germaine e naquela suja ruazinha perto da Bastille onde ela vivia, e aquele zunzum lá atrás do altar, os ônibus passando zumbindo, o sol batendo até dentro do asfalto e o asfalto penetrando em mim e em Germaine, dentro do asfalto, e toda Paris dentro dos grandes e gordos campanários.
E era pela Rue Bonaparte que apenas um ano antes Mona e eu costumávamos caminhar toda noite, depois de termo-nos despedido de Borowski. St. Sulpice então não significava muito para mim, nem qualquer outra coisa em Paris. Cheio de conversa. Enjoado de rostos. Cansado de catedrais, e praças e jardins zoológicos, e não sei que mais. Apanhando um livro no quarto vermelho, e a incômoda cadeira de vime; cansado de sentar-me sobre a bunda o dia inteiro, cansado do papel de parede vermelho, cansado de ver tanta gente tagarelando sobre coisa nenhuma. O quarto vermelho e o baú sempre aberto; seus vestidos espalhados num delírio de desordem. O quarto vermelho com minhas galochas e bengalas, os cadernos de notas que nunca toquei, os manuscritos abandonados, frios e mortos. Paris! Significando o Café Select, o Dôme, o Mercado de Pulgas, o American Express. Paris! Significando as bengalas de Borowski, os chapéus de Borowski, os guaches de Borowski, o peixe pré-histórico de Borowski - e piadas pré-históricas. Daquela Paris de 28 somente uma noite permanece em minha memória - a noite anterior à partida para a América. Uma noite rara, Borowski ligeiramente embriagado e um pouco desgostoso comigo por eu dançar com toda sirigaita que encontrava. Mas nós vamos partir amanhã cedo! É isso que digo a toda vulva que consigo agarrar - partir amanhã cedo! É isso que estou dizendo à loura de olhos cor de ágata. E, enquanto digo isso, ela toma minha mão e enfia-a entre suas pernas. No lavatório, fico em pé diante da pia com uma ereção terrível; parece leve e pesado ao mesmo tempo, como um pedaço de chumbo com asas. E enquanto estou ali em pé, entram duas bocetas - americanas.
Cumprimento-as cordialmente, de membro na mão. Dão-me uma piscadela e passam. No vestíbulo, enquanto abotôo a braguilha, reparo em que uma delas está esperando a amiga sair da privada. A música ainda está tocando e talvez Mona venha buscar-me, ou Borowski com sua bengala de cabo de ouro, mas agora estou nos braços dela, ela me agarra e não me importa quem venha ou o que aconteça. Entramos contorcendo-nos na privada e lá eu a ergo, encosto-a à parede e tento penetrá-la, mas não dá certo. Por isso, sentamo-nos na bacia e tentamos desse jeito, mas também não dá certo. De todo jeito que tentamos, não dá certo. E todo o tempo ela segura meu membro, agarra-se a ele como a um salva-vidas, mas não adianta, estamos muito excitados, muito ansiosos. A música ainda está tocando e saímos dançando da privada para o vestíbulo. Enquanto estamos dançando ali no lavatório, eu descarrego tudo sobre seu belo vestido e ela fica louca de raiva. Volto cambaleando para a mesa e lá estão Borowski com seu rosto corado e Mona com seu olhar desaprovador. E Borowski diz: - Vamos todos a Bruxelas amanhã.
Todos concordamos e quando voltamos para o hotel eu vomito por toda parte; na cama, na bacia, sobre os ternos e vestidos, nas galochas e bengalas, nos cadernos de notas que nunca toquei e nos manuscritos abandonados, frios e mortos.
Alguns meses mais tarde. O mesmo hotel, o mesmo quarto. Olhamos para o pátio lá fora, onde há bicicletas estacionadas, e lá em cima, abaixo do sótão, fica o quartinho onde um jovem sabido tocava o fonógrafo o dia inteiro e repetia coisinhas engraçadas com o máximo de sua voz. Digo "nós", mas estou exagerando, pois Mona foi-se embora há muito tempo e é só hoje que vou encontrar-me com ela na Gare St. Lazare. Ao anoitecer, lá estou com o rosto apertado contra as grades, mas não há Mona alguma, e leio e releio o cabograma, mas de nada adianta. Volto para o Quartier e apesar de tudo faço uma copiosa refeição. Caminhando ao léu diante do Dôme um pouco mais tarde, vejo de repente um rosto pálido e pesado, com olhos ardentes - e o vestidinho de veludo que sempre adorei porque embaixo do veludo macio sempre houve uns seios quentes e pernas de mármore, frias, firmes, musculares. Ela se ergue do mar de rostos e abraça-me, abraça-me apaixonadamente - milhares de olhos, narizes, garrafas, janelas, bolsas, pires, tudo nos fitando e nós, um nos braços do outro, esquecidos. Sento-me ao seu lado e ela fala - uma torrente de palavras. Notas selvagens e consumptivas de histeria, perversão, lepra. Não ouço uma só palavra porque ela é bela, eu a amo e agora estou feliz e desejando morrer.
Descemos a Rue du Château, à procura de Eugene. Atravessamos a ponte ferroviária onde eu ficava observando os trens passarem e sentindo-me todo doente por dentro, ao imaginar onde, diabo, ela poderia estar. Tudo macio e encantador, enquanto caminhamos na ponte. Fumaça subindo entre nossas pernas, os trilhos rangendo, semáforos em nosso sangue. Sinto-lhe o corpo perto do meu - todo meu agora - e paro para esfregar as mãos sobre o veludo quente. Tudo à nossa volta está ruindo, ruindo e o corpo cálido, sob o veludo quente, ansiando por mim...
De volta ao mesmo quarto e com cinqüenta francos de sobra, graças a Eugene. Olho para o pátio lá fora, mas o fonógrafo está silencioso. O baú, aberto e coisas dela espalhadas por toda parte como antes. Ela se deita vestida na cama. Uma vez, duas vezes, três vezes, quatro vezes... Tenho medo de que ela fique louca... na cama, sob as cobertas, como é bom sentir-lhe novamente o corpo! Mas por quanto tempo? Durará desta vez? Já tenho um pressentimento de que não durará.
Ela fala comigo febrilmente --como se não houvesse amanhã. (Fique quieta, Mona! Olhe apenas para mim... não fale!) Finalmente adormece e eu puxo meu braço debaixo dela. Meus olhos fecham-se. Seu corpo está ali ao meu lado... estará ali até amanhã, sem dúvida... Foi em fevereiro que saí da baía sob uma nevada cegante. A última visão que tive dela foi acenando-me adeus, na janela. Um homem estava em pé do outro lado da rua, na esquina, chapéu puxado sobre os olhos, as bochechas repousando sobre as lapelas do capote. Um feto observando-me. Um feto de charuto na boca. Mona acenando-me adeus, na janela. Rosto branco e pesado, cabelos caindo selvagemente. Agora, um quarto abafado, respirando regularmente através das guelras, o líquido ainda escorrendo entre as pernas dela, um odor quente e felino, e seus cabelos na minha boca. Meus olhos estão fechados. Respiramos calidamente um na boca do outro. Bem juntos, a América a três mil milhas de distância. Nunca mais quero ver a América. Tê-la aqui na cama comigo, respirando sobre mim, com seus cabelos em minha boca - considero isso um milagre. Nada pode acontecer agora até amanhã cedo...
Acordo de sono profundo, para olhá-la. Uma luz pálida está entrando. Olho seus belos cabelos soltos. Sinto algo rastejando pelo meu pescoço. Olho-a de novo, bem de perto. Seus cabelos são vivos! Puxo o lençol - mais cabelos. Estão enxameando sobre o travesseiro. É um pouco depois do amanhecer. Arrumamos nossas coisas às pressas e saímos furtivamente do hotel. Os cafés ainda estão fechados. Caminhamos e, enquanto caminhamos, coçamo-nos. O dia abre-se em leitosa brancura, traços de céu rosa-salmão, lesmas deixando suas conchas.
Paris. Paris. Tudo acontece aqui. Velhas paredes ruindo e o barulho agradável da água correndo nos mictórios. Homens lambendo os bigodes no bar. Venezianas erguendo-se com estrondo e pequenas correntes sussurrando nas sarjetas. Amer Picon em enormes letras escarlates. Zigzag. Para que lado iremos e por que, ou onde, ou o quê?
Mona está com fome e seu vestido é fino. Nada, a não ser agasalhos para noite, vidros de perfume, brincos bárbaros, pulseiras, depilatórios. Sentamo-nos em um salão de bilhar na Avenue du Maine e pedimos café quente. O lavatório não está funcionando. Teremos de ficar sentados algum tempo antes de podermos ir para outro hotel. Entrementes, cada um de nós cata percevejos nos cabelos do outro. Nervosa, Mona está perdendo a calma. Precisa tomar um banho. Precisa disto. Precisa daquilo. Precisa, precisa, precisa...
- Quanto dinheiro ainda lhe resta?
Dinheiro! Havia-me esquecido disso.
Hotel des États-Unis. Um elevador. Vamos para a cama em plena luz do dia. Quando nos levantamos já está escuro e a primeira coisa a fazer é arranjar dinheiro para mandar um cabograma à América. Um cabograma para o feto com o comprido e suculento charuto na boca.
Entrementes, há a espanhola no Boulevard Raspail - ela está sempre disposta a servir uma refeição quente. Amanhã cedo alguma coisa há de acontecer. Pelo menos, vamos dormir juntos. Agora não há mais percevejos. A estação das chuvas começou. Os lençóis são imaculados...

domingo, 22 de julho de 2012

HOMEM ARANHA E A MORTE DE GWEN STACY

gwen stacy

triste. impactante. para ler, clique na imagem.

Kiss me hard before you go

CONTO dora

José Marcelo

Veludo Azul de madrugada na tv e uma garrafa de vinho vagabundo pela metade.

__ Isso não ia dar em boa coisa mesmo __ como diria Dorinha com aquele sorriso safado que ela sabe dar tão bem.

Mas ela não está aqui. É. Nada de Dorinha tirando a roupa e tocando o bico de um dos seios:

__ Me beija. Aqui.

Aqui só o Veludo e o vinho.

E ele – velho, barrigudo, sozinho na madrugada de sábado para domingo. De novo pensando em morrer. Não em se matar. Apenas em morrer.

Mas na tv: A candy-colored clown they call the sandman tiptoes to my room every night just to sprinkle stardust and to whisper go to sleep.

Dorinha.

Eles tiveram bons momentos juntos. Muitos bons momentos. Momentos felizes. Dias e noites.

Felizes, Dorinha, felizes.

Mas agora, ele não está mais feliz. Muito menos ela. Ela nunca mais vai estar. Morta. Dorinha morta. Dorinha morta e enterrada. Sepultada.

A candy-colored clown they call the sandman tiptoes to my room every night just to sprinkle stardust and to whisper go to sleep.

Mas ele não consegue dormir. O sono não vem. Desconfia que nunca mais.

A candy-colored clown they call the sandman tiptoes to my room every night just to sprinkle stardust and to whisper go to sleep.

Quando percebe, já vestiu uma roupa qualquer, já saiu pela rua, já chegou no cemitério e já está no cemitério, já está diante da sepultura dela e já está chorando.

Quando se dá por si, já tirou o pau para fora e começou a masturbar-se. Ele se ajoelha sobre a terra fofa da sepultura e o contato daquela terra o faz lembrar do contato macio de Dora. Ele não demora a gozar. Um filete branco e longo que se espalha em um prazer grande demais e que o faz estremecer.

Ele quase pode ouvi-la:

__ Que gostoso, meu amor, que gostoso.

POSTER lição do mal

evil

o novo filme de TAKASHI MIIKE. que a matança comece! sangue e sangue e muito sangue.

pornografia

Minha vida é um livro aberto. Ligeiramente pornográfico, talvez, mas aberto.

- Billy Wilder

A FERA G. K. Chesterton

Chesterton

autor de O HOMEM QUE ERA QUINTA-FEIRA. e não precisava ter escrito mais nenhuma preciosidade – só que escreveu!

A BELA grace kelly

GRACE

hipnotizando em JANELA INDISCRETA. nada mais nada menos que um filme fantástico do SR. HITCHCOCK.

RARIDADE

Viver é a coisa mais rara do mundo. A maioria das pessoas apenas existe.

Oscar Wilde

POSTER bubba ho-tep nosferatu

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um fan pôster. uma idéia genial.

a arte nua do oriente

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TRECHO O Grande Gatsby

Scott Fitzgerald

O-Grande-Gatsby-Leonardo-DiCaprio-e-Carey-Mulligan

Em meus anos mais juvenis e vulneráveis, meu pai me deu um conselho que jamais esqueci:
- Sempre que você tiver vontade de criticar alguém - disse-me ele - lembre-se de que criatura alguma neste mundo teve as vantagens de que você desfrutou.
Ele nada mais disse, mas sempre fomos comunicativos de uma maneira bastante incomum e reservada, e eu compreendi que ele queria dizer muito mais do que isso. Por conseguinte, sinto-me inclinado a guardar para mim todos os meus juízos, hábito esse que fez com que muitas naturezas curiosas se abrissem comigo, mas que também me tornou vítima de muitos maçadores inveterados.
A mente anormal percebe-a rapidamente e sente-se atraída por essa qualidade, quando ela aparece numa pessoa normal, e, assim, aconteceu que, na universidade, eu fui injustamente acusado de ser um político, por saber guardar as mágoas secretas de indivíduos violentos, desconhecidos. Quase todas as confidências eram espontâneas, eu fingia, não raro, que estava dormindo, que me achava preocupado ou, então, revelava uma leviandade hostil, ao perceber, por certos sinais inconfundíveis, que uma revelação íntima palpitava no horizonte - pois que as revelações íntimas dos jovens ou, pelo menos, os termos em que eles as exprimem, têm, habitualmente, muito de plágio e, o que é pior, de plágios desfigurados por evidentes supressões. Reservar para nós os nossos juízos, é coisa que proporciona infinitas possibilidades. Tenho ainda certo receio de perder alguma coisa, se esquecer que, como meu pai pretensiosamente sugeria, e eu, pretensiosamente, repito, um certo senso de decência fundamental é concedido, ao homem, desigualmente, ao nascer.
E, após jactar-me assim de minha tolerância, devo admitir que ela tem limite. A conduta pode basear-se em rocha sólida ou em pântano alagadiço, mas, depois de certo ponto, pouco me importa aquilo em que ela se baseie. Quando voltei ao Leste, no outono passado, senti que queria que o mundo todo estivesse metido em uniforme e colocado numa espécie de posição de sentido moral permanente; estava farto de excursões turbulentas, com privilegiados relanceares de olhos, ao coração humano. Somente Gatsby, o homem que empresta seu nome a este livro, se achava isento dessa minha reação - Gatsby, que representava tudo aquilo por que sinto natural desdém. Se a personalidade consiste numa série ininterrupta de gestos bem-sucedidos, então é certo que havia nele algo magnífico, uma apurada sensibilidade para as promessas da vida, como se ele tivesse alguma relação com esses intrincados maquinismos que registram terremotos ocorridos a dez mil milhas de distância. Essa sensibilidade nada tinha a ver com essa flácida impressionabilidade dignificada pelo nome de "temperamento criador": era um dom extraordinário de esperança, uma presteza romântica como jamais encontrei em qualquer outra pessoa e que, provavelmente, jamais tornarei a encontrar. Não... Gatsby saiu-se bem, no fim; o que perseguia Gatsby - a abominável poeira que pairava sobre a esteira de seus sonhos - é que fez com que eu perdesse temporariamente o interesse pelas tristezas abortivas e pelas ofegantes alegrias dos homens.
Por espaço de três gerações, minha família fora gente preeminente, abastada, daquela cidade do Centro-Oeste. Os Carraways são algo assim como um clã e, segundo a tradição, descendemos dos Duques de Buccleuch, mas o verdadeiro fundador do ramo a que pertenço foi o irmão do meu avô, que veio para cá em 51, mandou um substituto para a Guerra Civil e começou o negócio de ferragens a que meu pai se dedica até hoje.
Jamais vi esse meu tio-avô, mas julgam-me parecido com ele - principalmente quanto ao que se refere ao retrato um tanto impassível que lá está dependurado no escritório de meu pai. Diplomei-me em New Haven em 1915, justamente um quarto de século depois de meu pai, e um pouco mais tarde participei daquela retardada migração teutônica conhecida como a Grande Guerra. Apreciei tão vivamente aquela contra-incursão, que voltei para casa irrequieto. Ao invés de ser o cálido centro do mundo, o Centro-Oeste pareceu-me, então, a áspera extremidade do universo - de modo que resolvi seguir para o Leste e aprender o negócio de títulos. Toda gente que eu conhecia estava metida no negócio de títulos, o que me fez pensar que o mesmo poderia suportar mais um único indivíduo. Todos os meus tios e tias discutiam o assunto, como se estivessem escolhendo para mim uma escola de preparatórios e, finalmente, disseram, com fisionomias muito graves, hesitantes: "Oh!... Sem dúvida!". Meu pai concordou em financiar-me por espaço de um ano e, após várias delongas, vim para o Leste - permanentemente, pensava eu - na primavera de 22.
O aspecto prático da questão era encontrar acomodações na cidade, mas era uma estação quente, e eu acabara de deixar uma região de extensos relvados e árvores acolhedoras, de modo que, quando um jovem, no escritório, sugeriu que devíamos alugar juntos uma casa numa cidadezinha próxima, aquilo me pareceu uma grande ideia. Ele encontrou um bangalô de construção frágil, batido pelas intempéries, que parecia feito de papelão, cujo aluguel era de oitenta dólares mensais, mas, no último momento, a firma o mandou para Washington e eu mudei-me sozinho para o campo. Eu tinha um cão - tive-o pelo menos durante alguns dias, enquanto ele não fugiu -, um velho Dodge e uma criada finlandesa que me arrumava a cama, preparava a refeição matinal e murmurava para si própria a sabedoria finlandesa, diante do fogão elétrico.
Permaneci solitário durante um ou dois dias, até que, uma manhã, um homem que chegara mais recentemente do que eu me abordou na estrada.
- Pode informar-me como se vai para a aldeia de West Egg? - perguntou-me, desanimado. Dei-lhe a informação. E, ao prosseguir o meu caminho, já não me sentia mais solitário. Eu era um guia, um desbravador de caminhos, um colonizador autêntico. Ele, casualmente, conferiu-me a liberdade de quem não se sente só.
E, assim, com o sol a brilhar e grandes rebentos de folhas a crescer nas árvores, exatamente como crescem as coisas nas rápidas películas cinematográficas, experimentei a familiar convicção de que a vida recomeçava com o verão.
Havia muito que ler e ainda muita saúde para se aspirar, em longos haustos, do ar vivificante. Comprei uma dúzia de volumes sobre operações bancárias, crédito e investimentos em apólices, e esses volumes lá estavam em minha estante, vermelhos e dourados como dinheiro novo recém-cunhado, prometendo revelar-me os cintilantes segredos, que somente Midas, Morgan e Mecenas conheciam. E eu alimentava ainda a elevada intenção de ler muitos outros livros. Eu era um tanto dado à literatura, em meus tempos de estudante: escrevi, num desses anos, uma série de artigos muito sérios e óbvios para a Yale News - e ia agora trazer de volta à minha vida todas essas coisas e converter-me de novo no mais limitado de todos os especialistas, o "homem bem informado". Isto não é apenas um epigrama: pode-se ver muito melhor a vida observando-a de uma única janela.
Deve-se apenas ao acaso o haver eu alugado uma casa numa das mais estranhas comunidades da América do Norte. Achava-se ela situada na comprida e turbulenta ilha que se estende a leste de Nova York - e onde há, entre outras curiosidades naturais, duas características topográficas nada comuns. A vinte milhas da cidade, um par de ovos enormes, de contornos idênticos e separados apenas por uma gentil baía, se lançam sobre a mais domesticada massa de água salgada do hemisfério Norte, o grande pátio líquido do Estreito de Long Island.
Não são perfeitamente ovais - pois que, como os ovos da história de Colombo, são um tanto achatados em sua base - mas sua semelhança física deve constituir uma perpétua fonte de espanto para as gaivotas que sobre eles voam. Para os que não têm asas, o fenômeno mais interessante é a dessemelhança existente, sob todos os aspectos, entre esses dois ovos, exceto em sua forma e tamanho.
Eu morava em West Egg, o... bem, o menos elegante dos dois, embora este seja um rótulo sumamente superficial para exprimir o contraste bizarro - e que não deixava de ser, de certo modo, sinistro - existente entre ambos. Minha casa ficava bem na ponta do ovo, a somente cinquenta jardas de distância do Estreito, espremida entre duas enormes mansões, cujo aluguel, durante a estação, variava entre doze e quinze mil dólares. A da direita era colossal, comparada a qualquer construção do mesmo gênero: tratava-se, com efeito, de uma imitação de algum hôtel de ville da Normandia, com uma torre ao lado esplendidamente nova sob o seu tênue revestimento de hera, uma piscina de mármore e mais de quarenta acres de relvados e jardins. Era a mansão de Gatsby. Ou melhor, como eu não conhecia o Sr. Gatsby, era uma mansão habitada por um cavalheiro desse nome. Quanto à minha casa, era uma monstruosidade, mas uma monstruosidade insignificante, e, assim, fora deixada no esquecimento, de modo que eu desfrutava de uma paisagem parcial proporcionada pelos relvados do meu vizinho e da consoladora proximidade de milionários - tudo isso por oitenta dólares mensais.
Do outro lado da gentil baía, os alvos palácios do elegante East Egg cintilavam junto à água, e a história desse verão começa realmente na noite em que para lá me dirigi de automóvel, a fim de participar de um jantar em casa dos Tom Buchanans. Daisy era minha prima em segundo grau, e Tom fora meu colega de universidade. Logo depois de terminada a guerra, eu passara dois dias com eles em Chicago.
O marido de Daisy, entre outros feitos físicos, tinha sido um dos mais vigorosos jogadores de rugby que New Haven já conhecera - uma figura nacional de certo modo, um desses homens que atingem, aos vinte e um anos, tão grande e ilimitada excelência em alguma coisa que, depois, tudo em suas vidas cheira a anticlímax. Sua família era riquíssima; mesmo na universidade, sua liberdade em questões de dinheiro era motivo de censuras - mas agora tinha deixado Chicago e vindo para o Leste de uma maneira que quase deixava a gente sem fôlego: comprara, por exemplo, em Lake Forest, um lote inteiro de cavalos de pólo. Era-me difícil compreender como é que um homem de minha própria geração era suficientemente rico para fazer tal coisa.
Por que razão vieram eles para o Leste é coisa que não sei.
Tinham passado, sem razão alguma particular, um ano na França e, depois seguido, irrequietamente, de um lugar para outro, detendo-se onde quer que houvesse criaturas que jogassem pólo e fossem ricas em comum. Aquela era uma mudança permanente, dissera-me Daisy ao telefone; mas eu não acreditava nisso. Não me era possível ver o que se passava no coração de Daisy, mas eu pressentia que Tom andaria sempre a esmo, a procurar, um tanto anelantemente, a dramática turbulência de algum jogo de rugby irrecuperável.
E, assim, aconteceu que, numa noite cálida e ventosa, me dirigi para East Egg, em visita a dois velhos amigos que eu mal conhecia. Sua casa era ainda mais imponente do que eu esperava, uma alegre mansão colonial georgiana, vermelha e branca, que se elevava sobre a baía. O relvado começava na praia e avançava em direção à porta principal, numa extensão de um quarto de milha, saltando, por cima de quadrantes solares, muros de tijolos e canteiros de evônimos - e, finalmente, ao chegar à casa, desviava-se para o lado em vistosas videiras, como se atingisse o momento culminante de sua corrida. A fachada abria-se numa sucessão de portas envidraçadas, refulgentes sob os reflexos dourados do sol e escancaradas à tarde cálida e ventosa, e Tom Buchanan, em seu trajo de montaria, achava-se de pé, as pernas separadas, no alpendre fronteiro.
Ele mudara, desde os anos que passara em New Haven. Era agora um homem vigoroso, de trinta anos, cabelos cor de palha, boca um tanto dura e maneiras desdenhosas. Dois olhos vivos, arrogantes, estabeleceram domínio sobre o seu rosto, dando-lhe a aparência de alguém que estivesse sempre pronto a agredir. Nem mesmo o corte efeminado de suas roupas de montar conseguia ocultar o enorme vigor daquele corpo; ele parecia encher suas botas rebrilhantes até ao ponto de forçar os laços que as prendiam na parte superior, e podia-se notar o grande feixe de músculos a retesar-se, quando seus ombros se moviam debaixo do casaco leve. Era um corpo capaz de levantar grandes pesos - um corpo cruel.
Sua voz de barítono, áspera e fanhosa, aumentava a impressão de impertinência que ele causava. Havia nela um certo desdém paternal, mesmo quando ele se dirigia a pessoas de quem gostava - e, em seus tempos de New Haven, muitos rapazes detestavam aquela sua desfaçatez.
"Ora, não pensem que minha opinião sobre esses assuntos é decisiva - parecia dizer - só porque sou mais forte e mais homem do que você." Pertencíamos, então, ao mesmo grêmio de alunos do último ano e, embora jamais tivéssemos sido íntimos, eu sempre tive a impressão de que ele me via com bons olhos e queria, naquela sua maneira rude, insolente e sôfrega, que eu o apreciasse.
Conversamos alguns minutos no alpendre ensolarado.
- Tenho aqui uma bela casa - disse-me ele, lançando em torno um olhar inquieto. Depois, tomou-me o braço e, virando-me para o outro lado, fez um largo gesto com a mão, abrangendo, embaixo, um jardim italiano, meio acre de olorosos roseirais e uma lancha a motor que balançava sobre as ondas.
- Isto pertencia a Demaine, o homem do petróleo. - Tornou a virar-me, delicada e abruptamente, para o outro lado: - Vamos entrar.
Atravessamos um alto saguão e entramos num aposento cor-de-rosa, fragilmente ligado à casa por amplas portas envidraçadas, situadas em ambas as extremidades. Essas portas, escancaradas, cintilantes em sua alvura, tinham por fundo o fresco gramado do jardim, cujo reflexo parecia penetrar um pouco pela casa. O vento, perpassando pelo salão, agitava as cortinas de um lado e de outro, como pálidas bandeiras, erguendo-as para o teto cremoso como um bolo de casamento, ou fazendo-as ondular sobre o tapete cor de vinho, formando uma sombra sobre o mesmo, como o vento faz sobre o mar.
O único objeto completamente imóvel no salão era um enorme divã, sobre o qual duas jovens mulheres flutuavam como se estivessem num balão ancorado. Trajavam ambas de branco, e seus vestidos ondulavam e adejavam como se elas tivessem acabado de pousar ali, após um breve voo em torno da casa. Creio que fiquei um momento a ouvir o vergastar do vento de encontro às cortinas e o gemido de um quadro na parede. Ouviu-se então uma batida, quando Tom Buchanan fechou as portas envidraçadas de trás, e o vento, aprisionado, se extinguiu pela sala, enquanto as cortinas, os tapetes e as duas jovens mulheres, flutuantes, pousaram, lentamente, no chão.
A mais jovem das duas me era desconhecida. Estava estendida sobre o divã, completamente imóvel, o queixo um tanto erguido, como se equilibrasse sobre ele algo que estivesse a ponto de cair. Se me viu com o rabo dos olhos, não deu nenhum sinal disso - e, com efeito, em minha surpresa, quase balbuciei uma desculpa por a haver incomodado com a minha chegada.
A outra jovem, Daisy, fez menção de levantar-se; inclinou-se ligeiramente, com expressão grave; depois, riu - um risinho absurdo, encantador - e eu também ri, ao entrar na sala. - Sinto-me paralisada de felicidade!
Tornou a rir, como se tivesse dito algo muito espirituoso, e ficou um momento a segurar-me a mão, a fitar-me o rosto, assegurando-me que não havia ninguém no mundo cuja presença lhe causasse maior prazer. Essa era a sua maneira de ser. Insinuou, num murmúrio, que o sobrenome da jovem equilibrista era Baker. (Eu ouvira dizer que o murmúrio de Daisy tinha por objetivo fazer com que as pessoas se inclinassem diante dela... Crítica irrelevante, que nem por isso torna a coisa menos encantadora.)
De qualquer modo, os lábios de Miss Baker palpitaram, enquanto ela me cumprimentava com um sinal de cabeça quase imperceptível, ao mesmo tempo que, rápida, lançava de novo a cabeça para trás - pois que o objeto que ela estava equilibrando vacilara, evidentemente, um pouco, causando-lhe um pequeno susto. De novo uma espécie de desculpa me assomou aos lábios. Quase todas as exibições de completa auto-suficiência arrancam de mim um assombrado tributo.
Olhei para minha prima, que começou a fazer-me perguntas em sua voz profunda, emocionante. Era uma dessas vozes que o ouvido da gente segue em seus altos e baixos, como se cada locução fosse um arranjo de notas que jamais tornasse a repetir-se. Seu rosto era triste e encantador, com todas as coisas brilhantes que nele havia: olhos brilhantes, boca ardentemente viva - mas havia, ademais, em sua voz, algo excitante, que os homens que por ela se interessaram acharam difícil esquecer: uma compulsão cantante, um "Ouça" sussurrado, uma certeza de que ela acabara de fazer coisas alegres, excitantes, e a promessa de que outras coisas excitantes pairavam sobre a hora que haveria de seguir-se.
Falei-lhe de minha passagem por Chicago, durante um dia, em minha viagem para o Leste, e das pessoas que, por meu intermédio, lhe haviam enviado suas expressões de afeto. - Eles sentem falta de mim? - exclamou ela, extasiada.
- Toda a cidade se acha desolada. Todos os automóveis têm as rodas de trás pintadas de preto, como uma coroa fúnebre, e, durante toda a noite, há um lamento incessante ao longo da margem norte do lago.
- Oh, é estupendo! Vamos voltar, Tom. Amanhã! - E acrescentou, irrelevantemente: - Você precisa ver minha filhinha.
- Gostaria imenso.
- Ela está dormindo. Tem três anos. Você nunca a viu?
- Nunca.
- Bem, precisa vê-la. Ela...
Tom Buchanan, que estivera a andar inquieto pela sala, deteve-se e pousou a mão em meu ombro: - Que é que você está fazendo, Nick?
- Lido com títulos.
- Com quem?
Disse-lho.
- Nunca ouvi falar neles - observou, peremptório.
Isso me aborreceu.
- Mas ouvirá - respondi, incontinenti. - Ouvirá, se você ficar no Leste.
- Oh, ficarei no Leste, não se preocupe - respondeu lançando um olhar a Daisy e tornando a pousá-lo em mim, como se estivesse alerta, à espera de mais alguma coisa. - Eu seria um grande idiota, se fosse viver em outro lugar.
Nessa altura, Miss Baker exclamou: - Inteiramente!
Disse-o de maneira tão súbita, que tive um sobressalto: era a primeira palavra que ela proferia desde que eu entrara na sala. Evidentemente, isso a surpreendeu tanto quanto a mim, pois, com uma série de movimentos ágeis, destros, pôs-se de pé no meio da sala.
- Sinto-me emperrada - queixou-se. - Estive deitada nesse sofá durante um tempo enorme.
- Não me olhe desse jeito - retorquiu Daisy. - Passei a tarde toda tentando levá-la a Nova York.
- Não, obrigada - disse Miss Baker, diante dos quatro coquetéis que acabavam de chegar da copa. - Estou em treino absoluto.
O dono da casa fitou-a com ar incrédulo: - Ah, sim?
Tomou de um trago a sua bebida, como se fosse apenas uma gota dentro de um copo. E comentou: - O que não consigo compreender é como vocês conseguem fazer alguma coisa.
Olhei para Miss Baker e perguntei a mim mesmo o que seria que ela "conseguira fazer".
Agradava-me olhá-la. Era uma moça esguia, de seios pequenos, porte ereto, que ela mais acentuava lançando os ombros para trás, como um jovem cadete. Seus olhos cinzentos, um tanto contraídos pela claridade, retribuíram-me o olhar com recíproca e cortês curiosidade, fitando-me do alto de um rosto pálido, insatisfeito, encantador. Ocorreu-me, então, que já a havia visto antes, ou um retrato dela, em algum lugar. - Mora em West Egg? - indagou, com ar desdenhoso. - Conheço alguém lá.
- Quanto a mim, não conheço uma única...
- Deve conhecer Gatsby.
- Gatsby? - perguntou Daisy. - Que Gatsby?
Antes que eu pudesse responder que ele era meu vizinho, foi anunciado o jantar. Enfiando imperativamente o seu tenso braço sob o meu, Tom Buchanan obrigou-me a deixar a sala, como se movesse uma peça de xadrez sobre um tabuleiro.
Esguias, lânguidas, as mãos pousadas ligeiramente sobre os quadris, as duas jovens mulheres nos precederam, dirigindo-se a um alpendre cor-de-rosa, aberto para o pôr do sol, onde quatro velas bruxuleavam sobre uma mesa, sopradas pelo vento que já havia amainado.
- Por que as velas? - objetou Daisy, franzindo o sobrolho e apagando-as com as pontas dos dedos. - Dentro de duas semanas, teremos o dia mais longo do ano. - Olhou para todos nós, radiante. - Vocês também aguardam o dia mais longo do ano e, depois, o perdem? Eu sempre espero o dia mais longo do ano... e ele me passa despercebido.
- Devíamos planejar alguma coisa - disse, com um bocejo, Miss Baker, sentando-se à mesa como se estivesse se metendo na cama.
- Muito bem - volveu Daisy. - Que é que devemos planejar? - Voltou-se para mim, desvalida:
- Que é que as pessoas planejam?
Antes que eu pudesse responder, seus olhos pousaram, com uma expressão de horror, em seu dedo mínimo.
- Vejam! - queixou-se. - Eu o feri.
Olhamos todos. O nó do dedo estava arroxeado.
- Você é que fez isso, Tom - disse ela, em tom de acusação. - Sei que não fez de propósito, mas, de qualquer maneira, o fez. Eis aí o que ganho por haver casado com um homem rude, grande, grandalhão, um tipo de brutamontes que...
- Detesto a palavra brutamontes - protestou Tom, amuado -, mesmo que seja dita por brincadeira.
- Brutamontes - insistiu Daisy.
Às vezes, ela e Miss Baker falavam ao mesmo tempo, mas o faziam de uma maneira tão discreta e divertidamente casual, que aquilo não chegava jamais a constituir uma tagarelice, mas algo tão fresco como os seus vestidos brancos e a expressão de seus olhos, na ausência de todo desejo. Elas ali estavam, e aceitavam a Tom e a mim, fazendo apenas um delicado e agradável esforço no sentido de nos entreterem ou serem por nós entretidas. Sabiam que, depois, o jantar terminaria e, um pouco mais tarde, também a noite chegaria ao fim e seria, displicentemente, deixada de lado. Aquilo era completamente diferente do Oeste, onde as reuniões como aquela se processavam apressadamente, de frase em frase, até o fim, numa expectativa constantemente frustrada ou, então, em meio ao puro nervosismo do próprio momento.
- Vocês fazem com que eu me sinta incivilizado - confessei, após a segunda taça de um clarete notável. - Será que não podiam falar de colheitas ou coisa que o valha? Eu nada queria dizer, em particular, com essa observação, mas foi ela recebida de uma maneira que eu não esperava.
- A civilização está caindo aos pedaços - irrompeu, violentamente, Tom. - Tive de tornar-me terrível pessimista a respeito de tudo. Você já leu The Rise of the Colored Empire, de autoria desse tal Goddard?
- Não - respondi, um tanto surpreso pelo tom com que foram ditas tais palavras.
- Bem, é um livro excelente, que todos deviam ler. A ideia é a de que, se não tivermos cuidado, a raça branca será... será completamente subjugada. É coisa científica; coisa provada.
- Tom está ficando muito profundo - comentou Daisy, com uma expressão de irrefletida tristeza. - Ele lê livros profundos, com palavras difíceis. Qual era mesmo aquela palavra que nós...
- Bem, esses livros são todos científicos - insistiu Tom, lançando-lhe um olhar impaciente. - Esse tal sujeito estudou a coisa a fundo. Compete a nós, que pertencemos à raça dominante, estar atentos; do contrário, essas outras raças dominarão o mundo.
- Precisamos derrotá-las - sussurrou Daisy, a piscar ferozmente os olhos em direção do sol incandescente.
- Devíamos viver na Califórnia... - começou Miss Baker, mas Tom a interrompeu, movendo-se pesadamente em sua cadeira.
- Essa ideia é a de que somos nórdicos. Eu o sou, você o é, você o é e... - Após meio segundo de hesitação, incluiu também a Daisy com um ligeiro aceno de cabeça, o que fez com que ela me piscasse o olho. - E, o que é mais, produzimos todas as coisas que fazem a civilização... Oh, ciência, arte e tudo o mais. Percebem?
Havia algo de patético em sua concentração, como se sua complacência, mais aguda do que antigamente, já não lhe bastasse. Quando, quase imediatamente, o telefone tocou dentro da casa e o mordomo se afastou do alpendre, Daisy aproveitou a interrupção momentânea e inclinou-se para mim.
- Vou contar-lhe um segredo de família - sussurrou-me, entusiasmada. - É a respeito do nariz do mordomo. Quer que eu lhe fale do nariz do mordomo?
- Foi para isso que vim aqui esta noite.
- Bem, ele nem sempre foi mordomo; costumava polir a baixela de prata de uma gente de Nova York que tinha um serviço de jantar para duzentas pessoas. Ele tinha de poli-la de manhã à noite, até que, finalmente, isso começou a afetar-lhe o nariz...
- As coisas iam de mal a pior - insinuou Miss Baker.
- Sim. As coisas iam de mal a pior, até que, afinal, ele teve de abandonar o emprego. Por um momento, os últimos raios de sol caíram com romântico afeto sobre o seu rosto ardente; sua voz obrigou-me a inclinar o corpo para a frente, enquanto a ouvia, ansioso; depois, o fulgor extinguiu-se, e cada raio luminoso a ia deixando lentamente, com pesar, como crianças que abandonam, ao anoitecer, uma rua agradável.
O mordomo voltou e murmurou algo junto ao ouvido de Tom. Tom franziu o sobrolho, afastou a cadeira e entrou na casa sem proferir palavra. Como se sua ausência despertasse rapidamente alguma coisa em seu íntimo, Daisy inclinou-se de novo para mim, a voz ardente, cantante:
- Adoro tê-lo aqui em minha mesa, Nick. Você me lembra uma... uma rosa, uma rosa absoluta. Não lhe parece? - ajuntou, voltando-se, em busca de confirmação, para Miss Baker. - Uma rosa absoluta?
Isso não era verdade. Eu nem de leve, sequer, me assemelho a uma rosa. Ela estava apenas improvisando, mas um calor envolvente se irradiava dela, como se seu coração estivesse procurando vir ao encontro da gente, oculto numa daquelas suas frases ofegantes, eletrizantes. Depois, subitamente, lançou o seu guardanapo sobre a mesa, desculpou-se e entrou na casa.
Miss Baker e eu trocamos breve olhar, conscientemente destituído de significação. Eu ia falar, quando ela se empertigou na cadeira, atenta, pedindo-me, com um "Psiu!", para que eu me calasse. Ouvia-se, vindo de uma sala contígua, um murmúrio abafado de vozes acaloradas, mas Miss Baker inclinou-se, sem nenhum constrangimento, procurando ouvir. O murmúrio, a certa altura, chegou a ser quase perfeitamente compreensível; depois decresceu, tornou a aumentar excitadamente e acabou por extinguir-se por completo.
- Esse Sr. Gatsby, a que se referiu há pouco, é meu vizinho - disse-lhe eu.
- Não fale. Quero ouvir o que está acontecendo.
- Está acontecendo alguma coisa? - indaguei, inocentemente.
- Quer dizer, então, que não sabe? - indagou Miss Baker, sinceramente surpresa. - Eu julguei que todo mundo soubesse.
- Eu não sei nada.
- Ora essa!... - fez ela, hesitante. - Tom tem uma mulher em Nova York.
- Tem uma mulher? - repeti, desconcertado.
Miss Baker fez um aceno afirmativo com a cabeça.
- Ela bem que poderia ter a decência de não telefonar na hora do jantar. Não lhe parece? Antes mesmo que eu pudesse ter tido tempo de apreender bem o sentido de suas palavras, percebemos um esvoaçar de vestido e um ranger de botas de couro, e Tom e Daisy voltaram à mesa.
- Não pude conter-me! - exclamou Daisy, com tensa alegria.
Sentou-se, lançou um olhar perquiridor a Miss Baker e a mim, e prosseguiu:
- Olhei um momento para fora, e tudo estava sumamente romântico. Há no jardim um pássaro que deve ser um rouxinol! Deve ter chegado até aqui em algum navio da Cunard ou da White Star Line. Está ainda lá a cantar... Isso não lhe parece romântico, Tom? - indagou, com sua voz musical.
- Muito romântico - respondeu ele. E voltando-se para mim, com ar infeliz: - Se ainda estiver claro depois do jantar, gostaria de mostrar-lhe os meus estábulos.
O telefone tornou a tocar, insistentemente, mas como Daisy abanou a cabeça com ar peremptório, os olhos fixos em Tom, o assunto dos estábulos e, na verdade, todos os assuntos se dissiparam no ar. Dentre os fragmentos esparsos dos últimos cinco minutos que passamos sentados à mesa, lembro-me de que as velas tornaram a ser acesas, sem razão alguma, e de que eu tive vontade de fitar de frente cada um dos comensais, acabando, no entanto, por evitar todos os olhares. Não me era possível saber o que Tom e Daisy estavam pensando, e duvido que até mesmo Miss Baker, que parecia haver assimilado certo frio ceticismo, tivesse podido afastar de seu espírito o chamado urgente, estridentemente metálico, daquela quinta personagem. Para certos temperamentos, a situação talvez pudesse parecer curiosa... Meu instinto, porém, fez com que eu pensasse em telefonar imediatamente para a polícia.
Os cavalos, desnecessário dizer, não foram mais mencionados. Tom e Miss Baker, com o crepúsculo já a descer sobre ambos, caminharam de volta à biblioteca, como se se dirigissem a um velório onde houvesse um cadáver perfeitamente tangível, enquanto que eu, procurando mostrar-me agradavelmente interessado e um pouco surdo, segui Daisy, através de vários terraços ligados entre si, até o alpendre da frente. Em sua profunda obscuridade, sentamo-nos, lado a lado, num canapé de vime.
Daisy levou ambas as mãos ao rosto, como se palpasse os seus traços encantadores, pousando o olhar, aos poucos, na aveludada penumbra do jardim. Vi que emoções turbulentas a possuíam, de modo que lhe fiz o que julguei ser umas perguntas sedativas acerca de sua filhinha.
- Nós ainda não nos conhecemos muito bem, Nick - disse ela, subitamente. - Embora sejamos primos. Você não compareceu ao meu casamento.
- Eu ainda não tinha voltado da guerra.
- É verdade. - Hesitou um momento. - Bem, a verdade é que passamos por momentos muitos duros, Nick, e eu fiquei muito cínica a respeito de tudo.
Tinha razão para tal, evidentemente. Fiquei à espera, mas ela nada mais disse e, decorrido um momento, voltei, um tanto desajeitadamente, a falar de sua filhinha:
- Suponho que ela já fala... come, e tudo o mais.
- Oh, certamente! - Olhou-me, absorta. - Ouça, Nick; permita-me que lhe conte o que eu disse, quando ela nasceu. Gostaria de ouvir?
- Muitíssimo.
- Isso lhe mostrará como é que passei a encarar... certas coisas. Não fazia ainda uma hora que minha filhinha havia nascido e só Deus sabia onde Tom se encontrava. Voltei a mim, do éter que me deram para cheirar, sentindo-me completamente abandonada, e perguntei à enfermeira se a criança era menino ou menina. Respondeu-me que era menina. Voltei, então, o rosto para o outro lado e chorei. "Muito bem", disse. "Alegro-me que seja menina. E espero que ela seja uma tola... que é a melhor coisa que uma menina pode ser neste mundo. Uma linda tolinha."
Fez uma pausa e prosseguiu, com convicção:
- Agora, seja lá como for, acho tudo horrível. Todo mundo pensa assim... as pessoas mais cultas pensam assim. E eu o sei. Estive em toda parte, vi tudo e já fiz tudo. - Lançou em torno de si um olhar lampejante, desafiador, que se assemelhava, de certo modo, ao de Tom, e riu, com eletrizante desdém: - Sofisticada!... Santo Deus, como sou sofisticada!
No mesmo instante em que ela parou de falar, deixando de exigir minha atenção, senti a insinceridade básica de suas palavras. Aquilo me deixou inquieto, como se toda aquela noite não tivesse sido senão um truque destinado a produzir em mim certas emoções. Fiquei à espera e, passado um momento, ela me fitou com um sorriso absolutamente afetado em seu rosto encantador, como se houvesse confirmado a sua qualidade de sócia de uma sociedade secreta, bastante elegante, a que ela e Tom pertencessem.
Dentro, o salão carmesim esplendia de luzes. Tom e Miss Baker achavam-se sentados cada qual numa extremidade do longo divã, e ela lia-lhe em voz alta algo do The Saturday Evening Post - e as palavras, sussurrantes e incontaminadas, fluíam em tranquilizante melodia. A luz do abajur, brilhante sobre as botas de Tom e fosca sobre os cabelos cor de folha outonal de Miss Baker, cintilava sobre o magazine, quando ela volvia a página com uma leve vibração dos músculos esguios dos braços.
Quando entramos, ela nos manteve um momento em silêncio, a mão erguida.
- Continua - disse ela, lançando a revista sobre a mesa - no próximo número.
Com um ágil movimento de joelhos, firmou o corpo e pôs-se de pé.
- Dez horas - observou, vendo as horas, ao que parecia, no teto. Hora de uma boa menina ir para a cama.
- Jordan vai participar, amanhã, do torneio em Westchester - explicou Daisy.
- Oh!... Então a senhorita é Jordan Baker.
Sabia, agora, por que razão seu rosto me parecia familiar... Aquele rosto já me havia fitado, com sua expressão agradável e desdenhosa, de muitas fotografias em rotogravura estampadas em publicações acerca da vida esportiva em Ashville, Hot Springs, Palm Beach. Ouvira também uma história a seu respeito, uma história maldosa, desagradável, mas não me lembrava mais de que se tratava.
- Boa noite - disse ela, suavemente.