sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

TRECHO a passagem do dragão

Pedro Salgueiro

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Foi assim de repente, quando menos se esperava (em plena tarde morna) o sol tornou-se pálido, para sumir logo em seguida. O povo ainda não havia acabado de se assustar—ouvimos no meio da escuridão um bater de asas atravessando o vilarejo, como se um bando de pássaros saísse em revoada. Um pouco antes de os moradores da vila abandonarem suas casas em grande alvoroço, os bichos já alarmavam o acontecido: galinhas cacarejavam, galos cantavam em desespero, porcos fugiam pelas ruas atropelando as pessoas…

    O relógio do mundo parecia ter sido alterado, os sons se intensificavam mais e mais; e não havia quem não gritasse ou corresse de um lado para o outro. Mulheres procuravam seus maridos, mães chamavam pelos filhos, ninguém se entendia.

    Alguém com voz desesperada anunciou  o fim do mundo: suas palavras ecoaram  em outras bocas, e o que se ouviu depois foi um desfiar de rezas e choros. Os mais agitados gritavam o nome de Deus, pedindo ajuda; outros sussurravam um padre-nosso em meio  ao soluço intenso. A maioria andava de um canto a outro feito barata tonta.

    (Estávamos apreensivos desde a semana anterior ao acontecimento, quando a chegada de três grupos de forasteiros fez com que todos saíssem para as ruas e corressem, admirados, atrás dos automóveis, que pela primeira vez cortavam a poeira de nossas ruas. Das três equipes somente uma falava de maneira compreensível, as outras duas apenas trocavam entre si uns mungangos. De início se instalavam na praça da matriz, armaram barracas de lona e começaram a abrir grandes caixas trazidas nos automóveis [...] Com uma semana todos os aparelhos já estavam montados, grandes canhões apontavam, de diversos cantos da praça, para o céu. Os mais entendidos da vila, fingindo compreender as explicações dos invasores, tentavam acalmar a maioria, que permanecia apreensiva com tudo aquilo. Antes que os moradores dos povoados se acostumassem com os visitantes e suas extraordinárias maquinas de apontar para o céu, o mundo escureceu pela primeira vez às três da tarde.)

    Mas também de repente, como tinha escurecido, começou a clarear [...] Na praça, os estrangeiros davam pulos de alegria e estouravam garrafas de espuma [...] os que falavam melhor tentaram, em vão, explicar aos curiosos o que havia acontecido [...]  porém não souberam explicar de onde surgiu e para onde foi o imenso pássaro que sobrevoou a vila na escuridão.

    No mesmo dia desmontaram os aparelhos e foram embora…

 

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