segunda-feira, 27 de junho de 2011

UM POUCO MAIS COMIGO

José Marcelo

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Meias escuras e boca cansada. Ela deitou-se nas escadas e tocou-o com as pontas dos dedos.

Você sabe, disse ela. Sabe o que eu sinto.

Sei, respondeu ele. Mas não me importa.

Por quê?

Não me importa.

Então…

Eu não quero ter nada com você, disse o homem em seu terno fino e escuro.

… o que está fazendo aqui?

Ele levantou-se e disse, estou indo embora.

Ela fechou os olhos e ficou ouvindo o som dos sapatos dele – toc toc toc toc até sumir.

No meio da noite, no quarto escuro trêmulo… em sonhos de ecos sapateando ao longe… enquanto a cama estalava e rangia… enquanto ela ria e chorava ao mesmo tempo… em um lugar de contornos estranhos… com gotas rubras escorrendo e caindo nos cantos…

Foi lá que ela o viu… naquele sonho opressivo e vermelho.

E nunca mais.

No dia seguinte, a foto dele na página policial: o corpo estirado no meio da rua, no meio do sangue, os olhos ainda abertos, olhando para o céu. O texto na página dizia que ele havia sido esfaqueado tantas vezes que o legista ainda não tinha certeza do quanto.

Ela fechou o jornal, largou-o no chão, pensou, ele devia ter ficado um pouco mais comigo.

Só então permitiu-se chorar.

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