José Marcelo
Meias escuras e boca cansada. Ela deitou-se nas escadas e tocou-o com as pontas dos dedos.
Você sabe, disse ela. Sabe o que eu sinto.
Sei, respondeu ele. Mas não me importa.
Por quê?
Não me importa.
Então…
Eu não quero ter nada com você, disse o homem em seu terno fino e escuro.
… o que está fazendo aqui?
Ele levantou-se e disse, estou indo embora.
Ela fechou os olhos e ficou ouvindo o som dos sapatos dele – toc toc toc toc até sumir.
…
No meio da noite, no quarto escuro trêmulo… em sonhos de ecos sapateando ao longe… enquanto a cama estalava e rangia… enquanto ela ria e chorava ao mesmo tempo… em um lugar de contornos estranhos… com gotas rubras escorrendo e caindo nos cantos…
Foi lá que ela o viu… naquele sonho opressivo e vermelho.
E nunca mais.
…
No dia seguinte, a foto dele na página policial: o corpo estirado no meio da rua, no meio do sangue, os olhos ainda abertos, olhando para o céu. O texto na página dizia que ele havia sido esfaqueado tantas vezes que o legista ainda não tinha certeza do quanto.
Ela fechou o jornal, largou-o no chão, pensou, ele devia ter ficado um pouco mais comigo.
Só então permitiu-se chorar.
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