sábado, 25 de junho de 2011

O LIVRO DA CÓPULA

Alan Moore

LOSTGIRLS_02_001_baixa

Fragmento de The Moon and Serpent Grand Egyption Theatre of Marvels:

O Jardim Espectral cai atrás de nós com seus demônios e suas maravilhas.
A gente devia olhar pra trás, não está mais lá.
Nunca esteve.
Não sobrou nada, só a tundra, absoluta, deserto final erguido para nos cercar.
Hiperbórea da mente, ar que, como a seda, é fino e arrepia a pele.
Há as extremidades distantes do pensamento.
A Morena de Einstein,
fenda traiçoeira da teoria quântica, nevasca semiótica.
Há precipícios temíveis e espetaculares.
A melhor forma de a beira se aproximar é devagar, um passo de cada vez.
Porque ali se encontra o apoio de pé escavado por Heisenberg, cujos trabalhos sugeriram que eventos em uma escala quântica são alterados por um ato de observação.
Daqui, se precisa de uns poucos passos precavidos para atravessar os recifes feitos de vidro.
Se no nível quântico tempo e espaço não são obstáculos, então não importa que o micro evento observado seja distante de nós ou remoto no tempo.
Se nós observamos, nos o afetamos.
O prendemos em nossos modelos,
Emprestamos a ele substância e parâmetros como sistemas de taxonomia e medidas, mesmo que tenha ocorrido em nosso mais distante passado. Fique aí.
Não arrisque mais um passo.
Entre nós, a face do penhasco do princípio antrópico profundo é de chumbo, absoluto e imponente.
Ele sugere que, se o Big Bang foi, em seus estágios iniciais, realmente muito pequeno, como todo nosso universo compactado em um único ponto quântico, de calor e densidade próximos do infinito, e se agora observamos a primeira explosão, rastreando seus fracos ecos murmurantes com nossos radiotelescópios, então, pela observação, nós afetamos o nascimento do universo.
A incoerência da origem toma emprestada informação de seu futuro, dá forma às condições iniciais do Universo, para então facilitar a ordenação da matéria em formas simples e complexas.
O ato de nossa observação primordial arranja os parâmetros de massa, de gravidade e temperatura que fazem a gênese da galáxia e do Sistema Solar possíveis, que facilitam o nascimento dos planeta, do continente e da vida que evoluirá ao longo dos milênios em direção de um estado em que há competência para se fazer uma observação dessa magnitude no começo e no fim.
Toda a existência é construída por uma egotrip.
Um Universo de vasto e auto-referente pensamento.
A idéia do ser que faz o ser surgir.
A mágica derradeira no tempo,
E no centro do cosmos há uma placa, e na placa diz:
"Existe almoço grátis".
Contemple a fenda sem fundo que boceja desta heresia, não por nada chamada de princípio antrópico profundo.
Dê um passo atrás, vá embora, busque passos mais seguros, apesar de, na verdade, haver pouco chão seguro nestes territórios onde a curiosidade humana, uma erosão galopante, corrói a pedra em que estamos parados.
Aqui o tempo-espaço é sólido, tornou-se um ovo de Stephen Hawking com Bang e Crunch em cada polo, co-terminus e co-existente, cada momento que existiu ou que existirá, suspenso neste meta-instante gigante, neste agora perpétuo. Todas as distâncias, sejam elas tempo ou espaço,
estão condenadas por Einstein a serem relativas ao observador.
Então, para efeito, não existe distância, física ou cronológica, e se nos perguntarem quantos anjos podem dançar na cabeça de um alfinete, devemos responder: "Todos nós".
Neste lugar cada certeza de aqui e agora se dissolve,todos os objetos, todas as realidades parecem feitas de átomos
que são feitos de entidades que não são ondas nem partículas mas são melhor entendidas como uma relação matemática abstrata.
Todos os seres como um campo fantasma infinito sem temperatura ou cor pelo qual todas as formas são percebidas, dos pulsares às colônias de plânctons.
Os sonhos insubstanciais da matéria flutuam lá em um nada silencioso.
Tudo se foi em uma luz fervente e pelo menos a percepção de que não há ninguém aqui além de mim - nunca houve ninguém aqui além de mim.
Só há um momento.
Eu te amo.
Não existe essa coisa de magia.
Você já sabia disso.
Você já sabia disso.
Há uma sala em que você está nascendo em brilho e frio repentinos: o choque da respiração.
O horror de outro toque, e "Mãe!", "Mãe!", "Mãe!", como um coração de rosas coroado e em chamas, imponente, amável em seu ninho de espinhos.
Há uma sala em que você está morrendo, sussurros anestésicos, luz agitada, tremida desmaiando enquanto se aproxima do etéreo modelos de instantes e eventos que irradiam aquela flor, a Mandala dos últimos momentos, da clareza final, da certeza.
Há uma sala em que você fode usando o perfume da besta e pensando em uma nuvem quente, forte e sem sentidos.
Há uma sala em que você está velho.
Há uma sala em que você está bêbado.
Uma sala em que você está chorando e uma sala em que você faz coisas que ninguém sabe.
A sala do ruído.
A sala do silêncio.
A sala sem você dentro.
Só há uma sala.
Você já sabia disso.
Você já sabia disso.
Há um momento quando o mundo nasce em som e fogo e belos vapores quando os planetas se encrostam como jóias elementais seguindo os ventos frescos atômicos dos sóis, donde se espalha a fanfarra do grande crustáceo Nebulosa de Carangueijo, o fog de Monet da Nuvem de Magalhães e o espiral lento, vagaroso e branco da Via Láctea; quando vêm esses diademas monstruosos das estrelas.
Há um momento em que isso acaba em bestas, prostitutas e rompimentos.
No impacto do cometa Shoemaker-Levy com o gigante gasoso Júpiter agora mesmo.
Esta noite.
A pérola de vapor incandescente de uma milha de largura é esmagada por megatons de uma gravidade inconcebível.
Há um momento em que isso acaba
No frio supercondutor da entropia, a abertura do derradeiro olho de Shiva.
O momento em que eles disseram que não querem mais você, o momento em que a primeira mão cheia de terra caiu chacoalhando no pinheiro assombrado.
Há um momento quando nós agarramos a uma pedra, quando a caneta pára sobre uma gota fria em uma página em branco.
Há um momento quando os freios derrapam e um momento quando as lâmpadas queimam e um momento como uma assombrante avalanche de ouro dentro de nossas cabeças e há só um, um momento.
Você já sabia disso.
Você já sabia disso.
Há uma pessoa que te deu o esperma uma pessoa que te deu o sangue, a dor e o nascimento, uma pessoa que sempre te adorou, que te abraçou às vezes, que te odiou e desprezou, que te quis morto, uma pessoa que foi cruel com você quando você era pequeno, uma pessoa com olhos de ressaca.
Há uma pessoa com quem você transou e uma que deixou você trepar com ela.
Há uma pessoa de quem você não gosta -- e ela não sabe disso, uma pessoa esperando na parada, uma pessoa por quem você passou na rua oito anos atrás e nunca mais a viu ou pensou nela.
Há uma pessoa deprê ouvindo o CD do R.E.M. no repeat, automatic for the people:
"Maybe you're crazy in the head, baby, baby, baby".
Há uma pessoa que sabe o porquê das guerras e dos assassinatos, uma pessoa que está com fome, que é famosa, que é o Papa, que é Sua Majestada a Rainha, que está morrendo, passando fome, sendo assassinada, estuprada e torturada.
Agora, neste momento, agora, bem agora.
Há uma pessoa esperando nos degraus do cinema.
Há uma pessoas com a lingua enfiada no burcado de um dente que caiu,
uma pessoa com um mau pressentimento ocasional sobre seus pensamentos a respeito do aborto.
Há uma pessoa com três cabeças, e uma é um leão e uma é um rei coroado e furioso e uma é uma serpente escalada em ouro urrante e só há uma pessoa uma pessoa aqui e você já sabia disso, você já sabia disso.
Eu te amo.
Não existe essa coisa de magia.
Deixem entrar isso nas suas mentes.
Deixem entrar.
Este grande salão de baile arqueado do doce intangível, que paira sobre nós, animada com uma multidão nunca vista com sua grande excitação, com sua antecipação palpável.
Convoque os mais animados e aquelas fosforescências hilárias que passam por isso com uma tremedeira prazeirosa.
Traga aqueles como fagulhas, aqueles que se arrastaram e zumbiram sobre os massivos e imateriais.
Aqueles com boas e estranhas idéias que giram e tremulam em suas próprias palmas como giroscópios.
O delicado, todo em cristal, vasto como uma catedral.
Deixe-nos sentir a brisa incandescente abanado de seus milhões *stainedglass winds that flutter slow and perfect.
Sincronizados
Deixe-os nos sercar e trace seus dedos até nosso queixo a sussurre coisas que nós nunca sonhamos ou que esquecemos.
Há algo acontecendo.
Eu te amo,
Eles querem falar.
Eles querem dançar.
Eles queimam e tremulam dentro e fora do ser trono e poder e quimera, silfos e demiurgos, a risada bêbada e estática de gigantes nus nadando no aviário gorgeiam e batem asas em sua radiação esplêndida.
Eles voam alto. Eles berram com força e alegria, eles cantam doces canções em escalas de azul, de ouro, de gargantas como candelabros.
Traçam as trajetórias de mariposas de neon através do ideiespaço e pairam no frio, brilho verdadeiro de firmamento imaginado.
Aqui, no olho firme desta fascinação, no branco urrante de agora, deixe-nos perceber a alma alada e polida do momento e ler o nome puro e sem voz que está escrito aqui em letras estranhas e bárbaras que conhecemos com outros olhos.
E é lindo.
E é assustador.
As nuvens se despem e formas sinfônicas vastas se entrevêem inchoate presence, stooping low.
O céu de coral e o pensamento vão para outro estado, tornam-se vapor prismático em uma luz tremida, e há algo acontecendo.
Há algo acontecendo.
Você já sabia disso.
Estou falando conosco
Estamos me ouvindo
Enquanto tudo se fecha em um sussurro telepático
A noite gentil dos olhos e nós lembramos de quem somos e saber disso pela primeira vez.
Cada um agora desdobrado gema como uma samambaia em fractal, forma de toda a vida revelada em sua tentacular magnificiência.
A luz fica mais forte.
Alguma coisa nos domina por dentro e agora o banquete, agora a chuva de estrelas, agora o abraço, o beijo do invisível.
Eu te amo.
Há algo acontecendo.
Só há um momento.
Só há uma sala.
Só há uma pessoa aqui.
Eu te amo.
Você já sabia disso.
Você já sabia disso.
Não existe essa coisa de magia.
Existe essa coisa de magia.
Essa coisa de magia.
Coisa de magia.
De magia.
Magia.

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