José Marcelo
__ Você já percebeu? O tempo sempre fica mais lento à essa hora.
__ Que hora?
__ Quando você não aguenta mais esperar o amanhecer.
__ Não. Não notei.
__ Claro que não.
__ O que quer dizer?
__ Nada.
__ Nada?
__ É. Nada. Vamos embora.
__ Agora? Ainda não. Vamos ficar mais um pouco. Quero dizer uma coisa.
__ O quê?
__
__ Diga logo. O quê?
__ Acabou.
__ O que acabou? Não. Eu sei o que quer dizer. Está falando de nós.
__ Sim. Você já havia percebido?
__ Já. Tinha.
__ E por que não falou nada?
__ Eu não queria.
__ Nem eu. Mas tem que ser assim.
__ Então, quem vai embora?
__ Eu vou.
__ Quando?
__ Agora.
Ele tirou a arma do porta-luvas, olhou a mulher que amara e sorriu. Depois enfiou a arma na boca e apertou o gatilho: bang e sua nuca estourou em um punhado de sangue e miolos que espalharam-se no banco de trás do carro. Sua mão caiu ao lado do corpo, ainda segurando a arma, apertando-a entre os dedos mortos.
A mulher não gritou e não chorou. A mulher abriu a porta do carro e saiu para a estrada de terra. Ficou um tempo olhando as árvores altas e escuras, sombras que tapavam as nuvens e as estrelas. Depois foi caminhando para casa.
A casa ficava no alto de uma colina, não muito longe de onde seu ex-amado acabara de se matar. Ela despiu-se e tomou um banho demorado, sentindo-se excitada ao lembrar-se das vezes em que ele a possuíra ali mesmo, sob a agua quente, entre o vapor branco que embaçava seus rostos em êxtase.
Deitou-se nua na cama que nunca fora tão grande e dormiu depressa. Acordou no meio da tarde com o barulho da sirene cada vez mais alto e, quando a policia chegou, já estava vestida.
Eles a levaram e ela nada disse. O que poderia dizer? O tempo dos dois havia acabado. Era tudo. Ele partira. Ela logo partiria. Era tudo e mais nada.
Eles disseram que ela estava em choque, só isso, em choque. Eles a internaram um tempo, depois simplesmente disseram que estava melhor e a soltaram.
Ela voltou para casa e o caminho passava pelo lugar onde ele se matara. Ali ela deitou-se e beijou o chão. Depois, enfim, foi para casa. Para a cama enorme e vazia. Onde deitou-se de pernas abertas e ficou molhada e, com seus dedos hábeis, chegou a um orgasmo a um tempo profundo e triste. Os bicos dos seis estavam duros e sensíveis, a boca macia, a respiração estava trêmula. Depois de estremecer e sentir as pernas enfraquecerem, ela chorou.
A irmã veio visita-la e encontrou-a morta. Estirada no quintal e rodeada de animais da floresta. Ela já estava meio apodrecida, mas nenhum deles a tocara.
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