sábado, 11 de junho de 2011

PACTO

José Marcelo

__ Você já percebeu? O tempo sempre fica mais lento à essa hora.

__ Que hora?

__ Quando você não aguenta mais esperar o amanhecer.

__ Não. Não notei.

__ Claro que não.

__ O que quer dizer?

__ Nada.

__ Nada?

__ É. Nada. Vamos embora.

__ Agora? Ainda não. Vamos ficar mais um pouco. Quero dizer uma coisa.

__ O quê?

__

__ Diga logo. O quê?

__ Acabou.

__ O que acabou? Não. Eu sei o que quer dizer. Está falando de nós.

__ Sim. Você já havia percebido?

__ Já. Tinha.

__ E por que não falou nada?

__ Eu não queria.

__ Nem eu. Mas tem que ser assim.

__ Então, quem vai embora?

__ Eu vou.

__ Quando?

__ Agora.

Ele tirou a arma do porta-luvas, olhou a mulher que amara e sorriu. Depois enfiou a arma na boca e apertou o gatilho: bang e sua nuca estourou em um punhado de sangue e miolos que espalharam-se no banco de trás do carro. Sua mão caiu ao lado do corpo, ainda segurando a arma, apertando-a entre os dedos mortos.

A mulher não gritou e não chorou. A mulher abriu a porta do carro e saiu para a estrada de terra. Ficou um tempo olhando as árvores altas e escuras, sombras que tapavam as nuvens e as estrelas. Depois foi caminhando para casa.

A casa ficava no alto de uma colina, não muito longe de onde seu ex-amado acabara de se matar. Ela despiu-se e tomou um banho demorado, sentindo-se excitada ao lembrar-se das vezes em que ele a possuíra ali mesmo, sob a agua quente, entre o vapor branco que embaçava seus rostos em êxtase.

Deitou-se nua na cama que nunca fora tão grande e dormiu depressa. Acordou no meio da tarde com o barulho da sirene cada vez mais alto e, quando a policia chegou, já estava vestida.

Eles a levaram e ela nada disse. O que poderia dizer? O tempo dos dois havia acabado. Era tudo. Ele partira. Ela logo partiria. Era tudo e mais nada.

Eles disseram que ela estava em choque, só isso, em choque. Eles a internaram um tempo, depois simplesmente disseram que estava melhor e a soltaram.

Ela voltou para casa e o caminho passava pelo lugar onde ele se matara. Ali ela deitou-se e beijou o chão. Depois, enfim, foi para casa. Para a cama enorme e vazia. Onde deitou-se de pernas abertas e ficou molhada e, com seus dedos hábeis, chegou a um orgasmo a um tempo profundo e triste. Os bicos dos seis estavam duros e sensíveis, a boca macia, a respiração estava trêmula. Depois de estremecer e sentir as pernas enfraquecerem, ela chorou.

A irmã veio visita-la e encontrou-a morta. Estirada no quintal e rodeada de animais da floresta. Ela já estava meio apodrecida, mas nenhum deles a tocara.


 

Nenhum comentário: