José Marcelo
Agora. Agora fudeu. Ela estava nua ao lado da cama, puta da vida porque eu não disse o que ela queria ouvir. Queria o quê? Que eu mentisse? Ela não disse. Pegou a sandália e acertou meu rosto com o salto. Porra, doeu pra caralho. Porra porra porra porra. Sangrou pra caralho. Sentei na cama. Que porra, eu disse. Ficou maluca? O sangue escorria entre meus dedos. Levantei-me e corri até o banheiro. Tentei fazer um curativo. Não ficou bonito, mas pelo menos parou de sangrar. Meu rosto no espelho parecia deformado. Então era assim que eu parecia? Pelo menos era assim que eu me sentia. Quando sai do banheiro, ela havia ido embora.
No dia seguinte, ela me ligou. Não me ligue mais, ela disse. Desligou. Claro, que se foda. De noite, sai com uns amigos. Estava no bar, bebendo, e ela aparece acompanhada de um sujeito lá. Os outros me olharam, esperando minha reação. O que eles queriam? Fiquei puto, não porque ela estava em outra. Fiquei puto porque todos achavam que eu me importava. De qualquer modo, fui pra casa mais cedo, com todos pensando que eu estava com ciúmes.
Lá pelo meio da madrugada, ela me ligou. Tou dormindo, porra, eu disse.
Eu não fui embora com ele, disse ela.
Eu não disse nada.
Ela continuou, sai com ele só pra te fazer ciúmes. Ficou com ciúmes?
Me deixa dormir, eu disse, e desliguei. Tirei o telefone do gancho, só para ter certeza de uma noite tranquila. Mas provavelmente ela não tornou a ligar.
De manhã cedo, acordo e lá está ela do lado da cama, me olhando com uma expressão que me deixou inquieto.
O que foi? perguntei.
A gente não pode terminar, disse ela.
Tá maluca? Você que terminou comigo. Agora quer voltar? Não.
Tem certeza? Ela fez aquela cara de safada que sabe que me excita. Deixa pelo menos eu ver esse corte, disse. Não seja criança.
Não. Vá embora. Tchau.
Ela me olhou magoada. Pensei que ia tirar a sandália (de novo) e me acertar (de novo). Mas apenas saiu do quarto, batendo a porta.
Aí – aí fudeu mesmo. Levei um susto. A porta abriu-se com um ribombar estrondoso. Ela veio pra cima de mim com uma faca enorme. Então, eu te mato, disse ela. Antes que eu pudesse ao menos me encolher de maneira digna, ela me acertou.
(Segundo o relatório policial, foram quarenta e sete perfurações. A cama deve ter ficado uma bagunça.)
Depois que eu morri, ela me arrastou até a varanda, me colocou em uma cadeira de praia e ficou do meu lado. Olhe que sol lindo que tá hoje, disse ela, ainda segurando a faca suja de sangue. Como se eu pudesse ver, mesmo depois dela ter me arrancado os olhos. Eu, por minha vez, empapava o chão de vermelho. Ela pegou minha mão e sorriu.
De longe, parecíamos mesmo um casal de namorados relaxando um ao lado do outro em inegável prazer. De longe, parecíamos felizes.