quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

ORIGENS DE UMA OBRA PRIMA

o-som-e-a-furia

Entrevistador: Quais foram as origens de O som e a fúria?

William Faulkner: Começou com uma imagem mental. Eu não percebi, naquele momento, que era simbólico. A imagem era dos fundilhos enlameados da calcinha de uma menina, trepada numa pereira, de onde ela podia ver, através de uma janela, o lugar onde transcorria o funeral de sua avó, relatando o que se passava aos seus irmãos, que estavam no chão, embaixo. No momento em que expliquei quem eles eram, e o que estavam fazendo, e como as calcinhas dela ficaram enlameadas, me dei conta de que seria impossível comprimir tudo num conto, e que aquilo teria de ser um livro. Depois me dei conta do simbolismo das calcinhas sujas de terra, e essa imagem foi substituída pela da menina órfã de pai e mãe descendo num cano de esgoto para escapar do único lar que tivera, onde nunca lhe ofereceram amor, afeto, ou compreensão. Eu já tinha começado a contar a história através dos olhos da criança retardada, pois senti que seria mais eficaz se contada por alguém capaz de saber somente o que aconteceu, mas não o porquê. Vi que não tinha contado a história, naquele momento. Tentei contá-la novamente, a mesma história, através dos olhos de outro irmão. Mas ainda não era aquilo. Contei pela terceira vez, através dos olhos de um terceiro irmão. E ainda não era aquilo. Tentei juntar as peças e preencher os vazios assumindo eu mesmo o papel de porta-voz. Nem assim a história se completou, não até quinze anos depois de o livro ser publicado, quando escrevi, como o apêndice de outro livro, o esforço final para contar a história e tirá-la da minha cabeça, para que eu pudesse ter um pouco de paz. É o livro que mais me enternece. Não podia deixá-lo em paz, e nunca consegui contá-lo direito, embora tenha tentado bastante e gostasse de tentar de novo, ainda que eu provavelmente fracasse mais uma vez.


Nenhum comentário: