Bernado Carvalho
Quando desapareceu, a única coisa que pensei foi o que faria com a raiva que tinha guardado num canto da cabeça, bem no fundo, para o dia em que pudesse matá-lo. Mal pensei e ela já estava de volta. Tive de me controlar para não matar qualquer um na rua. De certa forma os ensinamentos do artista, ainda que enlouquecedores, foram úteis, me fizeram compreender que ali, na Baixada, que era no nosso destino, como ele sempre dizia, de onde nunca poderíamos escapar (…) ali qualquer ação seria contra mim mesmo, porque na Baixada a raiva é tão grande que chega uma hora em que você atira em si mesmo, e isso pode ser por descuido ou porque a raiva é tanta, que não pode mais se livrar ela, quer escapar daquele corpo e não pode a não ser matando, não dá para saber mais se é raiva ou descuido. Como a história daquele policial que voltava para casa no trem outro dia. A mulher e o filho de quatro anos o esperavam na estação. Ao vê-lo, o menino veio correndo e pulou em seus braços. O policial beijou o filho, o apertou em seus braços. A mulher veio atrás. Ele a beijou no rosto. Enquanto conversavam distraídos, e o filho sempre nos braços do pai, o menino tirou o revólver do coldre e atirou no peito do policial. Você nunca sabe se é raiva ou descuido…
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