sábado, 2 de fevereiro de 2013

CONTO O RELÓGIO

Quentin Tarantino

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Oi, rapazinho. Garoto, ouvi falar um bocado de você.
Veja só, fui muito amigo do seu pai. Ficamos mais de cinco anos juntos naquele buraco do inferno em Hanói.
Espero que você nunca tenha uma experiência assim. Mas quando dois sujeitos estão numa situação igual à que seu pai e eu vivemos, durante o tempo em que vivemos, a gente assume algumas responsabilidades pelo outro.
Se fosse eu que não tivesse sobrevivido, seu pai estaria falando agora com meu filho, Jim. Mas do jeito que a coisa aconteceu, sou eu que estou falando com você, Butch.
Tenho uma coisa para você.
Esse relógio aqui foi comprado pelo seu bisavô. Foi comprado durante a Primeira Guerra Mundial, numa lojinha de Knoxville, Tennessee.
Foi comprado pelo soldado de infantaria Ernie Coolidge no dia em que ele foi para Paris. Era o relógio de guerra do seu bisavô, feito pela primeira empresa que fabricou relógios de pulso. Veja só, até então as pessoas só usavam relógios de bolso.
Seu bisavô usou o relógio durante todos os dias em que esteve na guerra. Depois, quando terminou o tempo de serviço, ele foi para casa, para a sua bisavó, tirou o relógio do pulso e colocou numa velha lata de café.
E o relógio ficou naquela lata até que seu avô Dane Coolidge foi convocado pelo país para atravessar o oceano e lutar mais uma vez contra os alemães. Dessa vez, deram o nome de Segunda Guerra Mundial. Seu bisavô presenteou o relógio ao seu avô, para dar boa sorte.
Infelizmente a sorte de Dane não foi tão boa quanto a do pai. Seu avô era fuzileiro e foi morto com todos os outros fuzileiros na Batalha de Wake Island.
Seu avô estava diante da morte e sabia disso. Nenhum dos rapazes tinha qualquer ilusão de que deixaria vivo aquela ilha.
Por isso, três dias antes de os japoneses ocuparem a ilha, seu avô, que estava com vinte e dois anos, pediu que um artilheiro chamado Winocki, que trabalhava num avião de transporte da Força Aérea e que ele nunca encontrara antes na vida, entregasse o relógio de ouro ao filho bebê, que ele nunca vira em carne e osso.Três dias depois seu avô foi morto.
Mas Winocki manteve a palavra. Quando a guerra terminou, ele fez uma visita à sua avó e entregou o relógio de ouro ao seu pai, que era um bebê. Este relógio.
Este relógio estava no pulso do seu pai quando ele recebeu um tiro em Hanói. Ele foi capturado e posto num campo de prisioneiros no Vietnã.
Bom, seu pai sabia que se os vietcongues vissem o relógio ele seria confiscado. Seu pai achava que o relógio era seu, por direito de nascença. E ele não admitiria que nenhum cabeça-de-bagre pusesse as mãos amarelas e sujas no que era de seu menino por direito de nascença.
Por isso escondeu-o no único lugar onde poderia esconder alguma coisa. No cu.
Durante cinco longos anos ele usou este relógio no cu. E quando morreu de disenteria, me deu o relógio. Eu escondi esse pedaço de metal desconfortável no meu cu durante dois anos. E então, depois de sete anos como prisioneiro, fui mandado para casa e para minha família.
E agora, rapazinho, eu lhe entrego o relógio

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