quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

conto ENTERRADO

José Marcelo

ZAVORA -  a praia 22

De-repente, instintivamente pensou eu (o que é pior do que se ela o fizesse de caso pensado), ela se afasta de mim. Não é muito. A distância, quero dizer. Apenas uns dois passos. E tudo porque Joel sugeriu, meio de brincadeira, que eu poderia estar interessado nela. E então ela se afasta. Ninguém mais parece perceber, o que é uma benção, e eu finjo não ter notado.

Estamos, todos nós, Joel, Eduardo, Samantha e eu, andando na beira da praia – observando o mar que agora parece profundo e deprimente.

Samantha está rindo agora, aparentemente já esquecida de ter me rejeitado. Não me entenda mal. Não estou interessado nela. É bonitinha e agradável, mas não me atrai. Mesmo assim, o fato de ter sido rejeitado assim do nada dói.

Por um momento fico irritado, mas procuro me controlar. Não quero voltar para onde eu estava semana passada. Não aguentaria. Só o fato de me lembrar daquele lugar, já me faz querer estar morto. Ou pelo menos querer ficar tão dopado que seria como estar enterrado.

Estar enterrado.

Ao contrário da maioria das pessoas, estar morto não me incomoda. Não. Acho que pode ser agradável até. Às vezes (não contem a ninguém, não quero ser internado novamente) eu me deito sob a cama, cruzo as mãos sobre o peito e fecho os olhos. Fico imóvel durante o tempo que conseguir – meu recorde é de oito horas. Mas não acaba aí. Alcanço o fundo da cama com dedos que fingem estar enrijecidos e tento cavar. É uma imitação de alguém enterrado vivo.

Certa vez foi tão real que eu comecei a gritar: uma alegria estranha que precisava encontrar uma expressão, uma saída. Só parei de gritar quando minha tia (com quem moro) entrou assustadíssima no quarto.

O susto logo tornou-se irritação:

— Desisto. Desisto de você. Não aguento mais isso.

Minha tia tem a metade da minha idade. Vinte e dois anos. É uma gracinha, responsável por mim, já que fui considerado um incapaz, alguém que o resto da família preferia evitar, uma vergonha, algo assim, mas esqueça. Não quero falar disso. Não agora pelo menos.

Enfim.

— Não aguento mais isso.

— Você já disse. Não precisa repetir, titia, já ouvi da primeira vez.

— Não aguento. O que aconteceu? O que aconteceu agora?

— Eu estava morto e acordei no meu caixão.

Ela me olha demoradamente. Há uma sombra de lágrimas? Sim, há. Posso dizer em seu favor que não foi uma decisão fácil para ela. Quero dizer que foi aí que ela decidiu me internar.

Mas agora eu saí e estou sendo rejeitado na praia. Não é a primeira vez. Quer dizer, das outras vezes eu não estava na praia. Mas fui rejeitado também. Fazer o quê. Eu já deveria estar acostumado. Porém não consigo. É uma droga.

— Gente, eu tenho que ir — eu falo, sorrindo. — Depois a gente se fala.

Eles protestam, dizem que ainda é cedo, que deveríamos nadar um pouco mais, que depois vamos nos divertir mais. Eu invento uma desculpa, um compromisso, e vou embora.

Vou para casa. Minha tia está no trabalho. Sozinho, eu me deito sob a cama.

Nenhum comentário: