Peter Carey
Não sei se minha história é grandiosa a ponto de ser uma tragédia, embora tenha acontecido um monte de merda. É, sem dúvida, uma história de amor, mas que não começou senão na metade do monte de merda, quando eu havia perdido não apenas meu filho de oito anos, mas também minha casa e meu estúdio em Sidney onde um dia fui tão famoso quanto um pintor pode ser famoso em sua própria terra. Foi no ano em que eu devia ter recebido a Ordem da Austrália — por que não! —, olhem só para quem eles dão a ordem. Em vez disso, meu filho foi roubado de mim e eu fui estripado por advogados de divórcio e preso por tentar recuperar o melhor de minha obra que havia sido declarada Bens Matrimoniais.
Ao emergir da prisão Long Bay na desolada primavera de 1980, descobri que seria levado às pressas para o norte de Nova Gales do Sul, onde, embora quase sem nenhum dinheiro para gastar comigo, achei que poderia, se ao menos conseguisse reduzir a bebida, pintar quadros pequenos e cuidar de Hugh, meu irmão excepcional que pesava cem quilos. Meus advogados, marchands, colecionadores, todos se juntaram para me salvar. Foram tão bons, tão generosos. Eu não podia nem admitir que estava de saco cheio de cuidar de Hugh, que não queria sair de Sidney, nem cortar a bebida. Como não tinha caráter para falar a verdade, eu me permiti tomar o rumo que eles haviam escolhido para mim. A trezentos quilômetros ao norte de Sidney, em Tarre, comecei a cuspir sangue numa pia de hotel. Graças a Deus, pensei, não podem me forçar a fazer isso agora.
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