Ninguém duvida que o homem seja modificado pelos seus sentidos, mas, por não podermos distinguir tais modificações, confundimos-lhes as causas. Reconhecemos um domínio excessivo, mas também insuficiente das sensações, não percebendo que freqüentemente não só nos afetam como sensações mas ainda como sinais e imagens, e que seus efeitos morais também possuem causas morais. Tal como os sentimentos despertados em nós pela pintura não vêm das cores, o império que a música possui sobre nossa alma não é obra dos sons.’ Belas cores bem graduadas agradam à vista, mas tal prazer é uma sensação pura. São o desejo e a imitação que conferem vida e alma a essas cores, são as paixões por elas reveladas que comovem as nossas, são os objetos por elas representados que nos afetam. O interesse e o sentimento não dependem das cores. Os traços de um quadro tocante também tocam numa estampa. Tirai os traços de um quadro e as cores nada serão.
A melodia constitui exatamente, na música, o que o desenho representa na pintura — assinala traços e figuras, nos quais os acordes e os sons não passam de cores. Mas, dir-me-ão, a melodia não passa de uma sucessão de sons. Sem dúvida, mas o desenho também nada mais é do que um arranjo de cores. Um orador serve-se da tinta para escrever suas obras, porém isso significará ser a tinta um licor de forte eloquência?
Essai sur l’origine des langues – Jean-Jacques Rousseau
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