quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

COMO O AMOR À PRIMEIRA VISTA

 


1. Thomsen: à primeira vista 

Eu já tinha visto o clarão do raio antes. Já conhecera o raio e o trovão. Com uma experiência digna de inveja nessas questões, eu conhecia o aguaceiro — o aguaceiro e, depois, o sol e o arco-íris. 

Ela voltava da Cidade Velha com as duas filhas, e já estavam bem dentro da Zona de Interesse. Mais adiante, esperando para recebê-las, estendia-se uma alameda de bordos, quase uma colunata, com os galhos e as folhas lobadas entrelaçadas no alto. A tarde de verão já ia avançada, com minúsculos mosquitos reluzentes… Minha caderneta estava aberta sobre um toco de árvore e a brisa a folheava, curiosa. 

Alta e corpulenta, mas ágil, com um vestido branco pregueado que descia até os tornozelos e um chapéu de palha creme com uma fita preta, balançando uma bolsa de palha (as meninas, também de branco, usavam os mesmos chapéus e bolsas de palha), ela ora entrava, ora saía de espaços de luz castanha ou fulva. Ria, jogando a cabeça para trás, esticando o pescoço. Movendo-me em paralelo, eu a acompanhava com meu terno de tweed bem cortado, a prancheta e a caneta-tinteiro. 

As três cruzaram o caminho da Academia de Hipismo. Com as filhas a rodeá-la, ela passou pelo moinho ornamental, pelo mastro do Primeiro de Maio, pelo patíbulo de três rodas, pelo cavalo de tiro preso frouxamente na bomba d’água de ferro, e continuou seu caminho. 

Entrando no Kat Zet — no Kat Zet i. 

Alguma coisa aconteceu à primeira vista. Raio, trovão, aguaceiro, sol, arco-íris — a meteorologia da primeira vista. 

Seu nome era Hannah — Frau Hannah Doll. 


Trecho do livro: A Zona de Interesse, escrito por Martin Amis, tradução de Donaldson M. Garschagen, publicado no Brasil pela Companhia das Letras.


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