domingo, 12 de maio de 2013

trecho As Benevolentes

Jonathan Littell

Furias

Um Scharführer aproximava-se e saudou Ott. “Herr Untersturmführer, não há nada aqui.” Ott estava nervosíssimo. “Vasculhem mais! Tenho certeza de que estão escondendo alguma coisa.” Outros soldados e Orpo retornavam. “Herr Untersturmführer, olhamos, não há nada.” – “Vasculhem, já disse.” Naquele instante ouvimos um grito agudo ali perto. Uma forma indistinta corria pela ruazinha. “Ali!”, gritou Ott. O Scharführer mirou e atirou através da cortina de chuva. A forma desabou na lama. Os homens correram em sua direção, tentando enxergar. “Imbecil, era uma mulher”, disse uma voz. – “É você que está se chamando de imbecil!”, ladrou o Scharführer. Um homem revirou o corpo na lama: era uma jovem camponesa, com um pano colorido na cabeça, e grávida. “Ela simplesmente entrou em pânico”, disse um dos homens. “Não precisava atirar desse jeito.” – “Ainda não está morta”, disse o homem que a examinava. O enfermeiro do destacamento aproximou-se: “Levem-na para casa.” Vários homens a levantaram; sua cabeça pendia para trás, o vestido enlameado estava colado na enorme barriga, a chuva fustigava o corpo. Foi carregada para casa e depositada sobre uma mesa. A não ser por uma velha chorando num canto, a isbá estava vazia. A moça agonizava. O enfermeiro rasgou seu vestido e a examinou. “Está fodida. Mas está prestes a parir, e com um pouco de sorte ainda podemos salvar o bebê.” Começou a dar instruções aos dois soldados ali presentes. “Providenciem água quente.” Saí sob a chuva e fui me encontrar com Ott, que fora até os veículos. “O que está acontecendo agora?” – “A moça vai morrer. Seu enfermeiro está tentando fazer uma cesariana.” – “Uma cesariana?! Ficou maluco, caramba!” Voltou a subir a ruela chafurdando até a casa. Segui-o. Ele entrou bruscamente: “Que porra é essa, Greve?” O enfermeiro segurava uma coisinha sangrenta embrulhada num pano e terminava de amarrar o cordão umbilical. A moça, morta, jazia com os olhos esbugalhados sobre a mesa, nua, coberta de sangue, rasgada do umbigo até o sexo. “Funcionou, Herr Untersturmführer”, disse Greve. “É possível que sobreviva. Mas temos que achar uma ama-de-leite.” – “Enlouqueceu!”, gritou Ott. “Me dê isso!” – “Por quê?” – “Me dê isso!” Ott estava branco, tremia. Arrancou o recém-nascido das mãos de Greve e, segurando-o pelos pés, esmagou seu crânio na quina do forno de argila. Depois jogou-o no chão. Greve espumava: “Por que fez isso?!” Ott também berrava: “Você teria feito melhor enterrando-no na barriga da mãe, imbeciloide! Deveria tê-lo deixado tranquilo! Por que o fez sair? Não era suficientemente quente ali?” Girou nos calcanhares e saiu. Greve chorava: “O senhor não devia ter feito isso, o senhor não devia ter feito isso.” Fui atrás de Ott, que vociferava na lama e na chuva diante do Scharführer e alguns homens reunidos. “Ott…”, chamei. Atrás de mim ecoou um chamado: “Untersturmführer!” Olhei: Greve, com as mãos ainda sujas de sangue, saía da isbá com o fuzil apontado. Esquivei-me, ele caminhou na direção de Ott. “Untersturmführer!” Ott virou a cabeça, viu o fuzil e começou a gritar: “Que é, seu veado, que quer ainda? Quer atirar, é isso, vá em frente!” O Scharführer berrava também: “Greve, em nome de Deus, abaixe esse fuzil!” – “O senhor não devia ter feito isso”, gritava Greve, continuando a avançar para Ott. – “Vá em frente, imbecil, atire!” – “Greve, pare imediatamente!”, vociferava o Scharführer. Greve atirou; Ott, atingido na cabeça, voou para trás e caiu numa poça, fazendo um grande estrépito. Greve mantinha o fuzil em posição de mira; todo mundo havia se calado. Só se ouvia a chuva castigando as poças, a lama, os capacetes dos homens, o colmo dos telhados. Greve tremia como uma folha, fuzil no ombro. “Ele não devia ter feito isso”, repetia estupidamente. – “Greve”, eu disse mansamente. Com ar feroz, Greve apontou o fuzil na minha direção. Abri muito lentamente os braços sem dizer nada. Greve voltou a visar o Scharführer com o fuzil. Por sua vez, dois soldados apontavam seus fuzis para Greve. Greve mantinha o fuzil apontado para o Scharführer. Os homens poderiam abatê-lo, mas nesse caso ele decerto também mataria o Scharführer. “Greve”, disse calmamente o Scharführer, “você fez uma grande besteira. Ott era um lixo, tudo bem. Mas você está realmente na merda.” – “Greve”, eu disse. “Abaixe a arma. Caso contrário, vamos ser obrigados a matá-lo. Caso se renda, testemunharei a seu favor.” – “Estou fodido de qualquer maneira”, disse Greve. Não parava de apontar para o Scharführer. “Se o senhor atirar, levo alguém comigo.” Desviou novamente o fuzil na minha direção, bruscamente. A chuva escorria do cano, bem diante dos meus olhos, corria no meu rosto. “Herr Hauptsturmführer!”, chamou o Scharführer. “Concorda que eu resolva isso à minha maneira? Para evitar outras baixas?” Fiz um sinal afirmativo. O Scharführer voltou-se para Greve. “Greve. Dou-lhe cinco minutos. Depois iremos atrás de você.” Greve hesitou. Em seguida abaixou o fuzil e chispou para dentro da floresta.

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