Ricardo Piglia
Tony Durán era um aventureiro e um jogador profissional e viu a oportunidade de estourar a banca quando topou com as irmãs Belladona. Foi um ménage à trois que escandalizou o povoado e ocupou a atenção geral durante meses. Ele sempre aparecia com uma delas no estaurante do Hotel Plaza mas ninguém conseguia saber qual era a que estava com ele porque as gêmeas eram tão iguais que até a letra delas era igual. Tony quase nunca se deixava ver com as duas ao mesmo tempo, isso ele reservava para a intimidade, e o que mais impressionava todo mundo era pensar que as gêmeas dormiam juntas. Não tanto que partilhassem o homem, mas que partilhassem a si mesmas.
Não demorou e os comentários se transformaram em versões e conjecturas e ninguém mais falou de outra coisa; nas casas ou no Club Social ou no armazém dos irmãos Madariaga as notícias circulavam a todo momento como se fossem as informa-ções do tempo. Naquele povoado, como em todos os povoados da província de Buenos Aires, havia mais novidades em um dia do que em qualquer cidade grande em uma semana, e a distância entre as notícias da região e as informações nacionais era tão abissal que os habitantes podiam ter a ilusão de viver uma vida interessante. Durán chegara para enriquecer essa mitologia, e sua pessoa atingiu uma altura legendária muito antes do momento de sua morte.
Seria possível fazer um diagrama com as idas e vindas de Tony pelo povoado, seu deambular sonolento pelas calçadas altas, suas caminhadas até as cercanias da fábrica abandonada e dos campos desertos. Em pouco tempo ele teve uma percepção da ordem e das hierarquias do lugar. As casas maiores e as mais simples se elevam divididas claramente em camadas sociais, o território parece organizado por um cartógrafo esnobe. Os povoadores principais moram no alto das ladeiras; depois, numa faixa de oito quadras, está o chamado centro histórico,* com a praça, a prefeitura, a igreja e também a rua principal, com as lojas e os sobrados; por fim, do outro lado dos trilhos, estão os bairros baixos, onde morre e vive a metade mais obscura da população.
Com sua popularidade e a inveja que suscitou entre os homens, Tony poderia ter feito o que bem entendesse, mas o acaso, que na verdade fora o que o trouxera até aqui, foi sua perdição. Era extraordinário ver um mulato tão elegante naquele povoado de bascos e de gaúchos piemonteses, um homem que falava com o sotaque do Caribe mas parecia correntino ou paraguaio, um forasteiro misterioso perdido num lugar perdido do pampa. * O povoado se localiza ao sul da província de Buenos Aires, a trezentos e quarenta quilômetros da Capital. Fortaleza militar e local de assentamento de tropas na época da guerra contra o índio, foi fundado efetivamente em 1905, quando se construiu a estação ferroviária, delimitaram-se os lotes do centro urbano e distribuíram-se as terras do município. Na década de 40, a erupção de um vulcão cobriu a planície e as casas com um manto de cinza. Os homens e as mulheres se defendiam do pó cinzento com o rosto coberto com escafandros de apicultor e máscaras de fumigar os campos.
— Ele estava sempre contente — disse Madariaga, e olhou pelo espelho um homem que circulava, nervoso, com um rebenque na mão, pela adega do armazém. — E o senhor, comissário, aceita uma genebrinha?
— Pode ser uma grapa, mas não bebo em serviço — respondeu o comissário Croce.
Alto, de idade indefinida e rosto vermelho, bigode cinza e cabelo cinza, Croce mastigava pensativo um charuto Avanti enquanto caminhava de um lado para o outro dando pancadas nas pernas das cadeiras com o rebenque, como se quisesse espantar seus próprios pensamentos que engatinhavam pelo chão.
— Como é possível que ninguém tenha visto Durán naquele dia? — disse, e os presentes olharam para ele, calados e culposos.
Depois disse que sabia que todos sabiam mas que ninguém falava nada e que andavam inventando coisa só pelo prazer de procurar cinco patas no gato.
— De onde será que saiu essa expressão? — disse, e se interrompeu intrigado, pensando, e perdeu o rumo no zigue-zague de suas ideias, que se acendiam e se apagavam como vaga-lumes na noite. Sorriu e começou de novo a andar pelo aposento.
— Como o Tony — disse, e se lembrou do que estava falando antes. — Um gringo que não parecia gringo mas era gringo.
Tony Durán havia nascido em San Juan de Puerto Rico e
seus pais se mudaram para Trenton quando ele estava com cinco
anos, de modo que se criara como um norte-americano de Nova
Jersey. Da ilha ele só lembrava que o avô era galista e que aos domingos o levava para assistir às rinhas, e também se lembrava dos homens que cobriam as calças com folhas de jornal para evitar que o sangue que escorria dos galos lhes manchasse a roupa.
Quando chegou aqui e conheceu um rinhadeiro clandestino em Pila e viu os peões de alpargatas e os galinhos pigmeus botando banca na arena, começou a rir e a dizer que não era assim que se fazia em seu país. Mas no fim se entusiasmou com a valentia suicida de um batará que usava os esporões como um boxeador canhoto peso leve usa as mãos para se soltar esmurrando do corpo a corpo, veloz, mortífero, impiedoso, buscando apenas a morte do rival, sua destruição, seu fim, e ao vê-lo Durán começou a apostar e a se entusiasmar com a briga, como se já fosse um dos nossos (one of us, para dizê-lo como teria dito o próprio Tony).
— Mas ele não era um dos nossos, era diferente, só que não foi por isso que o mataram, e sim porque era parecido com o que
imaginávamos que devia ser — disse, enigmático como sempre e como sempre um pouco irritado, o comissário.
— Ele era simpático — acrescentou, e olhou para o campo. — Eu gostava dele — disse o comissário, e ficou estaqueado no chão, perto da janela, costas apoiadas na grade, perdido em seus pensamentos.
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