quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

CONTO Ao Cussaruim do Manuel

Gabriel Faraco

Bentinho Jararaca era um homem de modos simples. Morava com a mulher, Josefa, caipira bonita, e o filho pequeno, seis meses, fralda de pano, num ranchinho a beira chão, por algum cantinho bem verde pelo Brasil afora. Os 3 e mais ninguém por um bom pedaço de terra. Dali e ali por perto, Bentinho tirava o sustento e todo o restante que necessitava para se manter e manter os outros dois que lhe acompanhavam nesta longa estrada da vida. Era aquilo e nada mais era preciso para que a vida de Bentinho, da mulher e do filho fossem boa ao modo que Deus lhe deu.

Numa tarde, Bentinho pediu a benção da mulher, beijou o filho, deu um até logo pros dois, pegou sua mula e foi à caça. A mulher acendeu o fogão, o filho ficou sorrindo e assim foi Bentinho, feliz, rumo a procura do alimento. Ele e a mula, chão a fora, a mula andando, o mato amassando, Bentinho olhando daqui, de lá, homem da mata, criado descalço com mais 11 irmãos, o pai, pantanero, pele marcada pelo sol, berrante na parede como recordação e troféu e a mae, menina que fugiu com aquele homem 10 anos mais velho que se apaixonou desde a primeira vez que viu, pedindo licensa para passar noite na fazenda que ali estava.

Bentinho olhou o céu, viu as primeiras estrelas brilhando, a lua dando seu sorriso, o sol caindo tímido, aquele colorido contraste bonito, pensou consigo mesmo que logo deveria achar alguma coisa, caça boa, pra guardar e dar para 3 meses ou algum tempo, mais ou menos. Espingarda no ombro, chapéu na cabeça, a mulinha indo, indo, Bentinho seguindo, seguindo, até que ouviu alguma coisa se mexendo. Parou a mulinha, permaneceu em cima, deu um minuto e escutou novamente. Pensou consigo mesmo de novo, pedacinho de mato na boca, que finalmente a sorte tinha aparecido pra ele. É hoje. Puxou o ar forte em seus pulmões, o cheiro do mato, da mata, do chão, do verde, da madeira, da floresta, cheiro de Veado Branco.

Desceu da mula, deixou ele paradinha, ela ficou. Fica, fica, dizia ele, espera ai que eu já volto e a gente já vai. armou a espingarda, foi devagarinho. O dia ia escurecendo, ele quase não via nada, mas  estava ali, não podia sair dali, viu o Veado, que ficou a comer seu mato e Bentinho se pondo na melhor posição, a melhor condiçao, coisa de homem criado no campo, que sabe a melhor hora pra abater a caça e comida e assim ter o sucesso desejado. Se aprochegou, a mulinha dava um passinho pra cá, outro pra lá, Bentinho ajeitava daqui, ajeitava dali, no chão, espingarda na mão, na mira, quando o Veado levantou a cabeça. Diacho de animal.

O Veado levantou a cabeça, olhou daqui, olhou de lá, levantou a orelha, balançou o rabinho, a mulinha ficou um tanto inquieta. Bentinho falava, êta diacho, fique parada! e Bentinho olhava o Veado, tinha o corpo no chão, a espingarda na mão. O som da cigarra, batendo batendo batendo asa bem forte, o som do vento no mato, o som da mula inquieta, êta diacho, fique quieta, demonio, por Deus que me perdoe, o som do coraçao de bentinho, o som de todos aqueles bichos e coisas que só a floresta tem e dá, o som da espingarda armada, na mira, pronta, era a hora, Bentinho estava pronto, o Veado estava pronto e quando sem eira nem beira o Veado se rebelou e veio na direçao de Bentinho. Homê de Deus!

Bentinho soltou pelo susto a respiração trancada, quis atirar mas não pode, não conseguiu. Não soube o que deu nele. Deus pai do céu. Junto com o Veado, a mula se foi também. Tudo escuro, Bentinho ficou no chão, espingarda pra cima, coração na mão, Deus que me perdoe. Bentinho olhando o céu quando o brilho vermelho se fez no meio do brilho azul das estrelas. Brilho tão bonito, achava Bentinho. As estrelas lá no céu, junto com a mãe e nosso pai de todos Deus amado. Bentinho rezava vixe Maria Deus do céu Jesus senhor de todos me guarde me protega e o Cussaruim ali, feito, na sua frente, na ponta do seu nariz, piscando os olhos, mostrando o sorriso encardido e o bafo ardido ardendo o nariz de bentinho e vindo, vindo, e se pôs, devagarinho, devagarinho, comendo, como quem nao quer nada, o cano da espingarda.

LENDA BRASILEIRA

A moita buliu. Bentinho Jararaca levou a arma à cara: o que
saiu do mato foi o Veado Branco! Bentinho ficou pregado no
chão. Quis puxar o gatilho e não pôde.
- Deus me perdoe!
Mas o Cussaruim veio vindo, veio vindo, parou junto do
caçador e começou a comer devagarinho o cano da espingarda.

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