sexta-feira, 2 de novembro de 2012

trecho O CÃO DA MORTE

Agatha Christie

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Quem primeiro me falou sobre o caso foi o correspondente americano William P. Ryan. Jantávamos em Londres, na véspera do seu retorno a Nova York, e acabei por mencionar minha ida a Folbridge no dia seguinte.

Ele levantou o rosto e perguntou espantado:

- Folbridge, em Cornwall?

Só uma em cada mil pessoas sabe que há uma cidadezinha chamada Folbridge em Cornwall. O normal é associarem o nome à Folbridge de Hampshire. A pergunta de Ryan me deixou curioso.

- Sim. Você conhece?

Ele deu de ombros e perguntou se eu conhecia uma propriedade de lá chamada Trearne.

Fiquei mais interessado e disse:

- Pois bem. Na verdade, é para lá que estou indo.

É a residência da minha irmã.

- Mas que ironia do destino! - exclamou William.

Sugeri que ele parasse de fazer suspense e explicasse de uma vez que história era aquela.

- Bem - disse ele. - Para fazer isso, tenho de lhe contar uma experiência por que passei logo no início da guerra.

Suspirei. Estávamos em 1921, e a última coisa que eu queria era que me lembrassem da guerra. Graças a Deus, estava começando a esquecê-la. Além disso, eu suspeitava que aquilo que William P. Ryan tinha para contar era uma dessas histórias intermináveis.

Mas eu já não podia detê-lo.

- Como você deve saber, no início da guerra eu estava na Bélgica, trabalhando como correspondente. Numa cidadezinha... não importa o nome. Um verdadeiro fim de mundo. Mas havia lá um enorme convento. Freiras vestidas de branco... como é que são chamadas? Não me lembro do nome da ordem. Bem, não importa. Esse pequeno burgo estava bem no caminho das tropas alemãs. Os boches chegavam...

Comecei a me mexer na cadeira, nervoso. William P. Ryan ergueu a mão para que eu me acalmasse.

- Não se preocupe. Esta não é uma história das atrocidades dos alemães. Até podia ter sido, mas não foi. Para falar a verdade, foram eles que se deram mal. Rumaram na direção do convento e, quando chegaram lá, a coisa foi pelos ares.

- Oh! - disse eu, assustado.

- Estranho, não? No início, imaginei que os boches estivessem celebrando alguma coisa e feito alguma macacada com os próprios explosivos. Mas parece que eles não traziam consigo nada do tipo. Estavam longe de ser os reis da dinamite. Mas, então, eu lhe pergunto: o que é que um bando de freiras iria entender de explosivos violentos?

- É mesmo estranho - concordei.

- Eu quis ouvir a opinião dos camponeses. Eles estavam por dentro de tudo. Tratava-se de um verdadeiro milagre moderno, cem por cento genuíno e de eficácia comprovada. Parece que as freiras eram conhecidas.

Havia entre elas uma aspirante a santa, que entrava em transe e tinha visões. A façanha foi obra dela. Invocou um raio para dar fim aos malditos boches e acabou com eles bem direitinho, e também com tudo que estava ao redor. Um milagre de grande eficácia!

William fez uma pausa e depois continuou:

- Nunca descobri direito o que aconteceu. Não tive tempo de investigar. Era a época dos milagres. Falava-se de anjos protegendo as tropas britânicas na Batalha de Mons e não sei o que mais. Escrevi uma história de arrancar lágrimas, carregando no lado religioso, e enviei ao meu editor. O jornal vendeu como água. Nos Estados Unidos, adoravam essas coisas.

William me olhou desconfiado, depois acrescentou:

- Não sei se você me entende... mas, ao escrever sobre o assunto, acabei me interessando. Eu queria saber o que realmente aconteceu. No lugar, não havia nenhuma pista. Só duas paredes ficaram de pé. Em uma delas, a explosão deixara gravada a figura enorme de um cão.

"Os camponeses tinham horror daquela marca, que chamavam de o cão da morte, e à noite jamais iam naquela direção. Essas superstições são curiosas. Eu fiquei com vontade de ver a tal santa que provocara aquilo tudo. Corria o boato de que ela não morrera e fora à Inglaterra com um bando de outros refugiados. Ao investigar o seu paradeiro, descobri que estava em Trearne, Folbridge, Cornwall."

Assenti com a cabeça.

- No início da guerra, minha irmã recebeu muitos refugiados belgas. Cerca de vinte - eu falei.

- Bem... sempre tive vontade de conhecer a santa.

Queria ouvir da boca dela a história do desastre. Mas acabei me envolvendo com outros problemas e esquecendo do assunto. Quem é que vai a Cornwall, afinal?

Um lugar tão contramão... Para falar a verdade, nem me lembrava mais de nada disso até você mencionar Folbridge agora há pouco.

- Vou perguntar à minha irmã... Ela deve saber algo a respeito. Mas já faz tempo que os belgas foram repatriados, é claro.

- Eu sei. Mesmo assim, caso sua irmã se lembre de alguma coisa, qualquer informação me interessa.

- Não se preocupe. Repasso para você tudo que ela souber - disse eu, cordial.

E essa foi a nossa conversa.

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