quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O FALCÃO MALTÊS

Dashiell Hammett

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Spade voltou ao seu escritório dez minutos depois das cinco, nessa tarde. Effie Perine estava sentada à escrivaninha dele, lendo o Time. Spade sentou-se sobre a mesa, e perguntou:
- Alguma notícia palpitante?
- Nada. Você parece que viu passarinho verde.
Ele sorriu, contente.
- Acho que arranjamos um futuro. Sempre me pareceu que se Miles sumisse e morresse por aí, nós teríamos mais probabilidades de prosperar. Quer tomar a incumbência de lhe mandar flores em meu nome?
- Já mandei.
- Você é um anjo. Como está a sua intuição feminina, hoje?
- Por quê?
- Que pensa você da Wonderly?
- Eu gosto dela. -replicou a moça sem hesitação.
- Ela arranjou nomes demais. Spade concentrou-se  -  Wonderly, Leblanc, e diz que o verdadeiro é O'Shaugh-nessy.
- Não me importa que ela tenha todos os nomes da lista telefônica. Essa moça é séria, e você sabe disso.
- Imagino. - Spade piscou sonolentamente para Effie Perine, e caçoou: - De qualquer forma ela escorregou setecentos mangos em dois dias, e isso é ótimo.
Effie Perine endireitou-se na cadeira, dizendo:
- Sam, se essa moça está em dificuldades e se você não a auxiliar, ou tirar vantagem disso para explorá-la, eu nunca o perdoarei, nem terei respeito nenhum por você, enquanto viver .

Spade teve um sorriso forçado. Depois franziu os sobrolhos. A carranca também era forçada. Abriu a boca para falar, mas o ruído de alguém entrando pela porta do corredor interrompeu-o. Effie Perine levantou-se e entrou na sala externa. Spade tirou o chapéu e sentou-se na sua cadeira. A moça voltou com um cartão onde estava impresso "Mr. Joel Cairo". 
- É um sujeito estranho - disse ela.
- Então faça-o entrar, meu bem - disse Spade.

Joel Cairo era um homem moreno, de ossos miúdos e estatura mediana. Tinha o cabelo escuro e liso, e muito lustroso. Seus traços eram orientais. Um rubi quadrado, ladeado por quatro barrinhas de brilhantes, brilhava contra o verde escuro da sua gravata. O paletó preto, cortado de acordo com os ombros estreitos, alargava-se um pouco sobre os quadris meio desenvolvidos. As calças mais estreitas do que mandava a moda ajustavam-se às pernas roliças. A parte superior dos sapatos de couro envemizado estava oculta por polainas cáqui. Segurava um chapéu preto, duro, na mão enluvada de camurça, e veio ao encontro de Spade com passinhos curtos, balanceados. Uma aroma de "chypre" entrou consigo.  Spade inclinou a cabeça para o visitante, e em seguida apontou em direção a uma cadeira, dizendo: 
- Sente-se, Sr. Cairo.
Cairo inclinou-se cerimoniosamente sobre o chapéu, disse
- Muito obrigado - em uma voz fina e aguda, e sentou-se. Sentou-se com afetação, cruzando as pernas, colocando o chapéu sobre os joelhos, e começou a tirar as luvas amarelas.

Spade recostou-se na cadeira e perguntou: - Em que ajudar, Sr. Cairo? - A amável negligência da sua voz, seu movimento na cadeira, eram exatamente iguais aos que quando endereçara a mesma pergunta a Brigid O'hnessy, no dia anterior .

Cairo virou o chapéu para cima, deixando cair as luvas , e colocou-o assim virado no canto da escrivaninha que ficava próximo. Fulguravarn brilhantes no segundo e quarto dedos de sua mão esquerda, e no terceiro da mão direita um rubi que fazia par com o da gravata, até mesmo nos brilhantes o circundavam. Tinha as mãos macias e bem cuidadas. Apesar de não serem grandes, sua flácida rotundidade faziam-nas parecerern mal conformadas. Esfregou as palmas uma na outra e disse encobrindo o leve ruído que produziram:
- Permite que um estranho apresente condolências pela desgraçada morte de seu sócio?
- Obrigado.
- Posso perguntar, Sr. Spade, se havia, como os jornais deduziram, uma certa... ah... relação entre esse infeliz acontecimento e a morte, um pouco mais tarde, desse Thursby?

Spade não respondeu, numa atitude definida, o rosto inexpressivo.

Cairo levantou-se e se inclinou. - Peço desculpas - Sentou-se de novo, e colocou as mãos lado a lado com as com as palmas para baixo, no canto da escrivaninha. - Mais do que simples curiosidade levou-rne a perguntar-lhe isto, Sr. Spade. Estou tentando recuperar um. ..ah! ...ornamento que foi... como diremos?...extraviado. Julguei, e esperava, que o senhor pudesse me auxiliar .

Spade aquiesceu, com as sobrancelhas levantadas, para demonstrar atenção.

- O ornamento é uma estatueta -continuou Cairo, escolhendo e mastigando cuidadosamente as palavras - a figura de um pássaro preto.

Spade aquiesceu de novo, com interesse cortês.

- Estou pronto a pagar, em nome do legítimo proprietário da figura, a soma de cinco mil dólares para recuperá-lo. - Cairo levantou uma das mãos de sobre a escrivaninha e tocou ponto no ar com a ponta do indicador disforme, coberto por uma unha chata. - Estou pronto a prometer que. ..como é que se diz? não serão feitas perguntas. - Pôs a mão sobre a escrivaninha de novo, ao lado da outra, e sorriu afavelmente por cima delas, para o detetive particular .
- Cinco mil é uma boa quantia de dinheiro - comentou Spade olhando pensativamente para Cairo.
- É...

Ouviu-se uma batida leve na porta. Quando Spade ordenou - Entre - a porta abriu-se o suficiente para dar passagem à cabeça e aos ombros de Effie Perine. Ela pusera um chapeuzinho de feltro escuro e um casaco também escuro, com gola de pele cinzenta.

- Precisa de mais alguma coisa? -perguntou.
- Não. Boa noite. Tranque a porta quando sair, por favor.
- Boa noite - disse ela, e desapareceu atrás da porta que se fechou.

Spade voltou-se na cadeira para encarar Cairo de novo, dizendo:
- É uma quantia interessante.
O ruído da porta do corredor, fechando-se atrás de Effie Perine, chegou até eles. Cairo sorriu e tirou uma pistola preta, curta, chata e compacta, de dentro de um bolso interno.

- Faça o favor - disse ele - junte as mãos sobre a nuca.

Vi no Subcultura.

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