Martin Amis
Lá estava Lionel, uma forma grande e branca, encostado na porta aberta, com o punho erguido e apertado contra a testa, a respiração ofegante e rouca e exalando um débil vapor cinzento em sua camiseta regata roxa (o elevador andava se comportando mal e o apartamento ficava no terceiro andar — mas na verdade Lionel podia exalar vapores até quando cochilava na cama numa tarde sossegada). Debaixo do outro braço trazia um carregamento de cerveja lager. Duas dúzias, envoltas em polietileno. Marca: Cobra. “Voltou mais cedo, tio Li.” Ele ergueu a mão calejada. Os dois ficaram esperando. Em seu aspecto exterior, Lionel era o típico brutamontes — o corpo semelhante a uma laje, a cara feito um bloco inteiriço, a coroa da cabeça com o cabelo raspado bem curto e restolhos de uns pelinhos castanhos. Soltos pelas cidades do mundo, havia centenas de milhares de jovens muito parecidos com Lionel Asbo.
Sob certas luzes e em certos cenários, algumas pessoas diziam, ele parecia o atacante Wayne Rooney, o prodígio da Inglaterra e do Manchester United: não extraordinariamente alto nem gordo, mas excepcionalmente largo e excepcionalmente pro‑ fundo (Des via o tio todos os dias, e Lionel sempre parecia ter um tamanho um número maior do que ele esperava). Tinha até o sorriso de Rooney, com aquela falha nos dentes. Bem, os incisivos superiores eram amplamente espaçados, embora Lionel raramente sorrisse. Só se viam os dentes quando ele fazia cara de escárnio. “O que você está fazendo aí com essa caneta? O que está escrevendo? Desembucha.” Des tratou de pensar rápido. “Eh, é uma coisa de poesia, tio Li.” “Poesia?”, exclamou Lionel, sobressaltado, dando um passo para trás. “Pois é. Um poema chamado A rainha das fadas.” “O quê?… Às vezes você me deixa maluco, Des. Por que não vai para a rua quebrar umas vidraças? Isso não é saudável. Ah, sim, escute só. Sabe aquele babaca que cobri de porrada no pub na outra sexta‑feira? O sr. Ross Knowles, lembra? Pois ele vai me pro‑ cessar. Me dedurou para a polícia. Nem dá para acreditar.” Desmond sabia como Lionel podia se sentir sobre esse tipo de coisa. Certa noite no ano anterior, Lionel chegou em casa e encontrou Des no sofá de couro sintético preto, inocentemente jogado na frente da televisão, vendo o programa Crimewatch, sobre crimes não desvendados. O resultado foi uma das mais longas e ruidosas séries de bofetadas que ele já recebeu das mãos do tio. Eles estão pedindo às pessoas, disse Lionel, de pé diante da tela colossal, com as mãos na cintura, para dedurar os próprios vizinhos. Crimewatch é que nem um… um programa para pedófilos, pode crer. Me dá nojo. Então Des perguntou: “Ele procurou a justiça? Ah, isso… isso é… a coisa mais baixa de todas as coisas mais baixas, sinceramente. O que é que você vai fazer, tio Li?” “Bom, andei perguntando por aí e descobri que ele é um cara que vive sozinho. Mora num conjugado. Quer dizer que não tem ninguém que eu possa pegar para aterrorizar. A não ser ele mesmo.” “Mas ele continua no hospital.” “E daí? Vou levar para ele um cacho de uvas. Você cuida da comida dos cachorros para mim?” “Pode deixar. Só que estamos sem pimenta Tabasco.” Os cachorros, Joe e Jeff, eram os pit bulls psicopatas de Lionel. O domínio deles era a estreita varandinha da cozinha, onde, o dia inteiro, os dois ficavam rosnando, andando para lá e para cá, e rodopiando — e levavam adiante sua guerra de latidos contra o bando de rottweilers que morava na varanda do prédio vizinho. “Não minta para mim, Desmond”, disse Lionel bem tranquilo. “Nunca minta para mim.” “Não estou mentindo!” “Você me disse que dava comida para os cachorros. E nunca me contou que dava molho de pimenta para eles!” “Tio Li, eu não tinha dinheiro! Só estavam vendendo os frascos grandes e eles custam cinco libras e noventa e cinco!” “Isso não é desculpa. Você devia ter roubado um vidro. Gastou trinta pratas, trinta pratas, na merda de um dicionário e não pode poupar uns trocadinhos para os cachorros?” “Eu nunca na vida gastei trinta pratas!… Vovó me deu. Ela ganhou nas palavras cruzadas. Nas palavras cruzadas premiadas.” “Joe e Jeff… eles não são bichinhos de estimação, Desmond Pepperdine. São ferramentas de trabalho para mim.” O trabalho de Lionel continuava a ser um mistério para Des.
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