Cormac McCarthy
Uma legião de horríveis, centenas em número, seminus ou em trajes clássicos ou bíblicos ou tirados de um armário num delírio, com peles de animais e atavios de seda e peças de uniforme ainda manchadas com o sangue dos antigos donos, capotes de dragões chacinados, túnicas de cavalaria com alamares e debruadas, um de cartola e um com um guarda-chuva e um de meias brancas e com um véu de noiva manchado de sangue e alguns com cocares de penas de garça ou capacetes de couro cru com chifres de touro ou de búfalo e com uma casaca vestida ao contrário e com o rosto nu e um com uma armadura de um conquistador espanhol, o peito e as espáduas completamente amassados por antigos golpes de massa ou sabre desferidos em outro país por homens cujos ossos eram pó e muitos com tranças entremeadas com cabelos de outros animais enquanto rastejavam pelo chão e as orelhas e rabos de seus cavalos enfeitadas com pedaços de panos coloridos e um cujo cavalo tinha toda a cabeça pintada de vermelho carmesim e todos os cavaleiros com pinturas espalhafatosas e grotescas no rosto como um regimento de palhaços montados, de matar de rir, todos berrando numa língua bárbara e cavalgando como uma horda saída de um inferno ainda mais terrível do que a terra de enxofre do juízo final cristão, guinchando e uivando e envoltos em fumaça como aqueles seres fantásticos de regiões além do justo conhecimentos onde o olho vagueia e o lábio resseca e baba.
O regimento agora conseguira parar e os primeiros tiros estavam sendo desfechados e a fumaça cinzenta dos rifles rolava em meio à poeira ao mesmo tempo que os lanceiros abriam brechas em suas fileiras. O cavalo do garoto desabou embaixo dele com um suspiro longo e profundo Ele já tinha atirado com seu rifle e agora estava sentado no chão e atrapalhado com sua cartucheira. Um homem perto dele estava sentado com uma flecha pendendo do pescoço. Estava levemente curvado, como se estivesse rezando. O garoto ia puxar a ponta ensangüentada mas então viu outra flecha cravada no seu peito e o homem estava morto. Havia cavalos caídos por todo lado e homens arrastando-se e ele viu um homem sentado carregando seu rifle enquanto sangue escorria de suas orelhas e viu homens com seus revólveres abertos tentando ajustar seus cilindros mal municiados e viu homens de joelhos pendendo e abraçando suas sombras no chão e viu homens transpassados por lanças e agarrados pelos cabelos e escalpelados de pé e viu os cavalos dos guerreiros pisarem em cima dos caídos e um pônei pequeno de focinho branco com um olhar sombrio avançou para ele e tentou mordê-lo como um cachorro e foi embora. Entre os feridos alguns pareciam idiotas e inconscientes e alguns estavam pálidos atrás das máscaras de poeira e alguns tinham se borrado ou cambaleado até as lanças dos selvagens. Agora movendo-se numa fila turbulenta os cavalos impetuosos com olhos esbranquiçados e dentes afiados e cavaleiros nus com feixes de flechas presos entre os dentes e seus escudos cintilando na poeira e indo para o extremo das fileiras destroçadas entre o assobio de flautas de ossos e pendurados de lado em suas montarias com um calcanhar pendendo das correias ressecadas e seus pequenos arcos flectidos sob os pescoços esticados dos pôneis até terem cercado o regimento e cortado suas fileiras em dois e então voltando como vultos ridículos, alguns com figuras assustadoras pintadas no peito, cavalgando entre os saxões a pé e espetando-os e batendo neles de cima de suas montarias com facas e galopando ao redor sobre o solo com um trote cambaio peculiar como criaturas impelidas por estranhas formas de locomoção e arrancando as roupas dos mortos e pegando-os pelos cabelos e passando suas lâminas pelo crânio tanto dos vivos como dos mortos e erguendo no ar os escalpos ensangüentados e cortando e retalhando corpos nus, arrancando membros, cabeças, abrindo os torsos dos brancos estranhos e exibindo punhados de vísceras, órgãos genitais, alguns dos selvagens tão empapados com sangue que deviam ter rolado nele como cães e alguns atiravam-se sobre os agonizantes e os sodomizavam gritando alto para seus companheiros. E agora os cavalos dos mortos surgiram pisoteando da fumaça e da poeira e com os arreios balançando e crinas desgrenhadas e olhos embranquecidos pelo medo como os olhos dos cegos e alguns estavam cheios de flechas e alguns atravessados por lanças e tropeçando e vomitando sangue enquanto andavam pela terra assassina e trotavam de novo fora do alcance da vista. Poeira grudava-se nas cabeças molhadas e nuas dos escalpelados que com a orla de cabelos abaixo das feridas e tonsurados até o osso agora jaziam como macacos mutilados na poeira assentada pelo sangue e por todo lado os agonizantes gemiam e diziam coisas desconexas e cavalos estavam caídos guinchando.
Vi no Escrivinhamentos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário