quarta-feira, 1 de setembro de 2010

OS DETETIVES SELVAGENS

Roberto Bolaño

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Acordei em casa de Catalina O’Hara. Enquanto tomava o café da manhã, bem cedinho (María não estava, o resto da casa dormia), com Catalina e seu filhinho Davy, que ela precisava levar para o berçário, lembrei-me de que na noite anterior, quando só restávamos uns poucos, Ernesto San Epifanio dissera que existia literatura heterossexual, homossexual e bissexual. Os romances, geralmente, eram heterossexuais, já a poesia era absolutamente homossexual, os contos, deduzo, eram bissexuais, mas isso ele não disse.

Dentro do imenso oceano da poesia, [San Epifanio] distinguia várias correntes: bichonas, bichas, bicharocas, bichas-loucas, bonecas, borboletas, ninfos e bâmbis. Walt Whitman, por exemplo, era um poeta bichona. Pablo Neruda, um poeta bicha. William Blake era uma bichona, sem sombra de dúvida, e Octavio Paz, bicha. Borges era bâmbi, quer dizer, de repente podia ser bichona e de repente simplesmente assexuado. Rubén Dario era uma bicha-louca, na verdade a rainha e o paradigma de todas as bichas-loucas (...) Uma louca, segundo San Epifanio, estava mais próxima do hospício florido e das alucinações em carne viva, enquanto as bichonas e as bichas vagavam sincopadamente da Ética à Estética, e vice-versa. Cernuda, o querido Cernuda, era um ninfo e, em ocasiões de grande amargura, um poeta bichona, enquanto Guillén, Aleixandre e Alberti podia ser considerados bicharoca, boneca e bicha, respectivamente. Os poetas tipo Carlos Pellicer eram, via de regra, bonecas, enquanto poetas como Tablada, Novo, Renato Leduc eram bicharocas. (...)

O panorama poético, afinal de contas, era basicamente a luta (subterrânea), o resultado da pugna entre poetas bichonas e poetas bichas para se apropriarem da palavra. As bicharocas, segundo San Epifanio, eram poetas bichonas no sangue, que por fraqueza ou comodidade acatavam --se bem que nem sempre-- os parâmetros estéticos e vitais das bichas. [Na Itália], bichas feito Ungaretti, Montale e Quasimodo [rivalizam com] um poeta bichona feito Leopardi (...) Com Pavese não me meto, era uma bicha-louca triste, exemplar único em sua espécie, nem me meto com  Dino Campana, que come em mesa à parte, a mesa das bichas-loucas terminais.

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